I can see clearly now, the rain is gone

A Licença Social para Operar (LSO) resulta do nível de confiança que a sociedade deposita em uma empresa, influenciado pelas culturas dessa sociedade e da corporação, traduzida em suas práticas ambientais, sociais e de governança (ASG). Dinamicidade e instabilidade são intrínsecas à LSO, já que esta depende de como um empreendimento se comporta no tempo frente aos impactos que gera no território e também de fatores exógenos, sobre os quais o empreendedor muitas vezes não tem ingerência. Assim, para minimizar a insegurança do investidor face às consequências de conflitos que podem emergir da perda da LSO, é preciso construir uma relação “ganha ganha” com seus stakeholders

Nessa ótica, desenvolvemos, na Ferreira Rocha Assessoria e Serviços Socioambientais (FR), metodologia para orientar – para diferentes tipos, portes e estágios de empreendimentos – o planejamento estratégico de investimentos socioambientais das corporações que transcendam a mitigação e compensação de impactos nos espaços onde atuam, buscando ali solidificar suas interações, minimizar seus riscos e alavancar sua imagem de forma mais ampla, ao encontro da relação com seus investidores. Essa metodologia fundamenta-se na escuta e no diálogo qualificado com partes interessadas, e no conhecimento atualizado dos territórios.

Desenvolvemos esses princípios e práticas para subsidiar esse planejamento estratégico aplicado a uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) na região sul do País, de propriedade de uma empresa multinacional de geração de energia elétrica renovável, em instante prévio ao início de implantação da usina. Os resultados muito positivos alcançados e o reconhecimento do sucesso de sua contribuição para o alcance de metas e indicadores corporativos de ASG levaram esse empreendedor a replicar o método, até o momento, para mais dois parques solares nas regiões sudeste e nordeste, quando estavam começando a serem implantados.

Em síntese, o objetivo principal dos trabalhos é, em um prazo reduzido, de cerca de dois a três meses, obter um retrato atualizado da realidade socioambiental e cultural do território de inserção do empreendimento, destacando suas principais vocações, fragilidades e oportunidades, de forma que se possa fornecer ao empreendedor recomendações, tecnicamente embasadas, para a prática de Responsabilidade Social Estratégica (RSE) e estratégias de ASG ainda na etapa de construção e no início de operação de seu projeto.

Para isso:

  • Identifica-se e prioriza-se os temas materiais que são importantes para os stakeholders locais e regionais;
  • Percebe-se, junto a esses stakeholders, sua avaliação sobre as obrigações socioambientais já cumpridas ou em curso pelo empreendedor, e outros investimentos sociais presentes no território. Não apenas sob a ótica do “se foram feitos ou não”, mas também sob o viés de como se deu o processo de atendimento;
  • Identifica-se e avalia-se potenciais parcerias locais e regionais para atuação conjunta com o empreendedor.

Parte-se, como eixo metodológico estruturante, da aplicação dos conceitos, estratégias e práticas associados à LSO e, por conseguinte, daqueles relacionados a engajamento de stakeholders e à gestão de riscos sociais, conforme consolidado por Rocha *. 

Com vistas à priorização dos temas materiais que são identificados junto aos stakeholders, utiliza-se, de forma sinérgica, metodologias desenvolvidas para identificar os grupos que exercem ou podem vir a exercer uma forte influência, e estão muito empenhados na defesa de algumas demandas em função de seu nível de expectativas em relação ao empreendimento e ao seu poder de afetar as tomadas de decisão. 

As atividades compreendem trabalhos de escritório e campo. A exemplo dos diagnósticos socioeconômicos tradicionais, a análise prévia de dados secundários leva em consideração dados demográficos, aspectos de educação, saúde, saneamento, segurança e lazer. Para atender à vertente ambiental, busca-se atualizações sobre áreas sob regime especial de proteção porventura existentes no território e ou em seu entorno, bem como a elaboração de mapeamento atualizado de uso, ocupação do solo e cobertura vegetal. Isso além da busca de dados sobre eventuais comunidades tradicionais existentes na região.

A fase de campo divide-se em “mapeamento social” e “monitoramento socioeconômico domiciliar”. Para o primeiro, são consideradas entrevistas semiestruturadas com as principais lideranças formais (gestores ou representantes de associações, entidades ou do poder público) e informais que exercem atividades diversas junto às comunidades. Nesses contatos busca-se explorar a ligação dos entrevistados com o território, história e aspectos gerais da região, suas percepções em relação à infraestrutura e aos serviços sociais, bem como as opções de lazer e cultura locais. Idem com relação à participação em grupos sociais, ambientais e atividades coletivas, bem como o sentimento quanto a fazerem parte do desenvolvimento local por meio de suas iniciativas e formas de participação comunitária. Já o monitoramento socioeconômico é realizado com famílias e moradores das sedes municipais e de todas as comunidades rurais próximas ao empreendimento.

Como um resultado adicional do trabalho, disponibiliza-se ao empreendedor ferramenta desenvolvida pela Ferreira Rocha que lhe permite, para cada linha de investimento proposta, avaliá-la, pontuá-la e revisar periodicamente esse planejamento em função de critérios próprios à Companhia, tais como alinhamento a prioridades corporativas e a orçamentos socioambientais e de RSE, dentre outros. Ou seja, possibilita-se, assim, avaliar a matriz de materialidade definida à luz das percepções e expectativas dos stakeholders com aquela antevista pelo investidor, conforme preconizam as estratégias ASG.

Ao fim e ao cabo, a aplicação dessa metodologia possibilita ao empreendedor colaborar efetivamente para incrementar a qualidade ambiental dos territórios onde atua, para além da mitigação dos impactos ambientais gerados pelas suas atividades; auferir resultados e recomendações para orientá-lo no sentido de minimizar riscos de relacionamento com suas partes interessadas; e reduzir contingências econômico-financeiras futuras e possibilidades de investimentos em ativos e ou ações que venham ao encontro de benefícios individuais em detrimento dos coletivos.

Materializa-se, assim, uma linha base para avaliar transformações no território a partir da implementação do projeto e, como consequência, minimiza-se, gradativamente, o risco de dependência econômica da região em relação ao empreendedor. No entanto, para que essa geração de valor compartilhado se incorpore efetivamente ao território, o diagnóstico e a consequente reavaliação de investimentos socioambientais devem ser atualizados periodicamente. 

A metodologia é aplicável a empreendimentos de diversos portes e setores produtivos, e a diferentes fases dos projetos, com adequações de alguns procedimentos, cronogramas e recursos, mas resguardando seus objetivos e benefícios precípuos. Nesse sentido, na nossa trajetória de evolução da metodologia, hoje já a incorporamos a due diligences socioambientais que concluímos para mais de 30 (trinta) PCHs em diferentes estados do País, começando agora a estendê-la para avaliação também de parques eólicos e à sua aplicação na fase de elaboração de estudos ambientais, como está em curso em processo para ampliação de um grande empreendimento minerário em Minas Gerais.

* ROCHA, D. J. L. Retórica e prática na gestão de stakeholders em empreendimentos hidrelétricos: O estudo de caso da UHE Santo Antônio. 2020, 274 f. Trabalho Aplicado (Mestrado em Gestão para a Competitividade) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – FGV, São Paulo, 2020.

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Sempre em frente. Não temos tempo a perder

Parece um assunto novo, que veio recentemente fortalecido pela força das mídias sociais atuais e ao mesmo tempo, com a pandemia, o aumento da consciência do ser humano em valorizar a vida, a família, o espaço e trazer novamente a ligação da sociedade com a natureza e seus ciclos. Mas o assunto de mudança climática e mercado de crédito de carbono já completa seus quase 30 anos, depois da criação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC, em inglês), durante a ECO 92. Foi fortalecido com o grande encontro no ano de 1997 em Quioto e a criação a partir de 2005 do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), que permitiu os países com metas de redução investirem em países ainda sem metas definidas, transformando em reduções certificadas de emissões (CER).

Até aqui, muita gente do setor elétrico já tinha ouvido falar sobre este tal crédito de carbono, Protocolo de Quioto e MDL. O fato é que este mecanismo citado acima, com todos os seus defeitos iniciais, proporcionou no Brasil e no mundo o incentivo de grandes investimentos em tecnologias ainda inexistentes na época e transferência de tecnologias em vários projetos.

De lá para cá muita coisa mudou, principalmente as regras, que ficaram mais rígidas a cada ano e principalmente porque o CER se tornou uma espécie de commoditie, sendo assim, o CER se tornou vulnerável às oscilações do mercado financeiro e de eventuais crises. Exemplo disso foi que, junto com a crise do ano de 2011 na Europa veio a queda do valor do CER, de patamares acima de 15 Euros em 2008 para menos de 1 Euro no final de 2014. Soma-se a isso as indefinições das diversas reuniões das Conferência das Partes (COP) desde a sua primeira versão (COP 01) na Alemanha em 1995.

No ano de 2015 aconteceu a COP 21 em Paris, importante encontro, pois pela primeira vez definiu medidas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas e que foi aprovado com aclamação por quase todos os países signatários (195 países) e também foi criado o chamado Acordo de Paris. Porém ficaram algumas pendências, como a definições da continuidade do MDL, o que tornou o ambiente de Mercado Regulado de Carbono ainda sem definições e cada vez mais perdendo a credibilidade. Com estas indefinições, se fortaleceu em paralelo o Mercado Voluntário de carbono, formado por empresas e indivíduos que voluntariamente decidem neutralizar suas emissões, o chamado VCS (Voluntary Carbon Standard). 

Desde a COP 21 se passaram 5 anos e muita coisa aconteceu. No Brasil as inserções das fontes de energias limpas na matriz elétrica deram um grande salto, principalmente impulsionados pela energia eólica e solar, que começaram se viabilizar tanto por incentivo de novas regulações, mas principalmente pelo barateamento das tecnologias disponíveis. A energia solar, por exemplo, tem uma projeção de crescimento até 2029 de 500%, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Os projetos de geração de energia através do biogás, por terem grande capacidade de redução de gases de efeito estufa (metano) e consequentemente oportunidade de geração de grandes volumes de CER, foi e está sendo, um grande exemplo de inserção de tecnologia que não existia no Brasil.

O que a energia limpa e renovável tem a ver com o mercado de carbono? Os resultados principais da COP 26 neste ano de 2021 mostram o que este Setor pode contribuir para o atingimento das metas:

Limitar o aquecimento a 1,5 °C

As energias renováveis possuem no seu processo um nível de emissão muito inferior as energias fósseis. Algumas tecnologias possuem até a característica incrível de ser carbono negativa, a ser comentado logo abaixo.

Redução da emissão do gás metano

Dentro das energias renováveis o aproveitamento energético do metano, tanto para energia elétrica quanto para combustível, é a única de carbono negativo de todas, ou seja, gera-se energia limpa e ao mesmo tempo é eliminado o metano, gás este com potencial de efeito estufa até 25 vezes maior em relação ao dióxido de carbono.

Redução do uso do carvão 

Eólica, solar, biomassa, biogás, hidrogênio, entre outras, juntamente com tecnologias de armazenagem (baterias), podem e devem ser alternativas para a substituição do carvão, que é usado no mundo para gerar mais de 35% da energia elétrica.

Redução de subsídios aos fósseis

O dinheiro foi um dos principais temas nas negociações da COP 26, tanto nas questões de como não deixar a conta para os mais pobres e vulneráveis, como para o fim do subsídio para fontes fósseis, principalmente o carvão e petróleo. Um grupo de grandes bancos, seguradoras e investidores que juntos controlam 130 trilhões de dólares se comprometeram a colocar a crise climática no centro de atuação das decisões. Para isso as fontes de energia renováveis terão um papel fundamental para que os países tenham sua matriz mais limpa de energia, e ao mesmo tempo que não tenham riscos de apagão e oscilações de fontes de energia intermitentes.

Continuidade do mercado regulado de carbono, o MDL

O MDL terá sua continuidade, porém em um modo ampliado focado além do ambiental, no social. Além disso os projetos de MDL que já estão em operação, serão permitidos emitir créditos de carbono até 31 de dezembro de 2020, desde de que registrados de janeiro de 2013 para frente.

Dentro deste contexto, projetos de energia renovável podem se beneficiar bastante, desde que provem que os créditos de carbono são adicionais, e esta receita adicional pode ajudar a viabilizar principalmente tecnologias ainda caras e sem escala.

O tempo está passando, as metas parecem estar longe, mas os anos de 2030, 2040 ou 2050, anos em que quase todas as metas da COP 26 estão ancoradas, estão quase ai, temos todo tempo do mundo e ao mesmo tempo não temos tempo a perder…

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