Atrás do arranha-céu tem o céu

Como a Agenda 2030 pode apoiar as cidades a atingirem o Desenvolvimento Sustentável: suas vantagens para os centros urbanos e seus desafios.

Delfim Rocha

Até 2050, segundo o UN-Habitat, 61% da população mundial viverão em cidades. Assim, imaginando-se que estas são as menores unidades deliberativas no âmbito público e onde tudo acontece na prática, esta forma de assentamento humano transforma-se no principal vetor para se atingir as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Ainda de acordo com o UN-Habitat, cerca de 65% dos ODS só podem ser atingidos por meio das cidades. No entanto, em acordo com pesquisa do Instituto Groundbreaking, desde 2017 até 2021, somente 67 (sessenta e sete) cidades no mundo entregaram seus Relatórios Voluntários Locais (VLR, em inglês), ou seja, divulgaram seus resultados à luz dos ODS. 

Portanto, como será possível chegar aos ODS com um engajamento tão pequeno das cidades nessa agenda? Como mirar e atingir as questões que fazem com que uma cidade tome a decisão de adotar a Agenda 2030 como base de planejamento? 

No Brasil, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), um grande número de cidades ainda não está alinhado, em termos de seus planejamentos estratégicos, com os ODS e luta com uma visão de curto prazo relacionada à política e às gestões de quatro anos de vigência, ou no máximo oito anos, caso haja reeleições. Nesse cenário, os planos de médio e longo prazo que envolvem os ODS parecem pouco aderentes, em especial se o conhecimento dos gestores sobre o assunto for muito superficial. 

Em geral, o desconhecimento das metas relacionadas aos ODS e o recente desenvolvimento de metodologias para realizar as aferições para as cidades também dificultam uma analogia e a aplicação das formas de medir os Objetivos nessas unidades territoriais. A falta de padronização e de instrumentos de medida dos resultados nas prefeituras, principalmente nas menores, também vem se mostrando uma questão nevrálgica para a adesão aos Objetivos. 

Atualmente, existem vários esforços para criar maneiras simplificadas e também bons indicadores para a comparação dos Municípios no que tange às metas dos ODS, porém, ainda há diversos obstáculos nas prefeituras para que essas administrações consigam utilizar tanto metas, quanto indicadores análogos àqueles dos ODS. 

Uma das principais questões tem a ver com a compartimentalização das secretarias, que têm objetivos específicos e que, muitas vezes, apesar de estarem totalmente ligados aos de outras secretarias, acabam por não integrar nem as ações, nem os indicadores. Nesse contexto, vale lembrar que as metas definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para os ODS demostram claramente a necessidade dessa integração, demonstrando que todos os ODS são indivisíveis e interligados. 

Essa ausência de pensamento sistêmico por parte dos gestores faz com que seja difícil cumprir e melhorar resultados. Assim, tem-se, em geral, uma intensa sobreposição de ações nas prefeituras buscando atingir metas definidas à luz dos ODS, levando a um desperdício de recursos tanto financeiros, quanto humanos. Nessa linha, muitas vezes é possível verificar que duas secretarias realizam ações com o mesmo público, com objetivos semelhantes e que não são sequer conhecidas uma pela outra. 

Outra dificuldade é a falta de instrumentos de avaliação padronizados que sejam utilizados por vários municípios e que possam, de alguma maneira, criar um meio de comparação das práticas e de compartilhamento dos projetos que funcionam em todos esses diferentes ODS. 

Nesse sentido, no estado de São Paulo, um dos principais indutores do engajamento dos municípios nas agendas foi o Tribunal de Contas do Estado (TCE), que alinhou seus instrumentos de avaliação de desempenho dos municípios aos Objetivos, fazendo com que, de alguma forma, todos os municípios paulistas tivessem que se aproximar e avaliar sua gestão a partir das metas dos ODS. 

Mesmo assim, poucos municípios têm apresentado suas avaliações de resultados do seu desempenho ao encontro dos ODS. Muito porque essas são mais vistas como instrumentos de controle do TCE do que como instrumentos de gestão. 

Atualmente, vantagens interessantes aparecem junto aos bancos de financiamento público para os municípios que têm esses instrumentos de avaliação, quando em busca de recursos para projetos e implementação de políticas de infraestrutura, provendo recursos com condições de juros e pagamentos mais atraentes para os municípios que trabalham alinhados aos ODS. 

Em suma, imaginar que um município está alinhado com uma agenda global é algo que pode ser muito efetivo para a criação de uma narrativa de Desenvolvimento Sustentável, com engajamento dos munícipes e com a real estruturação de projetos que confiram mais resiliência para essas cidades. 

Faz-se, portanto, necessário que movimentos como o desenvolvido pela prefeitura de Nova Iorque, em busca do engajamento e assinatura de pactos para os ODS, se multipliquem, e da mesma forma, que os Tribunais de Contas de mais estados adotem as práticas do TCE de São Paulo, induzindo – e quase que obrigando – os municípios a se alinharem a esta agenda global. Caso ações como esta não sejam realizadas com mais assertividade, certamente estaremos cada vez mais longe de atingir as metas previstas pelos ODS para a Agenda 2030 e de se chegar a um resultado positivo na reversão do aquecimento global, da desigualdade extrema e da ampla degradação do meio ambiente. 

Autores:

Delfim Rocha: Engenheiro Civil, MSc. em Sustentabilidade junto à FGV EAESP e em Mecânica dos Solos pela Coppe/UFRJ. Atuou em empresas de consultoria de porte internacional, ocupou a Gerência Ambiental de Energia da Alcan Aluminíos do Brasil e Novelis do Brasil, e a Coordenação Corporativa de Licenciamento Ambiental de Mineração e Indústria da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Além de ocupar, desde 2009, a Diretoria Executiva da Ferreira Rocha Assessoria e Serviços Socioambientais, presta assessoria técnico-estratégica para gestão socioambiental e avaliação de novas oportunidades de negócios, em especial nos setores de energia, mineração e empreendimentos imobiliários. 

Monica Picavea: Jornalista, MSc. em Sustentabilidade junto à FGV EAES e em Negócios pela Baldwin Wallace de Ohio, e formada em Design para a Sustentabilidade pelo Gaia Education. Como Diretora da Oficina da Sustentabilidade, presta assessoria técnica a empreendedores nacionais e multinacionais para o planejamento e execução de mapeamento e engajamento de stakeholders em projetos de diferentes setores produtivos, bem como a prefeituras no planejamento estratégico de municípios com base nos ODS.

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Delfim Rocha

Delfim Rocha

Diretor Executivo da Ferreira Rocha, MSc em Sustentabilidade pela FGV Engenheiro Civil; MSc. em Sustentabilidade pela FGV; MSc. em Mecânica dos Solos pela COPPE/UFRJ; e Especialista em Gestão Ambiental e Gestão para a Responsabilidade Social pela PROENCO. Exerce, há 11 (onze) anos, a função de Diretor Executivo e Consultor Técnico Interno da Ferreira Rocha Assessoria e Serviços Socioambientais. Anteriormente, além de ocupar funções de Gerência de Meio Ambiente em empresas de consultoria nacionais e multinacionais de destaque, tais como Leme Engenharia e Golder Associates Brasil, atuou como Gerente Corporativo de Meio Ambiente junto à área de energia da Alcan Alumínios do Brasil e Novelis do Brasil, e de Licenciamento de Mineração e Indústria da então Companhia Vale do Rio Doce. Dentre os projetos socioambientais que gerenciou para o Setor Elétrico, destacam-se o Estudo de Impacto Ambiental para a UHE Belo Monte; assessoria à gestão ambiental.

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