It’s a Long Way to the Top

Por Eduardo de Campos Ferreira e Mariana Rodrigues da Silva

Muito se tem debatido sobre o incentivo ao desenvolvimento sustentável, à proteção da biodiversidade e ao estímulo à descarbonização da matriz energética brasileira. O tema tem sido de especial importância nos últimos meses, considerando que, no início do mês de novembro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-26) em Glasgow, Escócia. 

Impulsionada pela movimentação em âmbito nacional e internacional, em 25 de outubro de 2021, às vésperas do início da COP-26, a Presidência da República lançou o Programa Nacional de Crescimento Verde, por meio do Decreto Federal nº 10.846/2021, o qual definiu, dentre outros, os seguintes objetivos: aliar o crescimento econômico ao desenvolvimento com iniciativas sustentáveis; aprimorar a gestão de recursos naturais para incentivar a produtividade, a inovação e a competitividade; reduzir a emissão de gases de efeito estufa, com vistas a facilitar a transição para a economia de baixo carbono; e incentivar a elaboração de estudos e a realização de pesquisas que contribuam para o uso sustentável dos recursos naturais, a redução de emissões de gases de efeito estufa, a conservação de florestas e a proteção da biodiversidade. 

Na solenidade de lançamento do referido programa, o Ministro do Meio Ambiente ressaltou que os três principais objetivos são: a redução das emissões de carbono; a conservação florestal; e o uso racional de recursos naturais com geração de emprego verde

As discussões relacionadas ao combate às mudanças climáticas fomentaram a adoção de medidas para a redução das emissões atmosféricas e mecanismos de avaliação e fiscalização de atividades potencialmente poluidoras, especialmente do setor petrolífero, no cenário regulatório nacional.

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) também apresentou recentíssimas novidades em relação à busca de meios mais sustentáveis para o setor energético. Em 5 de novembro de 2021, foi emitida a Resolução CNPE Nº 17/2021 para definição de metas compulsórias anuais de emissões de gases causadores de efeito estufa para comercialização de combustíveis e os respectivos intervalos de tolerância, estabelecidos em Unidades de Crédito de Descarbonização (CBIO) para o ciclo de 2022 a 2031. A Resolução definiu a meta anual de 35,98 milhões de CBIO para 2022, a qual deverá ser progressivamente ampliada até 95,67 milhões de CBIO em 2031.

Na mesma data, foi emitida a Resolução CNPE nº 19/2021, que instituiu o Grupo de Trabalho (GT) de Planejamento de Oferta de Áreas com o objetivo de propor estratégias para aumentar a sinergia entre o planejamento da oferta de áreas para exploração de produção de petróleo e gás natural e o processo de licenciamento ambiental.

O GT, dotado de natureza consultiva, foi desenhado para formular propostas relacionadas à definição de: critérios para a priorização dos processos de licenciamento ambiental em curso; medidas para otimizar a especulação, o adensamento e a sobreposição de projetos no licenciamento ambiental de aquisição sísmica; medidas de melhoria dos processos de avaliação ambiental das áreas sedimentares e manifestação conjunta; e estratégias para antecipar procedimentos de licenciamento ambiental das atividades de exploração e produção no planejamento da oferta de áreas. 

Foi publicada ainda a Resolução CNPE nº 20/2021 instituindo o GT de Licenciamento Ambiental, com o objetivo de propor estratégias para otimizar o processo de licenciamento ambiental relacionado à exploração e produção de petróleo e gás natural. O GT terá por responsabilidade propor: a estruturação, planejamento, integração e uso de banco de dados em apoio ao licenciamento ambiental; a criação de fórum técnico permanente entre o governo e a indústria para revisão de dispositivos legais e infralegais relacionados ao licenciamento ambiental da exploração e produção de petróleo e gás natural; a definição de requisitos mínimos para modelagem de dispersão de óleo; e a normatização de boas práticas ambientais pela indústria. 

Ambos GTs serão interdisciplinares, compostos pelas entidades representativas do setor, incluindo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Economia, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Empresa de Pesquisa Energética, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio). Embora não tenham direito a voto, também serão chamadas a participar dos GTs os representantes do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e da Associação das Empresas de Sísmicas (IAGC). 

Os coordenadores dos GTs poderão convidar especialistas e representantes de órgãos e entidades da sociedade civil e de associações para participar de reuniões, bem como prestar assessoramento sobre temas específicos, sem direito a voto. 

A adoção de metas para descarbonização do setor energético, bem como a análise e proposição de medidas para melhoria dos sistemas de avaliação e fiscalização da exploração de petróleo e gás natural por meio do licenciamento ambiental, demonstram o início dos esforços para execução do Programa Nacional de Crescimento Verde. 

Destacamos também que o Programa Nacional de Crescimento Verde estabelece como uma de suas diretrizes o desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos, metodologias, padrões, instrumentos de análise, de monitoramento e de avaliação que observem os aspectos ambientais e climáticos, dado que é etapa essencial para o desenvolvimento sustentável.

Não se pode negar que a indústria petrolífera representa um importante setor da economia brasileira, de modo que é de suma importância que a exploração de petróleo e de gás natural seja realizada em consonância com diretrizes sustentáveis, não só garantindo a adequada execução das atividades, como oportunizando o desenvolvimento da exploração offshore.

A instituição dos GTs para a proposição de medidas sustentáveis e o incentivo às atividades de exploração petrolífera, se conduzidos de acordo com a legislação ambiental e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, poderão representar o pontapé inicial necessário para a movimentação dos demais setores da economia, visando à contínua transição para uma economia mais limpa.

 

 A solenidade de lançamento do Programa Nacional de Crescimento Verde poderá ser visualizada no seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=d7e5Q3pgLWk

 O CNPE foi instituído por meio da Lei Federal nº 9.478/1997, presidido pelo Ministério de Minas e Energia, a fim de assessorar a Presidência da República na formulação de políticas e diretrizes energéticas; medidas para o aproveitamento racional dos recursos energéticos do país; medidas para assegurar o suprimento de insumos energéticos às áreas mais remotas ou de difícil acesso; revisão periódica das matrizes energéticas aplicadas às diversas regiões do país; programas específico para o uso de fontes energéticas, incluindo fontes alternativas como energia eólica e solar, entre outros.

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I’ve got the power

Por Eduardo de Campos Ferreira e Roberta Danelon Leonhardt

Os conceitos do desenvolvimento sustentável há muito tempo são discutidos no âmbito internacional. Primeiramente registrados no relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Brundtland, no final da década de 80, seus objetivos mantêm-se atuais até hoje.

Nessa mesma década passou-se a ser discutida a constatação de que o desenvolvimento de uma nova tecnologia em determinado lugar pode – e possivelmente irá – gerar preocupações e consequências para todo o mundo. A comunidade científica volta-se à nova premissa de que os riscos das atividades potencialmente poluidoras podem alcançar todo o planeta.

Tais correntes de pensamento se cruzam e o reconhecimento da comunidade política internacional quanto à necessidade de se conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a utilização dos recursos da natureza foi sedimentado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra. Finalmente os países passaram a efetivamente desenvolver políticas e ações concretas para proteger o meio ambiente.

O tema desenvolvimento sustentável talvez nunca perca a atualidade, mas, sem dúvida, sofre transformação e sua aplicação vem sendo aprimorada. Anos após, em 2015, a Organização das Nações Unidas (“ONU”) propôs uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, a chamada Agenda 2030, composta pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“ODS”)[3]. Trata-se de um esforço conjunto de países, setor privado, instituições e sociedade civil visando adotar medidas concretas de efetivação de direitos humanos, de combate às mudanças climáticas, de igualdade de gênero e combate à discriminação de qualquer natureza, dentro outros aspectos relevantes do desenvolvimento humano como sociedade contemporânea. Os ODS são objetivos mundiais de práticas socioambientais sustentáveis para que os impactos da sobrevivência humana não se tornem cada vez mais insustentáveis.

Entre os dias 21 e 25 de junho de 2021, foi realizado o Fórum Ministerial dos Diálogos em Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia[4], reunião global preparatória às discussões agendadas pela ONU sobre a temática enérgica, a ser realizada em setembro deste ano[5].

Em sua participação no Fórum Ministerial, os representantes do Brasil apresentaram dois pactos governamentais para o setor de energético (energy compact), com compromissos do Poder Público brasileiro ao cumprimento das metas previstas no ODS 7[6] que se relaciona às medidas para acesso universal a fontes de geração de energia limpas.

Em relação à redução da intensidade de uso da matriz de transporte baseada em combustíveis fósseis, foram apresentados os mecanismos relacionados à Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída pela Lei Federal nº 13.576/2017, a qual representa um dos mecanismos para cumprir os compromissos de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris firmado na 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

O objetivo principal da RenovaBio é tornar a matriz energética brasileira mais limpa, aumentando a participação dos biocombustíveis, como etanol, biodiesel, biogás, biometano e bioquerosene, e, consequentemente, reduzindo a utilização de combustíveis fósseis.

A RenovaBio estabelece instrumentos para sua efetiva implantação, incluindo, por exemplo, incentivos fiscais, metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e instituição dos Créditos de Descarbonização – CBIOs.

A lei prevê que os CBIOs serão utilizados como mecanismo para comprovação de cumprimento das metas individuais anuais de redução de gases causadores de efeito estufa pelos distribuidores de combustíveis. Destaque-se que essas metas individuais anuais serão calculadas proporcionalmente à participação de mercado de cada distribuidor na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior. Temos notado o interesse do setor energético pela crescente substituição de seus combustíveis, notadamente para implementação efetiva do mercado de CBIOs.

O Brasil também apresentou no Fórum Ministerial o projeto de pacto energético sobre hidrogênio, que pretende consolidar a economia do chamado hidrogênio verde no país – mercado que tem apresentado crescente interesse no cenário mundial, visto como ferramenta relevante para a transição energética de redução de uso dos combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono.

Em 17 de maio de 2021, foi publicado Despacho em que foi determinado ao Ministério de Minas e Energia, em cooperação com os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações e do Desenvolvimento Regional, que apresente ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE a proposta para diretrizes do Programa Nacional de Hidrogênio, destacada a importância do hidrogênio para a adoção de matrizes energéticas de baixo carbono.

O Despacho destaca a intenção do Brasil de liderar as discussões para a transição das fontes de energia para redução do uso de carbono no âmbito dos Diálogos em Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia. É esperado que a proposta de Programa Nacional de Hidrogênio seja apresentada até o final de 2021.

Acredita-se que há potencial significativo do Brasil para o mercado de hidrogênio verde, o qual pode ser identificado, por exemplo, nas iniciativas dos Estados de Pernambuco[7] e do Ceará[8] para o desenvolvimento concreto de atividades de produção de hidrogênio verde.

Ações voltadas à materialização do RenovaBio e do promissor mercado de hidrogênio verde bem demonstram a preocupação global com a adoção de medidas concretas de implementação dos ODS e da Agenda 2030, com ações que mitiguem os impactos socioambientais da atual sociedade de risco e consequente redução da pressão das atividades humanas no planeta.


[1] Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (“PUC/SP”).  Especializado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica de Sustentabilidade pela PUC/SP – COGEAE. Sócio da área ambiental de Machado Meyer Advogados.

[2] Mestre em Direito Internacional na London School of Economics and Political Science, Reino Unido. Pós-graduada em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo. Sócia e head da área ambiental de Machado Meyer Advogados

[3] https://www.pactoglobal.org.br/ods

[4] Ministerial Tematic Foruns – High-Level Dialogue on energyhttps://www.un.org/en/conferences/energy2021/Preparatory_Process

[5] https://www.un.org/en/conferences/energy2021

[6] ODS 7 – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos (fonte: http://www.agenda2030.org.br/ods/7/).

[7] https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/economia/2021/06/governo-de-pernambuco-e-neoenergia-planejam-planta-de-hidrogenio-verde.html

[8] https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletins-legislativos/bol90

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