I’ve got the power

Os pactos governamentais sobre a matriz energética e a economia de baixo carbono

Eduardo Ferreira

Por Eduardo de Campos Ferreira e Roberta Danelon Leonhardt

Os conceitos do desenvolvimento sustentável há muito tempo são discutidos no âmbito internacional. Primeiramente registrados no relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Brundtland, no final da década de 80, seus objetivos mantêm-se atuais até hoje.

Nessa mesma década passou-se a ser discutida a constatação de que o desenvolvimento de uma nova tecnologia em determinado lugar pode – e possivelmente irá – gerar preocupações e consequências para todo o mundo. A comunidade científica volta-se à nova premissa de que os riscos das atividades potencialmente poluidoras podem alcançar todo o planeta.

Tais correntes de pensamento se cruzam e o reconhecimento da comunidade política internacional quanto à necessidade de se conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a utilização dos recursos da natureza foi sedimentado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra. Finalmente os países passaram a efetivamente desenvolver políticas e ações concretas para proteger o meio ambiente.

O tema desenvolvimento sustentável talvez nunca perca a atualidade, mas, sem dúvida, sofre transformação e sua aplicação vem sendo aprimorada. Anos após, em 2015, a Organização das Nações Unidas (“ONU”) propôs uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, a chamada Agenda 2030, composta pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“ODS”)[3]. Trata-se de um esforço conjunto de países, setor privado, instituições e sociedade civil visando adotar medidas concretas de efetivação de direitos humanos, de combate às mudanças climáticas, de igualdade de gênero e combate à discriminação de qualquer natureza, dentro outros aspectos relevantes do desenvolvimento humano como sociedade contemporânea. Os ODS são objetivos mundiais de práticas socioambientais sustentáveis para que os impactos da sobrevivência humana não se tornem cada vez mais insustentáveis.

Entre os dias 21 e 25 de junho de 2021, foi realizado o Fórum Ministerial dos Diálogos em Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia[4], reunião global preparatória às discussões agendadas pela ONU sobre a temática enérgica, a ser realizada em setembro deste ano[5].

Em sua participação no Fórum Ministerial, os representantes do Brasil apresentaram dois pactos governamentais para o setor de energético (energy compact), com compromissos do Poder Público brasileiro ao cumprimento das metas previstas no ODS 7[6] que se relaciona às medidas para acesso universal a fontes de geração de energia limpas.

Em relação à redução da intensidade de uso da matriz de transporte baseada em combustíveis fósseis, foram apresentados os mecanismos relacionados à Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída pela Lei Federal nº 13.576/2017, a qual representa um dos mecanismos para cumprir os compromissos de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris firmado na 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

O objetivo principal da RenovaBio é tornar a matriz energética brasileira mais limpa, aumentando a participação dos biocombustíveis, como etanol, biodiesel, biogás, biometano e bioquerosene, e, consequentemente, reduzindo a utilização de combustíveis fósseis.

A RenovaBio estabelece instrumentos para sua efetiva implantação, incluindo, por exemplo, incentivos fiscais, metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e instituição dos Créditos de Descarbonização – CBIOs.

A lei prevê que os CBIOs serão utilizados como mecanismo para comprovação de cumprimento das metas individuais anuais de redução de gases causadores de efeito estufa pelos distribuidores de combustíveis. Destaque-se que essas metas individuais anuais serão calculadas proporcionalmente à participação de mercado de cada distribuidor na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior. Temos notado o interesse do setor energético pela crescente substituição de seus combustíveis, notadamente para implementação efetiva do mercado de CBIOs.

O Brasil também apresentou no Fórum Ministerial o projeto de pacto energético sobre hidrogênio, que pretende consolidar a economia do chamado hidrogênio verde no país – mercado que tem apresentado crescente interesse no cenário mundial, visto como ferramenta relevante para a transição energética de redução de uso dos combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono.

Em 17 de maio de 2021, foi publicado Despacho em que foi determinado ao Ministério de Minas e Energia, em cooperação com os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações e do Desenvolvimento Regional, que apresente ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE a proposta para diretrizes do Programa Nacional de Hidrogênio, destacada a importância do hidrogênio para a adoção de matrizes energéticas de baixo carbono.

O Despacho destaca a intenção do Brasil de liderar as discussões para a transição das fontes de energia para redução do uso de carbono no âmbito dos Diálogos em Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia. É esperado que a proposta de Programa Nacional de Hidrogênio seja apresentada até o final de 2021.

Acredita-se que há potencial significativo do Brasil para o mercado de hidrogênio verde, o qual pode ser identificado, por exemplo, nas iniciativas dos Estados de Pernambuco[7] e do Ceará[8] para o desenvolvimento concreto de atividades de produção de hidrogênio verde.

Ações voltadas à materialização do RenovaBio e do promissor mercado de hidrogênio verde bem demonstram a preocupação global com a adoção de medidas concretas de implementação dos ODS e da Agenda 2030, com ações que mitiguem os impactos socioambientais da atual sociedade de risco e consequente redução da pressão das atividades humanas no planeta.


[1] Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (“PUC/SP”).  Especializado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica de Sustentabilidade pela PUC/SP – COGEAE. Sócio da área ambiental de Machado Meyer Advogados.

[2] Mestre em Direito Internacional na London School of Economics and Political Science, Reino Unido. Pós-graduada em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo. Sócia e head da área ambiental de Machado Meyer Advogados

[3] https://www.pactoglobal.org.br/ods

[4] Ministerial Tematic Foruns – High-Level Dialogue on energyhttps://www.un.org/en/conferences/energy2021/Preparatory_Process

[5] https://www.un.org/en/conferences/energy2021

[6] ODS 7 – Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos (fonte: http://www.agenda2030.org.br/ods/7/).

[7] https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/economia/2021/06/governo-de-pernambuco-e-neoenergia-planejam-planta-de-hidrogenio-verde.html

[8] https://www12.senado.leg.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/boletins-legislativos/bol90

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Eduardo Ferreira

Eduardo Ferreira

Sócio, Machado Meyer Advogados. Especialista na área ambiental, com atuação destacada em contencioso judicial e administrativo nos mais variados temas relacionados à matéria. Tem grande experiência também na área consultiva, fornecendo assessoria ambiental estratégica e aconselhamento sobre questões críticas da área. Atua em processos administrativos e judiciais relacionados à responsabilidade ambiental e perante órgãos públicos, autoridades ambientais e Ministério Público. Tem vasta experiência ainda no assessoramento ambiental de clientes em operações de fusão e aquisição de empresas e ativos imobiliários. Presta assessoria a empresas de diversos segmentos, como agronegócio, automotivo, infraestrutura, mineração, siderurgia e saúde. É autor do livro “Ônus da prova na ação civil pública ambiental – Um olhar a partir dos direitos fundamentais” (Editora Lumen Juris, 2019).

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