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Títulos Rotulados: Diferentes Formatos, Diferentes Impactos

Thiago Spercel

TÍTULOS ROTULADOS – DIFERENTES FORMATOS; DIFERENTES IMPACTOS

O que são investimentos sustentáveis?

A temática ESG tem servido como impulso para acelerar o desenvolvimento sustentável, que busca “satisfazer as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.[1]

A abordagem ESG pressupõe a avaliação de negócios, empresas, instituições e até mesmo países não somente do ponto de vista econômico, mas também de acordo com indicadores ambientais, sociais e de governança. Trata-se de novo modelo de gestão estratégica que visa atender demandas dos diversos públicos de relacionamento, buscando a geração de valor não apenas aos acionistas, mas também aos demais stakeholders, que incluem consumidores, comunidades, governo e empregados. Além de contribuírem para uma sociedade mais ética saudável e justa, boas práticas de ESG estão relacionadas a diversos benefícios, como mitigação de riscos, melhor capacidade de inovação e adaptação, redução de custos, boa imagem perante o público, atração de talentos da nova geração e resiliência para cenários adversos.

O investimento sustentável (ou investimento responsável) é entendido como a integração dos aspectos ESG nos fatores centrais de atuação das organizações e na avaliação de financiamento por parte dos investidores. Esses aspectos incluem uma série de itens que tradicionalmente não fariam parte de análise financeira das companhias e dos projetos, designando, desse modo, uma ideia mais ampla de geração de valor. Entre as métricas mais comumente usadas na estruturação de investimentos sustentáveis, destacam-se:

Ambiental

  • Gerenciamento adequado de resíduos
  • Gestão eficiente de água, energia limpa e outros recursos
  • Emissão de gases poluentes
  • Desmatamento
  • Biodiversidade

Social

  • Efetivação de direitos trabalhistas e de segurança do trabalho
  • Atração e retenção de talentos
  • Bem-estar dos empregados
  • Incentivo à diversidade e proteção de gênero
  • Direitos humanos e impactos positivos na sociedade
  • Proteção de dados e privacidade

Governança

  • Práticas transparentes de governança corporativa
  • Compliance e promoção de valores éticos na condução dos negócios
  • Composição do conselho de administração
  • Relação com entidades do governo e políticos

O investimento responsável pode ser instrumentalizado a partir da destinação de recursos disponíveis no mercado financeiro para empresas que implementam ESG em suas atividades e que estão em compliance como uma série de recomendações das entidades internacionais que estabelecem padrões de sustentabilidade.

O que são títulos temáticos e quais suas principais vantagens?

Os títulos temáticos (ou títulos rotulados) são instrumentos financeiros de captação voltados para projetos, ativos ou organizações que apresentem benefícios ambientais e/ou sociais verificáveis e mensuráveis, e contem com avaliações externas para confirmar tais benefícios.

Os títulos temáticos produtos financeiros de mercado de capitais, instrumentos de crédito e financiamento bancários e produtos estruturados vinculados à temática ambiental ou social, incluindo os títulos verdes (nas suas modalidades locais de debêntures verdes e internacionais de green bonds), os títulos sociais, os títulos sustentáveis, os títulos de transiçãoe os títulos de sustentabilidade corporativa (sustainability-linked bonds).

Alguns exemplos de títulos temáticos recentes no Brasil são:

  • Títulos Verdes:
    • São aqueles em que a destinação dos recursos é atrelada a projetos ou ativos que proporcionem benefícios ambientais
    • Alguns exemplos:
      • Green Bonds BRF (2015; €500 milhões)
      • Debêntures Verdes Neoenergia (2019 e 2020; R$1,3 bilhão e R$300 milhões)
      • Debêntures Verdes Irani (2019 e 2021; R$505 milhões e R$60 milhões)
      • Debêntures Verdes Isa CTEEP (2018 e 2020; R$621 milhões e R$1,6 bilhão)
      • Debêntures Verdes TAESA (2019; R$1,06 bilhão)
      • Debêntures Verdes Echoenergia (2021; R$142 milhões)
  • Títulos Sociais:
    • São aqueles em que a destinação dos recursos é atrelada a projetos que visem mitigar problemas sociais, desigualdade de renda e educação, comunidades afetadas ou direitos humanos
    • Alguns exemplos:
      • Debêntures Sociais Vivenda (2018; R$1,05 milhão) – reformas de baixo custo e condições facilitadas de financiamento para 8 mil habitações populares
      • A/B Loan Banco Daycoval: (2021; R$400 milhões) – crédito para pequenas e médias empresas lideradas por mulheres em regiões de baixo desenvolvimento social
  • Títulos Sustentáveis:
    • São aqueles em que os recursos são direcionados a projetos que apresentem tanto ganhos ambientais quanto benefícios sociais
    • Exemplo:
      • Debentures Iguá Saneamento (2020; R$48 milhões e R$120 milhões) – otimização e redução das perdas do sistema de água e de universalização da coleta e tratamento de esgoto de Paranaguá – PR; ampliação do abastecimento, tratamento e distribuição de água e de coleta e tratamento de esgoto de Cuiabá – MT
  • Títulos de Transição:
    • São aqueles em que os recursos são direcionados a projetos que não apresentam um saldo efetivamente positivo do ponto de vista ambiental ou social, porém sinalizam uma melhoria na sustentabilidade em relação aos patamares históricos
    • Exemplo:
      • Debênture de Transição ENEVA (2020; R$168 milhões) – projetos relacionados à geração de energia térmica a gás natural, com potencial de redução de emissões a partir de aumento na eficiência energética e substituição de fontes mais carbono intensivas nos Estados do Maranhão e de Roraima
  • Títulos de Sustentabilidade Corporativa:
    • São aqueles em que os recursos não são direcionados a projetos específicos, mas podem ser usados livremente pela organização. Os títulos de sustentabilidade materializam compromissos de desempenho relacionados ao modelo de negócios da organização que representem benefícios ambientais ou sociais mensuráveis e atestados por verificador independente externo. Os títulos de sustentabilidade corporativa possuem mecanismos contratuais que visam premiar a organização pelo atingimento dos compromissos ESG, ou puni-la pelo seu não atingimento (como por exemplo, aumento ou redução na taxa de juros).
    • Alguns exemplos:
      • Suzano Sustainability-Linked Bonds (2020; US$750 milhões) – compromissos de redução de pelo menos  10,9% nas emissões de CO2 até  2025 – considerando a média de  2024 e 2025, em comparação com o  ano de 2015.
      • Klabin Sustainability-Linked Bonds (2021; US$500 milhões) – compromissos de 16,7% de redução no consumo de água, 97,5% de reciclagem e reintrodução de 2 espécies em extinção
      • Natura Sustainability-Linked Bonds (2021; US$1 bilhão) – compromissos de: (i) reduzir emissão de gases de efeito estufa em 13% até 2026 e (ii) aumentar a reciclagem de embalagem pós-consumo até 2026.
      • Movida Sustainability-Linked Bonds (2021; US$500 milhões) – emissão de acordo com os “Sustainability Linked Bonds Principles”.
      • SIMPAR Sustainability-Linked Bonds (2021; US$450 milhões e US$625 milhões) – emissão de acordo com os “Sustainability Linked Bonds Principles”.

Como se vê, os títulos rotulados assumem os formatos mais variados, com diferentes públicos investidores, compromissos temáticos e metas ESG. Idealmente, ao emitirem títulos rotulados, as empresas deveriam assumir compromissos claros e ambiciosos, que causem impacto positivo relevante e estejam diretamente vinculados às externalidades causadas pelos seus modelos de negócio. Infelizmente, temos visto algumas emissões ditas “sustentáveis” que utilizam métricas e compromissos muito tímidos e não relacionadas diretamente ao core business da empresa.

Como se dá o processo de certificação externa?

O processo de certificação externa varia conforme se trate da avaliação da sustentabilidade de um projeto específico ou da avaliação corporativa do emissor. A qualificação de um projeto ou de uma organização para a estruturação de um título temático é feita por terceiros independentes, que pode consistir em parecer de segunda opinião, certificação, verificação ou atribuição de rating. A taxonomia e os critérios de avaliação seguem determinados padrões internacionais, que podem variar de acordo com o setor, a jurisdição e a entidade regulamentadora. Atualmente, os padrões de maior credibilidade internacional utilizados nos títulos temáticos são aqueles determinados pela International Capital Markets Association ou pela Climate Bonds Initiative (CBI).

Como o Machado Meyer pode ajudar?

Com o propósito de oferecer inteligência jurídica para negócios que transformam realidades, a prática ESG – Environmental, Social and Governance do Machado Meyer oferece consultoria jurídica de excelência, de forma integrada, em todos os assuntos relacionados à sustentabilidade corporativa. Com uma equipe multidisciplinar de sócios e associados, o Machado Meyer possui sólida experiência em temas jurídicos relacionados a meio ambiente, finanças sustentáveis, investimentos de impacto, gestão de pessoas, gestão de risco e governança corporativa. Em nosso grupo de Finanças Sustentáveis, oferecemos assessoria jurídica para investimentos ASG e a criação e negociação de instrumentos financeiros sustentáveis que promovem o desenvolvimento sustentável no Brasil.

Estamos prontos para assessorar nossos clientes, tomadores e investidores, na identificação, formatação, preparação, negociação e execução de estruturas de captação e de investimentos para atividades sustentáveis, incluindo emissão de títulos de dívida locais e internacionais (incluindo bonds, debêntures incentivadas, CRIs, CRAs e outros produtos de mercados de capitais), assim como financiamentos bancários, empréstimos com multilaterais e outras estruturas inovadoras de financiamento estruturado.

Também auxiliamos no mapeamento e gestão de riscos e oportunidades relacionadas a aspectos ambientais, sociais e de governança. Ao mesmo tempo em que são altamente técnicas e seguras, nossas recomendações são pragmáticas e alinhadas com o propósito de negócios e apetite ao risco dos nossos clientes.


[1] Relatório Brundtland, ONU, 1987

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Thiago Spercel

Thiago Spercel

Thiago Spercel é Doutor, Mestre e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela Columbia Law School (LL.M.). Tem pós-graduação em Administração de Empresa pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP. É membro da Society of Corporate Compliance and Ethics (SCCE) e certificado pela mesma instituição como Certified Compliance and Ethics Professional (CCEP). É membro do Comitê de Integridade da Rede Brasil, do Pacto Global da Organizações das Nações Unidas. É advogado em São Paulo e sócio do escritório Machado Meyer Sendacz e Ópice Advogados. Foi consultor (counsel) do escritório Simpson Thacher & Bartlett LLP em Nova Iorque e São Paulo.

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