A tecnologia evoluiu assustadoramente nos últimos 30 anos e, hoje, temos diversos meios rápidos de nos comunicar com as pessoas, de onde quer que estejamos. De aplicativos de mensagens a chamadas de vídeo, conversar com o outro tornou-se mais fácil do ponto de vista do meio, mas nunca esteve tão difícil do ponto de vista da forma.
Conversar com quem é do meu grupo, com quem concorda com minhas ideologias e perspectivas é fácil, mas, e quando pensamos de forma diametralmente oposta aos que estão à nossa frente? É aí que se dá a dificuldade de escuta e de conversas. Na maioria das vezes, ficamos entrincheirados, mandando bombas para o outro lado e cantando falsas vitórias para aqueles que nos aplaudem. Todavia, o relacionamento não melhora e o conflito não é resolvido.
Terreno arriscado, perigoso, cheio de armadilhas, e a gente nunca se sente verdadeiramente preparado para esse processo de conversar, trocar ideias, pontos de vista e opiniões, quer seja na vida pessoal ou empresarial.
Temos medo.
Medo, sim, palavra pouco utilizada no jargão profissional, nas empresas, nos negócios, mas, real e presente na vida de todos.
Comecemos pela escuta
O território da escuta é um território desconhecido, imprevisível. Em um diálogo pessoal difícil, não tememos aquilo que temos para falar, afinal, conhecemos nossos pensamentos. O que tememos, na verdade, é o que o outro tem a dizer a nosso respeito, sobre nossos comportamentos, ações e pensamentos. Como podemos sair profundamente feridos, muitas vezes, evitamos conversas difíceis, nas quais podemos ouvir coisas que podem nos machucar, verdades que desconhecíamos e outras tantas que fizemos um esforço hercúleo para manter debaixo do tapete da nossa consciência ou dentro do armário corporativo.
Mas esse medo nos priva do aprendizado, da melhoria e também de possíveis alegrias e satisfações. É por isso que, muitas vezes, não queremos ouvir, queremos só falar, já que, ao falar, falamos daquilo que dominamos, do que conhecemos, das nossas realidades conhecidas e mapeadas, nossos processos certeiros e admiráveis.
Profissionais de comunicação são treinados para falar, para produzir informações, mas, infelizmente, nas nossas faculdades e universidades não somos capacitados para ouvir. Ouvir é delicado e sutil e exige muito mais do que o silêncio, é preciso o silêncio da alma, já dizia Rubem Alves.
Nas relações corporativas, as pessoas interessadas podem falar milhares de coisas que são absolutamente diferentes daquilo pelo que as empresas tanto trabalharam e se esforçaram para que fosse pensado delas. As pessoas interessadas podem dizer que os processos e os procedimentos empresariais não são assim tão certeiros e que são pouco admiráveis; que existe uma percepção desproporcional entre a empresa e a comunidade vizinha sobre os riscos ambientais; que as práticas de RH não estão trazendo paz e serenidade e permitindo aos funcionários o pleno desenvolvimento de suas capacidades; que a forma de contratação de fornecedores está provocando impactos financeiros negativos em toda a cadeia e que aquelas políticas lindas de compliance não são uma verdade no dia a dia. Esses são apenas alguns exemplos de coisas desagradáveis que podem ser faladas, mas existem milhares de outras coisas ruins que podem ser ditas sobre as empresas, não é verdade?
Sem dúvida, ouvir isso machuca qualquer profissional que se empenha e se esforça diariamente, que trabalha para construir uma imagem corporativa positiva, que busca a licença social. O remédio da escuta de pessoas interessadas é, muitas vezes, amargo e difícil de ser administrado, mas é efetivamente o único caminho para se chegar a um outro nível de relação.
No entanto, perceba que, ao ouvir, você está recebendo um ponto de vista, uma percepção, o que não significa que seja TODA A VERDADE. É a vista a partir de um ponto. Conhecer qual é a vista a partir desse ponto pode auxiliá-lo a ajustar suas ações, a calibrar seu discurso e a atender demandas.
Ouvir não é concordar. Ouvir é aprender, expandir seu conhecimento, entender realidades sob outros pontos de vista. Ouvir permite conhecer as nossas ignorâncias circundantes.
Abre parêntesis:
A-DO-RO este termo: ignorâncias circundantes! Meu Deus! Achamos que sabemos de tudo, mas estamos rodeados de coisas que ignoramos. Que corajosos somos ao navegarmos pela vida achando que só aquele pedacinho de conhecimento que temos – uma jangadinha – será suficiente para atravessarmos um oceano de coisas das quais não sabemos e sequer sabemos que não sabemos! É por isso que muitos pensam que estão a salvo nas suas ignorâncias. Comportamo-nos como crianças que fecham os olhos e acreditam que, assim, os problemas realmente sumiram…
Precisamos entender que se tudo que sabemos nos levou a uma situação conflituosa ou difícil, a saída só pode estar naquilo que não sabemos.
E aquilo que não sabemos está no outro, naquilo que ele sabe, mas que nós desconhecemos. Obviamente, precisamos, portanto, descobrir o que o outro sabe, pensa, sente, vê e percebe!
Fecha parêntesis.
Ouvir as pessoas interessadas é ir além da conversa educada do dia a dia, do cafezinho e do tapinha nas costas, da simpatia dos encontros fortuitos e ligeiros. É preciso humildade para sair do protagonismo do discurso e ser coadjuvante, permitir que o holofote da atenção e do interesse se desloque para o outro, a fim de que ele, a seu tempo e da sua forma, encontre espaço e segurança para trazer à tona o que está submerso, que é o que ele realmente pensa, sente e necessita. Para entender, evitar e manejar conflitos, a melhor comunicação ainda é a ancestral, olho no olho.
Ouvir, de verdade, proporciona a construção da confiança mesmo quando há discordâncias, mas é preciso que verdadeiramente possamos oferecer presença, interesse, conexão e tempo.
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