Capa

Walk the Talk: Como aquilo que você é fala mais alto do que o que você diz ou porque o futuro de sua instituição depende cada vez mais de sua transparência nas relações sociais e ambientais

Delfim Rocha

Em termos sintéticos, mas não reducionistas, se pode contextualizar que, sob a ótica do empresário – seja ele acionista ou um executivo responsável pela condução maior de uma corporação -, “gerir bem” essa empresa significa gerar resultados a curto prazo profícuos para seus investidores, mas buscando garantir a perpetuidade do negócio com incremento crescente de seu valor. Ocorre que essa geração de valor, a curto e/ou a longo prazos, pode ser encarada sob diferentes óticas em termos da interface da empresa com o ambiente e a sociedade, tanto em termos dos recortes geográficos no qual se insere diretamente, quanto sob um âmbito mais globalizado.

De forma cada vez mais acelerada, muitas são as empresas que clamam que a sustentabilidade está entranhada em seu DNA ou reside no coração de seu negócio. É inegável que há significativos progressos corporativos, por exemplo, na redução de emissões de gases de efeito estufa, em ações para a conservação de recursos naturais e/ou na melhoria das condições de trabalho. Lado outro, muito poucas são as organizações que efetivamente já incorporaram a sustentabilidade em seus modelos de negócio como um componente fundamental para a criação de valor.

Percorrendo a trajetória empresarial em termos da incorporação da sustentabilidade à estratégia do negócio, inicia-se pela Teoria do Acionista, de Friedman, que estagnava a visão do empresário exclusivamente ao cumprimento de suas responsabilidades econômicas. A Teoria das Partes Interessadas, de Freeman, trouxe à cena um nível mais elevado de responsabilidade social, mas ainda com uma visão de curto prazo, voltada para buscar resolver conflitos que podem prejudicar os resultados imediatos dos negócios. O tão famoso “Tripple Bottom Line”, de Elkington, representou efetivamente uma evolução, em especial no sentido de conservação e manejo adequado dos recursos naturais. No entanto, no que se refere à dimensão social, ainda trabalhou sob uma visão prioritária de o empresário “praticar o bem” à guisa de desembolsos, com consequente redução dos resultados financeiros da empresa.

No final de 2006, o conceito de Responsabilidade Social Empresarial (RSE), defendido por Porter, veio à tona como uma fonte efetiva de oportunidades, inovações e vantagens competitivas para o negócio, a serem detectadas e desenvolvidas a partir de um olhar sistêmico e detalhado para a cadeia de valor, tanto em termos de suas atividades primárias, quanto as de apoio. Para Porter, uma organização que encara a prática da RSE basicamente como uma forma de aplacar as pressões sociais acaba por descobrir que esta abordagem conduz a uma série interminável de reações, sob a forma de demandas sociais, que, ao fim e ao cabo, geram valor reduzido para a sociedade e não trazem benefício estratégico para o negócio. Ou seja, estabelece-se uma relação pautada em barganhas e não em “ganha-ganha”.

Infelizmente, essa situação ainda é extremamente comum na realidade brasileira de muitas corporações que muitas vezes, após períodos de crises frequentes e que geram desgastes reputacionais e financeiros para a empresa, apregoam partir para uma nova etapa de aprimoramento do diálogo e de sua transparência com os stakeholders. Ocorre que, não raramente, uma escuta um pouco mais atenta ao teor de pronunciamentos, em especial dos líderes maiores das organizações, revela que a propalada aproximação com as partes interessadas é, na realidade, parte de uma estratégia imediatista para buscar estancar desembolsos financeiros derivados de constantes externalidades e não uma crença real do líder a respeito da relevância desse diálogo. E, menos ainda, como uma mudança cultural positiva que estaria se verificando na organização. Como resultado, calmarias momentâneas nos pleitos por novas ações a serem tomadas pelo empresário/empreendedor, e que lhe dão a falsa certeza de ter adotado a estratégia adequada, rapidamente se revertem em novas demandas, externalidades e conflitos.

Isso porque não se quebrou a rede assistencialista prevalente na relação empresa/sociedade, haja vista que não se construiu um real planejamento conjunto e participativo com visão a longo prazo de futuro. Em outras palavras, trata-se de uma organização que, em termos de RSE, segundo o modelo de Zadek, se encontra, no máximo, no estágio “gerencial”, ou seja, delega aos seus gerentes responsabilidade por lidar, no dia a dia, com questões sociais, como “parte inexorável do negócio”, mas ainda não assumiu os estágios estratégicos e civil de integrar, respectivamente, no seu “core business” estas questões sociais e promover uma real participação da corporação em termos de RSE. Em suma, é uma empresa que, por força de intenso controle social, foi constrangida a evoluir no quesito RSE do estágio defensivo ou de compliance com as obrigações legais, mas que ainda não atingiu a necessária maturidade no tema para efetivamente incorporá-lo à estratégia do negócio.

Por outro lado, algumas organizações já caminham para a identificação e a formação de parcerias com instituições e ONGs que, sem significar a “terceirização” do engajamento com os stakeholders, podem incorporar ao mesmo novas formas de escuta e que conduzam a um planejamento participativo bem sucedido de ações de RSE. Configura-se assim uma complementariedade de competências com aquelas disponíveis junto às empresas ou a subcontratadas. Este é um caminho que, acredito, possa ser positivo para a efetiva geração de valor sustentável para a empresa e para a sociedade. No entanto, para tal há que se envolver instituições e ONGs que estejam voltadas para participar com a real intenção de criar valor para ambas as partes, e não simplesmente aumentando benefícios sociais à guisa de maiores investimentos – sem o devido retorno – para o negócio.

Há várias formas de uma empresa, ao se relacionar com seus stakeholders internos ou externos, gerar valor sustentável e agregado:

  • a partir da redução da poluição, da minimização de resíduos e das emissões geradas ao longo da cadeia de valor dos produtos ou internamente à própria empresa;
  • fomentando o desenvolvimento de novas tecnologias limpas, inclusive a título de inovação frente à concorrência, e que alimentem a redução de fatores danosos ao meio ambiente acima elencados;
  • inserindo novos integrantes locais, devidamente capacitados, na cadeia de valor, contribuindo, assim, para atender as suas necessidades que possam não estar satisfeitas no cenário atual, podendo reduzir desigualdade sociais hoje prevalentes.

Em suma, praticando adequadamente o engajamento de stakeholders se promove a alavancagem de todo o modelo de criação de valor. No entanto, o modelo organizacional de criação de valor sustentável deve considerar, mandatoriamente, a multidimensionalidade de atributos sociais, econômicos e culturais das partes envolvidas – e da organização – para traçar, praticar e mensurar suas estratégias de engajamento.

Advogo que o empresário/empreendedor deva manter um sistema eficaz de gestão sobre as ações e os resultados progressivos obtidos nesse engajamento de stakeholders, não a título de exercer o tão propalado “comando e controle”, mas para poder discutir com seus parceiros, durante o desenvolvimento do processo, eventuais correções de rumo, além de subsidiar, de forma proativa, seu planejamento econômico-financeiro para atender a investimentos de RSE que irão se delineando ao longo do processo. Em suma, para que a empresa possa adequadamente gerenciar seus riscos, aqui entendidos como fragilidades e oportunidades.

Minha visão é que, sem a consideração das lições aprendidas e das boas práticas associadas a cases de sucesso de RSE e o estabelecimento de governança territorial estratégica com real participação social, continuará prevalecendo a carência de níveis mínimos de previsibilidade para um adequado gerenciamento dos riscos associados, em especial, à interface das empresas com diferentes stakeholders. Como consequência, não só as populações locais serão privadas de maximizar o aproveitamento das oportunidades de desenvolvimento que se abrem, compatíveis com seus recursos ambientais e capital sociocultural, bem como empreendedores continuarão expostos a prejuízos econômicos e quanto à sua reputação, fatores fortemente intervenientes no seu processo de tomada de decisão quanto à participação em novos investimentos dessa natureza. Basta, para isso, analisar a involução, ao longo do tempo, dos investimentos em empreendimentos hidrelétricos, em particular – mas não somente, os de médio e grande portes.

Em síntese, a adoção de uma postura defensiva ou de mero atendimento às demandas sociais não irá resguardar a sua imagem corporativa ou gerar valor para o seu negócio a médio e longo prazos. Zadek, já em 2004, afirmava ser preciso alterar o modelo mental organizacional para a reinvenção de seu negócio de forma a efetivamente se fazer uma real diferença para a sociedade. Levando-se em conta que cerca de quinze anos foram necessários para serem popularizadas, no mundo corporativo, as práticas ESG, pode-se concluir que efetivamente não há como as companhias se transformarem em “cidadãs modelo” da noite para o dia…

Compartilhe esse conteúdo:

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Picture of Delfim Rocha

Delfim Rocha

Diretor Executivo da Ferreira Rocha, MSc em Sustentabilidade pela FGV Engenheiro Civil; MSc. em Sustentabilidade pela FGV; MSc. em Mecânica dos Solos pela COPPE/UFRJ; e Especialista em Gestão Ambiental e Gestão para a Responsabilidade Social pela PROENCO. Exerce, há 11 (onze) anos, a função de Diretor Executivo e Consultor Técnico Interno da Ferreira Rocha Assessoria e Serviços Socioambientais. Anteriormente, além de ocupar funções de Gerência de Meio Ambiente em empresas de consultoria nacionais e multinacionais de destaque, tais como Leme Engenharia e Golder Associates Brasil, atuou como Gerente Corporativo de Meio Ambiente junto à área de energia da Alcan Alumínios do Brasil e Novelis do Brasil, e de Licenciamento de Mineração e Indústria da então Companhia Vale do Rio Doce. Dentre os projetos socioambientais que gerenciou para o Setor Elétrico, destacam-se o Estudo de Impacto Ambiental para a UHE Belo Monte; assessoria à gestão ambiental.

Últimos artigos: