Every move you make, every step you take, I’ll be watching you

Por diversas razões (inclusive a Pandemia de COVID19) estamos vivendo uma era de grande movimentação na economia mundial com muitas atividades e grandes investimentos nos diversos setores do mercado, principalmente quando se fala em aquisição de ativos e de companhia. No mercado de energia esta situação não é diferente com negociações acontecendo por projetos, ativos ou até companhias inteiras. Mais especificamente se forem projetos esta movimentação está acontecendo, não importando o estágio que se encontram os portfólios, podendo estar eles em desenvolvimento (green field) ou construção (brown field). Para os investidores são muitas as oportunidades e elas podem ocorrer de algumas formas básicas, sendo as mais importantes as negociações bilaterais entre empresas, que geralmente são utilizadas quando projetos ou ativos mais específicos são o alvo da aquisição, e os processos competitivos entre um vendedor e diversas empresas que podem fazer proposta para aquisição, esta última sendo mais utilizada normalmente quando um portfólio maior de negócios está em jogo, e um leilão capitaneado por uma instituição financeira é realizado.

Obviamente quando estes processos iniciam, os investidores interessados necessitam ter a certeza de que estarão realizando um investimento seguro e rentável e por este motivo são realizadas as Due Diligence nas diversas áreas do negócio como: área técnica, ambiental, social, contábil, financeira, jurídica, recursos humanos, informática, entre outras. Estas diligências contam com uma análise profunda de toda a documentação sobre o portfólio disponibilizada pela empresa vendedora, e em alguns casos (áreas técnica e ambiental por exemplo) com uma visita de inspeção para conhecimento “in loco” da situação dos ativos em questão.

Como já comentado, o investidor necessita que estas diligências consigam trazer o conforto possível para que o investimento venha a ser seguro e rentável, desta forma o maior objetivo delas é entender e identificar os principais pontos de atenção além de definir os custos necessários para sua resolução, de modo a evitar qualquer problema durante a operação futura que venha a impactar de forma significativa a rentabilidade desejada.

Quando se fala em rentabilidade de ativos de geração de energia, pode muito rapidamente vir à mente questões de preço de energia, custos de operação e manutenção e aspectos técnicos que obviamente são muito escrutinizados em um processo de diligência para aquisição. Muitas vezes, por causa deste pensamento rápido, quiçá quase mecânico, os aspectos ambientais e sociais não são tratados da maneira que deveriam com a atenção necessária, sendo algumas vezes relegados à um segundo plano de importância ou de prioridades, bastando apenas a informação que as licenças ambientais estão válidas e as condicionantes sendo cumpridas, sem um olhar mais atento aos riscos e inclusive às oportunidades que estes projeto podem trazer.

Hoje em dia estamos em uma época que a transição energética é um fator determinante para a sustentabilidade, sendo a questão da descarbonização da matriz de energia um dos aspectos fundamentais quando se trata da crise climática. A mudança de uma sociedade movida à combustíveis fósseis para uma situação em que seja predominante a utilização de energia renovável é um dos pilares desta transição, e as oportunidades de investimentos em renováveis (em desenvolvimento, construção ou operação) tendem a aumentar de forma exponencial.

Mas devemos lembrar que o perfil dos investidores (sejam eles pessoas ou fundos) tem mudado radicalmente, deixando aquela antiga premissa de quanto maior o rendimento melhor o investimento, para uma premissa onde além do rendimento, o legado que este investimento vai deixar para a sociedade é tão importante quanto o ganho financeiro a ser auferido. São os chamados investimentos responsáveis, mais alinhados com valores pessoais e que possam fazer impactos positivos no meio ambiente e na sociedade.

Podemos perceber várias movimentações neste sentido como por exemplo as ações da gestora Black Rock que tem mais de US$ 7 trilhões sob sua gestão e vem realizando diversas medidas para modificar estruturas que comprometem o meio ambiente e a sustentabilidade através de sua influência e poder financeiro como grande acionista em diversos setores da economia.

Para garantir e alavancar os investimentos responsáveis o  Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas e o Setor Financeiro Global – UNEPFI e o UN Global Compact lançaram já a algum tempo os Princípios para Investimentos Responsáveis ou UNPRI, para alcançar objetivo financeiro global sustentável incentivando a adoção dos princípios e promovendo a boa governança, integridade e responsabilidade.

De uma forma geral estes investimentos devem entender suas implicações nas questões ambientais, sociais e de governança sendo muito importante a integração deste entendimento na decisão de investimento. Parte da premissa que um sistema financeiro global eficiente e sustentável é uma necessidade para a criação de valor a longo prazo que recompensará investimentos responsáveis que trazem benefícios ao meio ambiente e à sociedade, ou seja, deixam um real e importante legado.

Os três fatores centrais na caracterização de um investimento responsável, ou seja, na medição da sustentabilidade e do impacto social de um investimento em uma empresa ou em um negócio são os aspectos Ambiental (E), Social (S) e de Governança (G) – ESG, que são determinantes para a melhoria do desempenho financeiro futuro das empresas.

Cabe salientar, que apesar de hoje em dia esta sigla ESG estar “na moda”, ela nada mais é que o resultado de uma evolução que ganhou momentum no século passado com a definição do princípio de sustentabilidade conforme Gro Harlem Brundtland, primeira-ministra da Noruega colocou em “Nosso Futuro Comum” em 1987: “Sustentabilidade é satisfação de necessidades presentes sem comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras”, sendo portanto princípio de “longo prazo” que ao ser aplicado precisa ser ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo. A partir daí vieram Agenda 21 e Desenvolvimento Sustentável, Objetivos do Milênio e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS.

Estas constatações por si só demonstram a importância que estes aspectos ESG passam a ter quando da realização de diligências para aquisições de projetos e de empresas, pois estes fatores serão fundamentais para a sobrevivência do negócio por um longo tempo.

O que era antes “relegado” à uma análise de validade de licenças e cumprimento de condicionantes passa a levar em conta diversos aspectos como:

  • Emissão de Gases de Efeito Estufa;
  • Qualidade do Ar;
  • Gestão e Consumo de Energia;
  • Gestão e Consumo de Água;
  • Gestão de Resíduos;
  • Impactos Ecológicos e Proteção de Biodiversidade;
  • Direitos Humanos e Relação com as Comunidades;
  • Práticas Trabalhistas;
  • Diversidade;
  • Saúde e Segurança do Trabalho;
  • Gestão de Cadeia de Fornecimento;
  • Impactos do Negócio nas Mudanças Climáticas;
  • Análise de Riscos Sociais e Ambientais;
  • Gestão de Riscos;
  • Resiliência do Negócio às Mudanças Climáticas; e
  • Ética nos Negócios.

Não pode se deixar de comentar que uma análise destes aspectos de forma mais profunda pode trazer à tona oportunidades de investimentos em ações ESG, que venham a alavancar o desempenho de companhias e fundos de investimentos, atraindo os investidores “responsáveis” e trazendo uma garantia de menores riscos e maior rentabilidade garantindo uma verdadeira sustentabilidade

Obviamente cada tipo de negócio tem suas materialidades específicas, mas todos eles devem sempre levar em consideração os aspectos de sustentabilidade para própria sobrevivência.

Uma Due Diligence que consiga integrar os aspectos ESG com todos os demais aspectos técnicos e financeiros de forma estratégica, de modo que eles também façam parte importante na decisão final do investimento, pode garantir ao investidor além da rentabilidade desejada a certeza de que, agindo desta forma com a mitigação de riscos sociais e ambientais (e obviamente riscos reputacionais) estará, através de um investimento responsável deixando um legado importante, contribuindo para a sustentabilidade e sobrevivência da sociedade como também do próprio negócio.

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Em termos sintéticos, mas não reducionistas, se pode contextualizar que, sob a ótica do empresário – seja ele acionista ou um executivo responsável pela condução maior de uma corporação -, “gerir bem” essa empresa significa gerar resultados a curto prazo profícuos para seus investidores, mas buscando garantir a perpetuidade do negócio com incremento crescente de seu valor. Ocorre que essa geração de valor, a curto e/ou a longo prazos, pode ser encarada sob diferentes óticas em termos da interface da empresa com o ambiente e a sociedade, tanto em termos dos recortes geográficos no qual se insere diretamente, quanto sob um âmbito mais globalizado.

De forma cada vez mais acelerada, muitas são as empresas que clamam que a sustentabilidade está entranhada em seu DNA ou reside no coração de seu negócio. É inegável que há significativos progressos corporativos, por exemplo, na redução de emissões de gases de efeito estufa, em ações para a conservação de recursos naturais e/ou na melhoria das condições de trabalho. Lado outro, muito poucas são as organizações que efetivamente já incorporaram a sustentabilidade em seus modelos de negócio como um componente fundamental para a criação de valor.

Percorrendo a trajetória empresarial em termos da incorporação da sustentabilidade à estratégia do negócio, inicia-se pela Teoria do Acionista, de Friedman, que estagnava a visão do empresário exclusivamente ao cumprimento de suas responsabilidades econômicas. A Teoria das Partes Interessadas, de Freeman, trouxe à cena um nível mais elevado de responsabilidade social, mas ainda com uma visão de curto prazo, voltada para buscar resolver conflitos que podem prejudicar os resultados imediatos dos negócios. O tão famoso “Tripple Bottom Line”, de Elkington, representou efetivamente uma evolução, em especial no sentido de conservação e manejo adequado dos recursos naturais. No entanto, no que se refere à dimensão social, ainda trabalhou sob uma visão prioritária de o empresário “praticar o bem” à guisa de desembolsos, com consequente redução dos resultados financeiros da empresa.

No final de 2006, o conceito de Responsabilidade Social Empresarial (RSE), defendido por Porter, veio à tona como uma fonte efetiva de oportunidades, inovações e vantagens competitivas para o negócio, a serem detectadas e desenvolvidas a partir de um olhar sistêmico e detalhado para a cadeia de valor, tanto em termos de suas atividades primárias, quanto as de apoio. Para Porter, uma organização que encara a prática da RSE basicamente como uma forma de aplacar as pressões sociais acaba por descobrir que esta abordagem conduz a uma série interminável de reações, sob a forma de demandas sociais, que, ao fim e ao cabo, geram valor reduzido para a sociedade e não trazem benefício estratégico para o negócio. Ou seja, estabelece-se uma relação pautada em barganhas e não em “ganha-ganha”.

Infelizmente, essa situação ainda é extremamente comum na realidade brasileira de muitas corporações que muitas vezes, após períodos de crises frequentes e que geram desgastes reputacionais e financeiros para a empresa, apregoam partir para uma nova etapa de aprimoramento do diálogo e de sua transparência com os stakeholders. Ocorre que, não raramente, uma escuta um pouco mais atenta ao teor de pronunciamentos, em especial dos líderes maiores das organizações, revela que a propalada aproximação com as partes interessadas é, na realidade, parte de uma estratégia imediatista para buscar estancar desembolsos financeiros derivados de constantes externalidades e não uma crença real do líder a respeito da relevância desse diálogo. E, menos ainda, como uma mudança cultural positiva que estaria se verificando na organização. Como resultado, calmarias momentâneas nos pleitos por novas ações a serem tomadas pelo empresário/empreendedor, e que lhe dão a falsa certeza de ter adotado a estratégia adequada, rapidamente se revertem em novas demandas, externalidades e conflitos.

Isso porque não se quebrou a rede assistencialista prevalente na relação empresa/sociedade, haja vista que não se construiu um real planejamento conjunto e participativo com visão a longo prazo de futuro. Em outras palavras, trata-se de uma organização que, em termos de RSE, segundo o modelo de Zadek, se encontra, no máximo, no estágio “gerencial”, ou seja, delega aos seus gerentes responsabilidade por lidar, no dia a dia, com questões sociais, como “parte inexorável do negócio”, mas ainda não assumiu os estágios estratégicos e civil de integrar, respectivamente, no seu “core business” estas questões sociais e promover uma real participação da corporação em termos de RSE. Em suma, é uma empresa que, por força de intenso controle social, foi constrangida a evoluir no quesito RSE do estágio defensivo ou de compliance com as obrigações legais, mas que ainda não atingiu a necessária maturidade no tema para efetivamente incorporá-lo à estratégia do negócio.

Por outro lado, algumas organizações já caminham para a identificação e a formação de parcerias com instituições e ONGs que, sem significar a “terceirização” do engajamento com os stakeholders, podem incorporar ao mesmo novas formas de escuta e que conduzam a um planejamento participativo bem sucedido de ações de RSE. Configura-se assim uma complementariedade de competências com aquelas disponíveis junto às empresas ou a subcontratadas. Este é um caminho que, acredito, possa ser positivo para a efetiva geração de valor sustentável para a empresa e para a sociedade. No entanto, para tal há que se envolver instituições e ONGs que estejam voltadas para participar com a real intenção de criar valor para ambas as partes, e não simplesmente aumentando benefícios sociais à guisa de maiores investimentos – sem o devido retorno – para o negócio.

Há várias formas de uma empresa, ao se relacionar com seus stakeholders internos ou externos, gerar valor sustentável e agregado:

  • a partir da redução da poluição, da minimização de resíduos e das emissões geradas ao longo da cadeia de valor dos produtos ou internamente à própria empresa;
  • fomentando o desenvolvimento de novas tecnologias limpas, inclusive a título de inovação frente à concorrência, e que alimentem a redução de fatores danosos ao meio ambiente acima elencados;
  • inserindo novos integrantes locais, devidamente capacitados, na cadeia de valor, contribuindo, assim, para atender as suas necessidades que possam não estar satisfeitas no cenário atual, podendo reduzir desigualdade sociais hoje prevalentes.

Em suma, praticando adequadamente o engajamento de stakeholders se promove a alavancagem de todo o modelo de criação de valor. No entanto, o modelo organizacional de criação de valor sustentável deve considerar, mandatoriamente, a multidimensionalidade de atributos sociais, econômicos e culturais das partes envolvidas – e da organização – para traçar, praticar e mensurar suas estratégias de engajamento.

Advogo que o empresário/empreendedor deva manter um sistema eficaz de gestão sobre as ações e os resultados progressivos obtidos nesse engajamento de stakeholders, não a título de exercer o tão propalado “comando e controle”, mas para poder discutir com seus parceiros, durante o desenvolvimento do processo, eventuais correções de rumo, além de subsidiar, de forma proativa, seu planejamento econômico-financeiro para atender a investimentos de RSE que irão se delineando ao longo do processo. Em suma, para que a empresa possa adequadamente gerenciar seus riscos, aqui entendidos como fragilidades e oportunidades.

Minha visão é que, sem a consideração das lições aprendidas e das boas práticas associadas a cases de sucesso de RSE e o estabelecimento de governança territorial estratégica com real participação social, continuará prevalecendo a carência de níveis mínimos de previsibilidade para um adequado gerenciamento dos riscos associados, em especial, à interface das empresas com diferentes stakeholders. Como consequência, não só as populações locais serão privadas de maximizar o aproveitamento das oportunidades de desenvolvimento que se abrem, compatíveis com seus recursos ambientais e capital sociocultural, bem como empreendedores continuarão expostos a prejuízos econômicos e quanto à sua reputação, fatores fortemente intervenientes no seu processo de tomada de decisão quanto à participação em novos investimentos dessa natureza. Basta, para isso, analisar a involução, ao longo do tempo, dos investimentos em empreendimentos hidrelétricos, em particular – mas não somente, os de médio e grande portes.

Em síntese, a adoção de uma postura defensiva ou de mero atendimento às demandas sociais não irá resguardar a sua imagem corporativa ou gerar valor para o seu negócio a médio e longo prazos. Zadek, já em 2004, afirmava ser preciso alterar o modelo mental organizacional para a reinvenção de seu negócio de forma a efetivamente se fazer uma real diferença para a sociedade. Levando-se em conta que cerca de quinze anos foram necessários para serem popularizadas, no mundo corporativo, as práticas ESG, pode-se concluir que efetivamente não há como as companhias se transformarem em “cidadãs modelo” da noite para o dia…