Acompanhe um debate sobre os impactos socioambientais da Guerra na Ucrânia.
O conflito desencadeou uma série de sanções econômicas que impactam diretamente ou indiretamente a dinâmica, diretrizes e metas ambientais de muitas regiões e países.
Quais os impactos a curto e médio prazos de uma eventual redefinição de matrizes energéticas? Como ficam as metas e compromissos ESG dos países e empresas? O processo de descomissionamento das usinas nucleares será mantido? Quais os reais riscos de dano para instalações nucleares nas áreas envolvidas? Quais os efeitos globais para o agronegócio?
Para entender e debater esse processo e as implicações para o Brasil reunimos alguns especialistas para um bate papo sobre o assunto:
Março de 2022 os números da pandemia tiveram um declínio, não só no Brasil mas em muitos outros países. Muitas restrições diminuíram e aos poucos a tendência é da vida ir voltando ao normal?…ufa!
Março de 2022 uma tensão existente entre Rússia e Ucrânia e a possibilidade da Ucrânia entrar na OTAN despertam movimentações na Rússia para um conflito. Nada de vida normal…viver na década de 2020 é pra quem aguenta fortes emoções…
E, aqui estamos em mais uma edição do Coral, para falarmos sobre Meio Ambiente e as Questões Internacionais. Em todo o mundo, como o tema meio ambiente está sendo tratado, debatido e se tornado algo vital para governos e a sociedade. O título da edição 4 já estava decidido desde o ano passado, mas certamente faz ainda mais sentido no contexto atual.
Já é um senso comum que a pandemia causou uma aceleração em alguns processos, como o uso da tecnologia e o crescimento dos negócios digitais. E, com certeza, outra tendência já aceita é a necessidade e cobrança da sociedade pelos compromissos ESG das empresas e também dos governos.
E agora, neste ambiente de conflito, que pode se tornar uma guerra com proporções bem maiores, o que pode mudar nas metas ESG? o que pode ser alterado no desenho das matrizes energéticas da Europa e EUA? Como fica a dependência européia do gás russo e a continuidade no processo de descomissionamento das usinas nucleares?
Muitas empresas, felizmente, têm se posicionado com relação ao conflito e inclusive revendo investimentos e até mesmo retirando os seus produtos, indústrias e serviços do território russo. Mas, fica a reflexão de qual o impacto para a população em geral deste país? E, que outras empresas e produtos substituirão as que saírem do país?
Estas são algumas questões que colocamos em debate nesta edição do Coral. Temos artigos, entrevistas, debates, podcast para discutir o contexto atual, mas também trazemos outros assuntos de grande importância como: a evolução do direito ambiental internacional pós COP-26, o papel do Hidrogênio Verde no processo de transição energética, os desafios das cidades para se adequarem às metas de desenvolvimento sustentável, o ESG na União Européia, a dinâmica atual do mercado de carbono, entre outros assuntos.
Nesta edição os nossos especiais agradecimentos vão para as colaborações e envolvimentos de: Natascha Trennepohl, Flavia Rocha Loures, Josy Alves, Marcio Douglas, Daniela Giacobbo, Delfim Rocha, Rafael Feldmann, Eduarda Zoghbi, Alexandre Sion, Marcio Sette Fortes, Walter Senise e Werner Grau. Todos disponibilizaram seu tempo para compartilhar um pouco de conhecimento com os leitores (e ouvintes) do Coral.
E, em breve teremos mais novidades por aqui. O Coral não terá somente edições fixas, lançadas periodicamente. Teremos mais conteúdos, em diversos formatos que serão lançados e publicados por aqui. Cadastre-se para receber estas novidades. É só acessar: https://www.viex-americas.com/coral/ e deixar o seu e-mail. E, se você tem interesse em contribuir com algum conteúdo é só falar com a gente. Mande uma mensagem, ligue pra gente para falarmos mais sobre o assunto.
Medidas de redução e compensação de emissões de gases de efeito estufa, comercialização de créditos nos mercados de carbono, compliance ambiental, critérios de ESG e investimentos sustentáveis tem sido alguns dos temas de destaque nas discussões estratégicas das grandes empresas e nas elaborações regulatórias dos governos nos últimos tempos.
Atualmente, a análise de riscos e o planejamento das empresas não podem ficar restritos ao acompanhamento das movimentações do mercado nacional, sendo necessário, cada vez mais, ficar atento às exigências de outros países, não apenas no quesito expectativa dos consumidores, mas também no ambiente regulatório, pois as movimentações do mercado internacional certamente impactam as relações comerciais brasileiras e direcionam oportunidades.
A União Europeia, por exemplo, vem divulgando diversas medidas e proposições legislativas que estão sendo consideradas para que o bloco alcance suas metas de neutralidade de carbono nas próximas décadas.
A atual estratégia de crescimento europeia – o European Green Deal, trouxe novamente à discussão a criação de um mecanismo que funcionaria como uma ‘barreira de carbono’.
Com esse mecanismo, conhecido como Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), a pegada de carbono de alguns produtos importados passa a ser considerada e a exportação nos setores abrangidos pela regulamentação vai sofrer grandes alterações.
Ou seja, as exportações de cimento, alumínio, fertilizantes e produtos siderúrgicos que não considerarem os custos de carbono em sua produção, vão ser fortemente impactados.
Além desse mecanismo, a Comissão Europeia divulgou uma proposta de regulamentação ligada à importação de commodities e a demonstração de que não venham de áreas desmatadas.
Aqui, produtos como soja, café, cacau e carne bovina vão precisar comprovar que são “deforestation-free”, ou seja, não são provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020 e são produzidos em conformidade com as exigências ambientais do país de origem.
Os detalhes da regulamentação estão sendo discutidos, mas a ideia central é que importadores e comerciantes europeus adotem medidas de due diligence para rastrear a produção, incluindo, por exemplo, requisitar aos fornecedores que apresentem informações sobre a geolocalização, o tempo de produção, o cumprimento de normas ambientais etc. Quem não estiver regular e cometer uma infração, pode sofrer com a imposição de sanções que vão desde multas ao confisco de produtos e à proibição de contratação pública.
As barreiras de carbono já chegaram e é muito importante que sejam regulamentadas de forma a serem compatíveis com as regras existentes do comércio internacional para que o foco realmente seja a proteção ambiental e não uma medida de protecionismo disfarçada.
Muitos são os desafios que se apresentam para as empresas na preparação para lidar com esses novos mecanismos atrelados à pegada de carbono dos produtos, sendo fundamental estar atento às novas exigências regulatórias do mercado internacional, integrando-as às discussões estratégicas e de desenvolvimento sustentável.
Debate sobre Direito Ambiental Internacional – Balanço 2021 com Dra. Flavia Rocha Loures, Sócia Milaré Advogados, Prof. Elisa Morgera – Professor of Global Environmental Law, University of Strathclyde Law School, Glasgow (UK) e Dr. Alistair Rieu-Clarke – Professor, Northumbria Law School
Prof. Elisa Morgera:
Professor of Global Environmental Law and the Director of the UKRI GCRF One Ocean Hub. She is a member of the Strathclyde Centre for Environmental Law and Governance. She specializes in international, European and comparative environmental law, with a particular focus on the interaction between biodiversity law and human rights (particularly those of indigenous peoples and local communities), equity and sustainability in natural resource development, oceans governance, and corporate accountability. Elisa has also researched the environmental dimensions of the external relations of the European Union (EU).
Dr. Alistair Rieu-Clarke:
Research interests lie in the interface between international law, sustainable development and transboundary waters. Alistair’s research has taken him to many of the major transboundary river basins in the world, and he has conducted several major multi-disciplinary research projects in Europe, Southern and Eastern Africa, Central America and South-East Asia. Since September 2017, Alistair has been working as a legal advisor to one of the UN agencies responsible for the implementation of the SDGs, namely the United Nations Economic Commission for Europe (UNECE). As well as working for UNECE on SDG6.5.2 (transboundary water cooperation), Alistair has assisted in the implementation of the pilot reporting mechanism under the Convention on the Protection and Use of Transboundary Watercourses and International Lakes.
Todos fomos atingidos, direta ou indiretamente, pela guerra iniciada pela Rússia contra a Ucrânia. Seja pelo impacto na economia, nas empresas, nos negócios, seja pelo bombardeio incessante da mídia com notícias do Leste Europeu com imagens desoladoras que ninguém gostaria de ver nunca mais. O mundo ainda continua contando as mortes pela Covid-19 e agora temos que pensar em sobreviver a mais uma ameaça com potencial para chacoalhar o planeta.
Claro que a nossa mente nos leva para guerras anteriores como a do Vietnã contra o todo poderoso Estados Unidos, imortalizada pelos Engenheiros do Havaí na música “Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”. E é neste cenário de grandes incertezas que surge um improvável herói mundial: Volodymyr Olexandrovytch Zelebsky, 6º e atual presidente da Ucrânia.
O ex-ator de 44 anos, formado em Direito e comediante de stand up tem dado um show à frente de uma nação sob intensos ataques. Em um caso em que a vida imita a arte, Zelebsky foi eleito presidente da Ucrânia após protagonizar a série Servo do Povo como um presidente contra o sistema vigente naquele país. Especialistas sequer consideravam Zelebsky em suas projeções e contra todas as probabilidades o ex-ator venceu o pleito, contra o candidato pró-Rússia, com 73,2% dos votos.
Seus posicionamentos, ações e discurso evidenciam predicados de um perfil de líder altamente inspirador para gestores do mundo corporativo.Zelebsky utiliza-se de algumas das principais soft skills (que são as habilidades comportamentais de cada pessoa) recomendadas nas relações humanas, podemos citar ao menos 10 soft skills do ucraniano: comunicação assertiva, resiliência, foco sob pressão, flexibilidade, negociação, adaptação, colaboração, senso de dono, motivação e principalmente a empatia, rainha entre as habilidades para executar um modelo de liderança participativo, inclusivo e diverso.
Possivelmente, você já deve ter presenciado gestores que assumem uma posição de liderança em meio a crises das mais diversas: institucional, financeira, operacional ou até de reputação e entre os aprendizados de Zelebsky podemos dizer que a permanência dele na Ucrânia foi determinante para ditar os rumos do conflito e certamente escrever seu nome nos livros de História. Enquanto boatos russos diziam que ele tinha dado no pé, Zelebsky fez um vídeo dizendo:
“Bom dia a todos os ucranianos! Estamos ouvindo muitas informações falsas de que eu teria pedido ao nosso Exército para baixar as armas e se retirar. Escutem: eu estou aqui”. Ele se filmou na Casa com Quimeras, um prédio icônico de Kiev construído no começo do século XX.
Essa é uma lição valiosa porque significa presença, estar junto, permanecer no território (ou empresa), mesmo quando tudo parece estar em ruínas.
A liderança pelo exemplo também é uma característica que tem marcado a atuação do jovem Zelebsky. Ele despertou a admiração de milhões de pessoas de todas as partes do planeta ao responder a oferta de asilo dos EUA com a frase: não quero carona, quero armas. Que mensagem potente Zelebsky enviou a seu povo, às suas tropas, à Rússia e ao mundo.
Para finalizar, Zelebsky foi aplaudido em pé por líderes de todo o mundo em seu discurso no Parlamento Europeu ao dizer: “Provem que estão conosco, provem que não vão nos deixar, provem que vocês são de fato europeus e, então, a vida vai vencer a morte e a luz vai vencer a escuridão”. Se o presidente e a nação ucranianos continuarão resistindo só o tempo dirá, mas parece que todos foram tomados pelo espírito de Winston Churchill, um dos maiores estadistas de todos os tempos, ao dizer: “É melhor morrer em combate do que ver ultrajada a nossa nação”.
Márcio Douglas:
Especialista em comunicação corporativa. Atuou no setor energético em empresas de termoeletricidade e energias renováveis. O seu perfil comunicativo foi aprimorado com experiências prévias no segmento varejistas, tornando-o hábil negociador com alta poder de adaptação à diferentes produtos e mercados, tendo desenvolvido projetos em diversas regiões do país. Essa característica também permitiu múltiplas atuações profissionais com resultados expressivos na comercialização de projetos, gestão de imagem, representação institucional. É um grande motivador de equipes, especialista em clima organizacional, comunicação interna e com vivência em recursos humanos.
Em Nota técnica produzida em 23/02/21 e atualizada em 14/06/21 (EPE-DEA NT003/2021 rev01), no estudo “Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira do Hidrogênio”1 , a Empresa de Pesquisa Energética – EPE, empresa pública vinculada ao Ministério de Minas e Energia – MME, que tem por competência a prestação de serviços de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor, classificou o hidrogênio como uma fonte de energia estratégica, ou como “um objetivo estratégico de governos e empresas em todo o mundo”, com o potencial de acelerar a transição energética nos mercados globais2 . Internamente, a EPE estuda como alçar o insumo à fonte de energia, a ser utilizado, principalmente, nos transportes (mas também, na forma de amônia verde, como matéria prima para insumos industriais e fertilizantes), com a sua obtenção, no caso do hidrogênio verde (H2V), a partir de matérias-primas renováveis, por meio de eletrólise da água ou pela separação termoquímica ou queima da biomassa, de biocombustíveis líquidos e gasosos, como o etanol e o biogás.
Segundo destacado no “Programa Nacional do Hidrogênio”3 , o hidrogênio permite o armazenamento eficiente de energia por longos períodos e pode ser utilizado para mobilidade e geração distribuída de energia.
Já a agência IRENA, que apoia os países na transição energética e tem sido um centro intergovernamental de promoção das energias renováveis, por meio de repositório de políticas, tecnologias e de recursos financeiros, tem se dedicado a estudar o papel geopolítico do hidrogênio na nova dinâmica global de desenvolvimento da energia. No estudo “Geopolítica da Transformação Energética: O Fator Hidrogênio” lançado recentemente, em janeiro de 2022, a agência defendeu que o hidrogênio “é cada vez mais visto como a peça que faltava no quebra-cabeça da transformação de energia para descarbonizar setores mais difíceis de reduzir”4 . Isso porque a fonte desempenharia, segundo o relatório da agência, um novo papel no redesenho do mapa geopolítico de transformação energética ao propiciar que países com abundância de energia renovável de baixo custo se tornem produtores de hidrogênio verde, com consequências geoeconômicas e geopolíticas proporcionais. E isso afetaria as relações bilaterais na medida em que o comércio de hidrogênio e os fluxos de investimento gerariam novos padrões de interdependência. Assim, ainda que considerados desafios tecnológicos, a agência não fala em um – distante – futuro papel do hidrogênio em um contexto mundial energético sustentável, mas já se refere a um mercado global de hidrogênio existente, estudando a fonte na atual dinâmica global de energia, com destaque para os fatores comercial e geopolítico. Entre as muitas conclusões, a agência refere que “O hidrogênio faz parte de um cenário de transição energética muito maior, e suas estratégias de desenvolvimento e implantação não devem ser consideradas isoladamente”. Refere, ainda, que “o hidrogênio pode ser um caminho atraente para os exportadores de combustíveis fósseis ajudarem a diversificar suas economias e desenvolver novas indústrias de exportação”5 . No recentíssimo cenário geopolítico e geoeconômico, a guerra provocada pela Rússia na Ucrânia tem modificado as relações políticas e comerciais internacionais, em razão das sanções econômicas impostas à Rússia principalmente pelos países membros da OTAN, mas que afetará a dependência do petróleo e gás russos no mundo todo. Muitos países da EU importadores do gás natural vindo da Rússia seriam enormemente prejudicados pelo corte do fornecimento, com implicações na matriz energética europeia. E no European Green Deal. Parece claro que o conflito desencadeou um novo movimento de descarbonização das economias, onde o H2V teria papel fundamental. No caso do Brasil, que possui uma matriz energética diversificada, podemos nos tornar um grande produtor de hidrogênio verde, tal como também já desenhado pelo MME/EPE e, via de consequência, um grande exportador, assumindo um novo papel no mapa geopolítico mundial.
O Brasil tem tudo para ser o “berço mundial” da transição energética, por meio da produção de H2V. O país já é membro da Parceria Internacional para Hidrogênio e Células a Combustível na Economia – IPHE (International Partnership for Hydrogen and Fuel Cells in the Economy) 6 , desde 2003.
Em 2020, o Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050) identificou o H2 como uma
“tecnologia disruptiva e como elemento de interesse no contexto da descarbonização da matriz energética, elencando diversos usos e aplicações, além de trazer recomendações para a política energética, entre as quais se podem elencar o adequado desenho do arcabouço jurídico-regulatório que incentive a penetração de tecnologias aplicáveis à cadeia energética do hidrogênio como um todo (produção, transporte, armazenamento e consumo), assim como a necessidade trabalhar de forma articulada e coordenada com instituições internacionais”.7
De fato, talvez precisemos de definições regulatórias, para não perdermos essa possibilidade de liderança. Em atendimento à Resolução 06/21, do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, o Ministério de Minas e Energia, por meio de suas Secretarias Executiva, de Planejamento e Desenvolvimento Energético e de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis realizou, em julho de 2021, o “Programa Nacional do Hidrogênio” 8 , com a cooperação dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e Desenvolvimento Regional (MDR) e o apoio técnico da EPE, que, após, editou a referida Nota Técnica 003/2021. Foram realizadas reuniões envolvendo instituições e agentes dos setores público e privado e instituído um Comitê Técnico PNH2, representativo das partes interessadas, para gerenciar o programa. Apesar de estruturado em seis importantes eixos ((i) fortalecimento das bases científicotecnológicas; (ii) capacitação de recursos humanos; (iii) planejamento energético; (iv) arcabouço legal-regulatório; (v) crescimento do mercado e competitividade e; (vi) cooperação internacional), o estudo não introduziu planos estratégicos ou diretrizes concretas, aproximando-se mais de um programa de recomendações para o incentivo do hidrogênio. O país precisa ter regras jurídicas claras por meio de um arcabouço jurídico-regulatório que possibilite a implantação da fonte e de uma “compreensão mais profunda de seus efeitos mais amplos, incluindo aspectos geopolíticos”, como já referido pela IRENA9 .
A experiência internacional seria bem-vinda com contribuições de especialistas nas áreas de energia, meio ambiente e geopolítica, semelhante ao que foi feito em 2019, quando da criação do Termo de Referência Padrão para nortear o licenciamento ambiental para a fonte eólica offshore, pelo Ibama, a partir do Projeto “Avaliação de Impacto Ambiental de Complexos Eólicos Offshore”, desenvolvido no âmbito dos Diálogos Setoriais10, quando houve uma troca efetiva entre países da União Europeia e o Brasil.
E por falar em licenciamento ambiental, em 10/02/22, foi editada a Resolução 03, pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará – Coema11 que dispõe sobre os critérios e procedimentos do licenciamento ambiental para empreendimentos de produção do Hidrogênio Verde (H2V), no âmbito daquele estado. Ao discorrer sobre o procedimento trifásico (LP, LI e LO), dado o alto potencial poluidor degradador, o normativo entendeu pela necessidade de realização de um Estudo de Análise de Risco, independentemente do porte do empreendimento, estudo ambiental esse que, no entanto, não foi especificado. Assim como não ficaram claros os critérios para a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental -EIA/Rima para o licenciamento prévio, já que o normativo também prevê o Relatório Ambiental Simplificado (RAS), estando tais estudos, por outro lado, vinculados ao porte do empreendimento. No esforço de se destacar como polo produtor, o Estado do Ceará saiu na frente, mas classificou todas as atividades e empreendimentos como de impacto regional. A Lei Complementar 140/11 não reconhece o controle ambiental regional por parte dos estados, tendo substituído, para fins de definição de competência para licenciar, o critério de abrangência ou da extensão dos impactos ambientais diretos pelo da efetiva localização do empreendimento/atividade. Nesse caso, seria a localização exata das plantas de geração e seus sistemas associados.
De todo modo, urge a definição de critérios regulatórios e padrões para o licenciamento ambiental a fim de que sejam atraídos investimentos e para que seja dado início imediato aos projetos de plantas de eletrólise ou de outras formas de geração. E para que não se fale mais apenas no potencial da fonte, mas na sua realidade. A partir de agora. From now on.
1 EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Bases para a Consolidação da Estratégia Brasileira do Hidrogênio. Site. Brasília, junho de 2021. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dadosabertos/publicacoes/nota-tecnica-bases-para-a-consolidacao-da-estrategia-brasileira-do-hidrogenio. Acesso em 20 fev 2022. 2 “O hidrogênio já é relevante em termos econômicos atualmente. O mercado mundial de hidrogênio em valor econômico, em 2019, correspondeu à monta de USD 118 bilhões (GRAND VIEW RESEARCH, 2020) a USD 136 bilhões (MARKETS AND MARKETS, 2020). Ademais, espera-se um crescimento significativo desse mercado já nos próximos anos, que poderá alcançar montantes de USD 160 bilhões (GLOBAL MARKET INSIGHTS, 2020) a quase USD 200 bilhões (MARKETS AND MARKETS, 2020). A força motriz deste crescimento é a visão de governos e empresas do hidrogênio como necessário para viabilizar a descarbonização profunda da economia mundial, requerida para a consecução das metas do Acordo de Paris no horizonte 2050”. 3 MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA – MME. Programa Nacional do Hidrogênio. Brasília, julho de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/mme-apresenta-ao-cnpe-propostade-diretrizes-para-o-programa-nacional-do-hidrogenio-pnh2/HidrognioRelatriodiretrizes.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.
4 Idem 5 Idem
6 Parceria Internacional para Hidrogênio e Células de Combustível na Economia/International Partnership for Hydrogen and Fuel Cells in the Economy – IPHE. Disponível em: https://www.iphe.net/. Acesso em: 10 fev. 2022. 7 MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA – MME. Empresa de Pesquisa Energética – EPE. Plano Nacional de Energia 2050. Brasília, dezembro de 2020. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dadosabertos/publicacoes/Plano-Nacional-de-Energia-2050. Acesso em: 20 fev. 2022. 8 Idem
9 Op. Cit. 10 DIÁLOGOS SETORIAIS UNIÃO EUROPEIA – BRASIL. Estudo mapeia modelos decisórios ambientais aplicados em seis países da EU para complexos eólicos offshore. Brasília, novembro de 2019. Disponível em: http://www.sectordialogues.org/noticia/estudo-mapeia-modelos-decisorios-ambientais-aplicadosem-seis-paises-da-ue-para-complexos-eolicos-offshore. Acesso em: 20 fev. 22. 11 Resolução COEMA 03, de 10 de fevereiro de 2022. DOE – CE de 10/02/22. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=427495. Acesso em: 10 fev. 2022.
Autor:
Daniela Giacobbo: Advogada e consultora jurídica na DGG Advocacia e Consultoria Jurídica. É mestra em Direito da Regulação (FGV Direito Rio). Foi Assessora da Presidência do Ibama (2019-2020), Assessora de Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4) (1994 -2019) e membro da Comissão Especial de Assuntos Regulatórios do Conselho Federal da OAB – CFOAB (2020- 2022). Há mais de 30 anos trabalha ativamente com Direito Ambiental. Participa, ativamente, também das seguintes entidades: Associação Brasileira de Direito de Energia e Meio
Ambiente – ABDEM, Associação Brasileira de Eólicas Marítimas – Abemar, Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade – IBRADES, Sindienergia RS – Energias Renováveis e União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA. Professora convidada da Fundação Getúlio Vargas – FGV Energia e da Universidade Católica de Petrópolis – UCP, respectivamente, nos cursos MBA Executivo em Negócios do Setor Elétrico, MBA Executivo em Engenharia de Descomissionamento e Desmantelamento de Navios e Ativos Offshore e MBA Executivo em Setor Elétrico e Mercado de Energia, com a Disciplina de Licenciamento Ambiental. É palestrante e autora de diversos artigos e capítulos de livros sobre Direito Ambiental, Direito de Energia e Infraestrutura, bem como Direito do Agronegócio.
Em 2010 a VIEX realizou a primeira edição do LASE, o Congresso de Licenciamento e Gestão Socioambiental no Setor Elétrico. Em um café no Itaim, em São Paulo, eu e a madrinha do LASE, Simone Nogueira, Sócia e Especialista da Área Ambiental, do Siqueira Castro Advogados, conversávamos sobre novos temas e novidades nos assuntos para os futuros eventos. “E porque a gente não organiza um evento pra falar do processo de licenciamento ambiental?” “Temos novos projetos na área de energia e a legislação ambiental precisa de aperfeiçoamentos” – comentou Simone.
Sem dúvida, após trabalhar muito tempo com eventos fica fácil entender quando um assunto tem potencial para se tornar um grande projeto. Ter um evento focado nas questões ambientais do setor elétrico era uma ótima ideia e com grande possibilidade de crescimento.
Após alguns meses de preparação, convites, conversas e organização surgiu o evento então chamado de “Licenciamento Ambiental no Setor Elétrico” carinhosamente chamado internamente, e depois amplamente conhecido pelo mercado, o LASE.
Em todas as edições do LASE fomos acompanhando as mudanças, ajustes, momentos de estagnação e avanços com relação à legislação ambiental e regulação do setor elétrico, o aumento, ainda maior, da preocupação e envolvimento das entidades do setor elétrico com as questões ambientais e de sustentabilidade, a “competição” sadia por projetos socioambientais cada vez mais complexos e completos e sem dúvida, todo o debate e discussões entre os intervenientes e impactados com os projetos de geração e transmissão de energia.
Em 2010, o setor elétrico tinha preocupações diferentes. As discussões eram voltadas às questões ambientais das grandes hidrelétricas, ainda em projeto ou em construção, como: Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires. A renovação das concessões de geração era um debate fortíssimo em todas as instâncias. A capacidade de geração de energia eólica ainda não tinha chegado nem a 1GW e os investimentos em energia solar ainda eram bastante incipientes.
E, chegamos hoje, às vésperas da 12ª edição do LASE e lançando mais uma edição do Coral (nossa publicação para as áreas de meio ambiente e sustentabilidade), com o tema Energia – Meio Ambiente e Sustentabilidade. Tanto no LASE, quanto no Coral trataremos do presente e futuro do setor elétrico. Certamente a legislação ambiental, o processo de licenciamento e projetos socioambientais são temas que ainda estão na pauta do setor. Mas, apesar de certos assuntos ainda serem recorrentes e continuarem em evidência, o mercado de energia mudou bastante.
A capacidade de geração de energia eólica está próxima aos 20GW e inclusive temos um debate e projetos em tramitação sobre uma regulação para os projetos de energia eólica offshore. Os projetos de energia solar ultrapassam 1% de nossa matriz elétrica e a expansão é vertiginosa para os próximos anos. Debatemos mais fortemente e com viabilidade real os projetos de hidrogênio verde, armazenamento de energia e geração híbrida.
Além disso, vivemos um contexto de crise hídrica (isso, infelizmente, não é tão novidade…), e com um debate constante de como será o mundo após a pandemia e como o ESG deixará de ser um discurso bonito e passará a ser uma realidade para o dia-a-dia de todas as empresas. E ainda para somar nessa equação, temas como transformação energética, mobilidade elétrica, descarbonização, entre outros, entram com força na definição de estratégias (e de sobrevivência) das empresas, não somente do setor elétrico, mas, de diversos outros setores da economia.
Tudo isso, é um pouco do que você poderá acompanhar nesta edição do Coral. Temos artigos e conteúdos sobre o futuro do setor eólico, sobre a chegada das eólicas offshore, o surgimento do hidrogênio verde, as mudanças regulatórias para os projetos de energia solar, as preocupações nos projetos e implantação de PCHs e CGHs, além de temas mais voltados às questões ambientais como: o futuro do licenciamento ambiental, a mediação de conflitos socioambientais, o crescimento do mercado de carbono, entre outros.
Veja o conteúdo publicado no Coral e compartilhe com seus contatos. Participe também do LASE e de outros eventos da VIEX. As boas vibrações continuam para continuarmos produzindo conteúdos, em diversos formatos, que agreguem informações relevantes, que gerem debates e encontros construtivos com as áreas de meio ambiente e energia renovável.
O Brasil tem hoje quase 15 milhões de pessoas desocupadas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), número que equivale a toda população de países vizinhos como Bolívia (11,67 milhões), Paraguai (7.133 milhões) e Uruguai (3.474 milhões), por exemplo. O setor de energia encontra-se na contramão desse cenário e as fontes renováveis têm puxado o movimento das contratações e em 2020 tivemos 1,2 milhão de profissionais admitidos no Brasil, de acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês).
A percepção é que os dois segmentos que mais tem demandado são as renováveis acompanhadas de perto pelo mercado livre de energia. Sem dúvida, temos motivos para celebrar! A indústria de recrutamento e seleção corre para atender a intensa necessidade de contratações e isso tem gerado um fenômeno que remete a música “O Bom”, imortalizada na voz de Eduardo Araújo, ícone da Jovem Guarda, que embalou as muitas matinês do ano de 1967, quando a melodia foi lançada.
O refrão: “Ele é bom, é o bom, é bom”, seguido pela estrofe final: “Cabelo na testa, sou o dono da festa, pertenço aos dez mais, se você quiser experimentar, sei que vai gostar”, cabe como uma luva na mão, quando tentamos recrutar tanto jovens quanto maduros talentos para atuar no mercado.
Claro que nesse contexto é esperado que alta demanda diminua a oferta, essa lei do mercado fica escancarada quando se abre um processo seletivo para uma vaga de trader, especialista de preço e risco, gestor de ativos renováveis e até mesmo para cargos de baixa complexidade. Muitos candidatos incorporam trechos da canção de Eduardo Araújo e se acham “bom, bom, bom” e fazem contrapropostas muitas vezes descoladas da realidade. Este tipo de comportamento tem gerado um tempo maior nos processos e exigido flexibilidade das empresas que precisam preencher seus quadros de colaboradores.
As empresas de recrutamento muitas vezes precisam usar o “Terra, chamando” durante as entrevistas e trazer os profissionais para negociações pé no chão mostrando que, apesar do aquecimento na demanda por talentos com expertise no setor energético, existem preceitos e regras que precisam e devem ser seguidas. Seja para evitar frustrações por parte dos contratados, seja para evitar que a empresa venha a brochar (no sentido de perder o tesão). No final, o candidato equilibrado, que entende a demanda do mercado, mas visa o ganho justo ou no longo prazo, conseguirá manter seu status de ser “uma brasa, mora”!
Quem conhece a história da canção Detalhes, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, sabe que a vida, realmente, é feita de detalhes. Segundo Araújo (2006)[1], numa noite de março de 1971, Roberto Carlos estava em sua casa, no Morumbi, em São Paulo. De repente, teve a inspiração, pegou o violão e fez um primeiro verso para uma melodia. Insistiu um pouco mais e fez um segundo. Tentou fazer o terceiro verso e não conseguiu. Mais tarde, registrou o que tinha feito e foi dormir. No dia seguinte, ele se surpreendeu ao ouvir a fita gravada, pois considerou aqueles versos muito ruins. O cantor passou, então, a refazer tudo e concebeu uma nova composição, recriando os primeiros versos, agora em definitivo.
Mais tarde, ainda segundo Araújo (2006), junto com Erasmo Carlos, após debruçarem sobre a melodia, houve um esbarrão com relação à letra, em especial quanto ao verso “[…] o ronco barulhento do seu carro”. Intrigado com essa expressão, Roberto Carlos só sossegou quando colheu opiniões diversas, todas elas unânimes e favoráveis à sua permanência. Para nós, ouvintes, esse verso pode passar desapercebido, mas para seus compositores foi tratado com esmero, requinte e recheado de significados. E assim foi surgindo, no ano de 1971, a canção que, hoje, o mundo conhece e reconhece, em todos os seus detalhes.
Por que disso tudo? Os detalhes são preciosos. E nos projetos hidrelétricos, eles não se mostram diferentes. Como sabido, a implantação de uma usina hidrelétrica, seja CGH[2], PCH[3] ou UHE[4], envolve a combinação criteriosa de vários fatores, técnicos e não técnicos, concretos e abstratos, de naturezas distintas. Atendo-se à avaliação técnica, costumo pontuar que quanto menor nosso empreendimento hidrelétrico, maior deve ser a acuidade dos estudos de base, a saber: topografia, hidrologia e geologia.
Sabendo que a potência de um empreendimento hidrelétrico é dada pela relação direta entre queda bruta e vazão, a topografia divide o estrelado, de igual maneira, com a hidrologia.
Além de determinar a queda bruta, a topografia é responsável por auxiliar o arranjo geral do projeto; os quantitativos de corte e aterro; os custos das movimentações de terra; os projetos das estradas etc. Evidentemente, também, essa variável está relacionada ao cronograma e ao custo da obra.
Já a hidrologia responde à pergunta intrigante: tem água suficiente? Para esclarecer esse questionamento, são feitos estudos para determinar a vazão média, utilizada no cálculo da potência, como também as vazões mínimas e máximas. As vazões mínimas são fundamentais para definição das vazões a serem mantidas no trecho de vazão reduzida, caso o arranjo esteja assim estruturado. Não menos importante, as vazões máximas são utilizadas para o dimensionamento das estruturas de segurança, como, por exemplo, o vertedor. Assim, qualquer erro nas vazões mínimas, ainda que unitário, poderá comprometer o estudo energético. Da mesma forma, equívocos ou simplificações nos estudos de vazões máximas podem comprometer a segurança do projeto e aumentar o custo da obra.
No meio da análise entre a topografia e a hidrologia, surge outro personagem de igual protagonismo. Apesar de não estar ligada à estimativa da potência do empreendimento hidrelétrico, a geologia não pode ser descartada na avaliação de um potencial.
Dependendo da gênese do maciço e de suas características locais relacionadas ao perfil de alteração de onde se pretende instalar o empreendimento hidrelétrico, os riscos geológicos podem inviabilizar o projeto, mesmo havendo uma relação favorável entre queda bruta e vazão. Isso ocorre porque a existência de zonas de cisalhamento, falhas e fraturas pode comprometer totalmente um eixo. Portanto, para evitar imprevistos, as investigações geológicas são vitais.
Neste contexto, as análises demonstram a enorme relevância entre topografia, hidrologia e geologia, devendo esse tripé ser analisado concomitantemente e de modo integrado, já que são, assim como nossa canção, “[…]coisas muito grandes pra esquecer, E a toda hora vão estar presentes, Você vai ver”.
Na implantação de um empreendimento hidrelétrico, é inevitável que ocorram divergências entre as premissas adotadas na fase de projeto e a realidade executiva. Assim sendo, busca-se que tais discrepâncias estejam dentro dos limites aceitáveis de segurança técnica e econômica. Restringindo-se às CGHs e PCHs, essa avaliação deve ser o mais criteriosa possível, de forma que os impactos decorrentes de tais discrepâncias não sejam significativos a ponto de inviabilizar o projeto.
A prática atual, no entanto, em função da qualidade e simplificação dos estudos, tem demonstrado que os impactos mencionados estão ultrapassando os “limites aceitáveis”, com interferências substanciais no cronograma e nos custos previstos, chegando ao ponto, em alguns casos, de rediscussão de viabilidade técnica. Em casos ainda mais específicos, um projeto, desenhado como PCH, acaba, na prática, se tornando uma CGH. Portanto, a etapa de compatibilização entre investimentos em estudos básicos e preliminares e risco aceitável é um desafio a ser superado, sendo preponderante a avaliação do porte do projeto.
E o que fica disso tudo? Detalhes devem ser sempre vistos e considerados como fatores decisivos em quaisquer tomadas de decisão, seja na vida cotidiana, nas relações interpessoais ou, ainda, no desenvolvimento de projetos hidrelétricos. Devemos sempre estar atentos aos versos da melodia, ainda que seja um único trecho com menção ao “[…] ronco barulhento do carro, um simples arredondamento de casa decimal, uma simples calibração de equipamento de campo ou uma simples fissura no terreno. Só assim, o som do conjunto turbina-gerador soará como música agradável e confortante aos ouvidos, não nos dando impulso para tentar jamais esquecê-lo.
[1] Roberto Carlos em Detalhes, 2006. Editora Planeta.
[2]CGH = Central Geradora Hidrelétrica, com potência de até 5 MW.
[3]PCH = Pequena Central Hidrelétrica, com potência entre 5,1 MW e 50 MW.
[4]UHE = Usina Hidrelétrica, com potência superior a 50 MW.
ESTÁ ABERTA A TEMPORADA DE COMPRAS! Nos últimos meses, diversas organizações privadas e empresas públicas em processo de desestatização passaram a disponibilizar em mercado ativos de transmissão e geração de energia. São empreendimentos de diferentes portes, em relação aos quais tem-se observado considerável atratividade, dada as reais possibilidades de ganho.
Evidente que adquirir linhas de transmissão, subestações e geradoras de energia não consiste em uma simples tomada de decisão, pautada exclusivamente no atendimento do planejamento estratégico de uma companhia. Ao revés, inúmeras variáveis são analisadas e sopesadas pelo comprador, de modo a garantir que o preço pago ou lance ofertado em um leilão não transformem um investimento supostamente atrativo em uma fonte inesgotável de prejuízos.
Os ativos disponibilizados em mercado nos últimos anos foram os mais diversos, especialmente se considerarmos seus estágios de desenvolvimento e componente ambiental. Sobretudo nos últimos meses, foram negociados desde projetos greenfield até projetos em operação, passando por estruturas ainda em fase de implantação.
A diversidade dos projetos ofertados é refletida, obviamente, em seus processos de licenciamento ambiental, havendo empreendimentos ainda sem licença prévia, outros com licença de instalação, ou em vias de se obtê-la, e aqueles que já operam há tempo, estando próximos da renovação de suas licenças de operação.
A pluralidade de normas que regulamentam o processo de licenciamento ambiental no Brasil (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), somada à diversidade de entendimentos dos órgãos licenciadores e às particularidades ambientais de um país continental, tornam extremamente complexa a compreensão da realidade de cada empreendimento e de seu processo de licenciamento; o que torna fundamental sua análise com a atenção e expertise de uma equipe da diligência, visando obter uma avaliação acurada das sensibilidades existentes e custos inerentes.
Nessa toada, o trabalho conceitual de Due Diligence se baseia na análise e avaliação de informações, seguidas de um apontamento de riscos e levantamento de custos inerentes ao componente avaliado, de modo que a quantidade e qualidade das informações levantadas são diretamente proporcionais ao sucesso do resultado da diligência.
Em regra, o ponto de partida está nos documentos disponibilizados de forma sigilosa pelo vendedor aos interessados no projeto, por meio de um Data Room, que é alimentado diariamente ao longo do processo de venda, a partir de demandas e questionamentos realizados pelos possíveis compradores.
Considerando que as informações disponibilizadas no Data Room ficam limitadas àquelas cedidas pelo vendedor, uma das partes no negócio, é suma importância que a equipe de due diligence tenha a capacidade de ir além do conteúdo disponibilizado, obtendo informações junto aos órgãos envolvidos no processo de licenciamento ambiental. Muitos riscos considerados graves pela equipe de diligência, não raras vezes são “sonegados” ou apresentados como passivos de simples solução e custo pouco expressivo pelos vendedores.
Assim, a ação investigativa da equipe de diligência não é somente recomendada, mas considerada fundamental para apurar a realidade dos empreendimentos e mensurar seus riscos ambientais. Em experiências recentes, a equipe da Dominium Ambiental se deparou com achados offData Room que demonstraram riscos, e consequentemente custos, muito acima dos esperados pelo interessado, chegando inclusive a inviabilizar a aquisição do ativo.
Para aumentar o desafio, toda essa dinâmica de trabalho costuma ocorrer em um prazo muitíssimo exíguo, não raras vezes inferior a 30 dias, o que faz das due diligences trabalhos de profunda imersão, com uma rotina intensa de reuniões entre o contratante e a equipe. As apurações são reveladas em achados diários, garantindo que o contratante possa considerar os riscos verificados na esfera ambiental em outras áreas de atuação, como engenharia e fundiário, e também para evitar que o relatório final se apresente como uma caixa de surpresas.
Em razão de todas essas nuances, e especialmente considerando a relevância do componente ambiental de empreendimentos de infraestrutura, ainda mais em tempos de agenda ESG latente, entende-se fundamental a realização de uma due diligence de excelência durante o processo de aquisição de ativos, de modo a permitir uma tomada de decisão assertiva e informada pelo interessado, seja para desistir ou persistir no processo de compra, seja para precificar o produto de forma compatível com o risco oferecido.
Ricardo Araújo Zoghbi é especialista em Meio Ambiente e Sustentabilidade, foi Coordenador Geral de Licenciamento Ambiental de Infraestrutura de Energia Elétrica e Coordenador Geral de Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Lineares Terrestres do IBAMA, e hoje é sócio da Dominium Ambiental.
Renata Messias Fonseca é advogada, especialista em direto ambiental, coordenadora do Comitê de Meio Ambiente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica, coordenadora do Grupo de Trabalho de Licenciamento Ambiental do Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico e sócia da Dominium Ambiental.
Aprendemos desde pequenos que 75% da superfície do planeta é composta pelos oceanos, logo é possível imaginar que algo com tamanho tão relevante tenha papel primordial em muitos aspectos da nossa rotina, como o consumo de alimentos, atividades de lazer e por quê não, a geração de energia elétrica?
Os ventos que sopram pelos oceanos empurraram as caravelas portuguesas ao nosso país e ao longo de seu litoral. Agora estes mesmos ventos poderão ser responsáveis pela próxima quebra de paradigma do setor elétrico, a chegada dos parques eólicos marítimos à matriz elétrica nacional.
Com um histórico positivo em sua trajetória no país, a energia eólica onshore comprovou que é possível a produção de eletricidade complementar com custos competitivos, viabilizando não apenas a rápida diversificação do nosso mix de eletricidade, mas também indicando o caminho para as fontes que a sucederam como a solar. Esse mesmo caminho é esperado para as novas tecnologias, tais como, resíduos sólidos, eólica offshore e armazenamento.
Fora do Brasil, os projetos de eólica offshore têm sido acelerados e ganham cada vez mais destaque, baseados nos compromissos de transição energética assumidos por países e organizações, com o objetivo de neutralizar as emissões líquidas de carbono nas próximas décadas. O Conselho Global de Energia Eólica (GWEC – Global Wind Energy Council) estima que para atender as metas globais até 2050, é necessário instalar cerca de 2.000 GW de energia eólica offshore até o final deste período.
Aliás, na recém-finalizada Conferência das Partes (COP) 26, vinculada à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, em Glasgow, Escócia, a eólica offshore foi alçada à principal aliada para o alcance desta meta. A sua aplicação, não somente para a produção de eletricidade, mas também hidrogênio verde, faz com que ela já ganhe espaço nos diversos países do hemisfério norte e seja a possível resposta para o suporte à parte das aplicações baseadas em tecnologia fóssil existentes atualmente.
No cenário nacional, o otimismo externo também é refletido. Os investidores vêm se mobilizando em busca da identificação do potencial eólico offshore brasileiro, cuja estimativa ultrapassa os 700 GW, segundo avaliação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Esse movimento é percebido com maior atenção quando analisada as informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Atualmente pouco mais de 46 GW em capacidade eólica offshore está em desenvolvimento no país, com uma concentração nos litorais dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, além de projetos na Bahia, Espirito Santo e o Piauí.
Destaca-se no cenário nacional esse trabalho que vem sendo conduzido pelo IBAMA, que há bastante tempo estabeleceu regras claras para a orientação do empreendedor interessado em desenvolver projetos de eólicas offshore, em especial, após a publicação do seu Termo de Referência para orientações gerais dos estudos necessários, disponibilizado há cerca de um ano para o mercado em geral.
A publicação do Termo foi fundamental para a escalada exponencial no número de interessados nesse tipo de tecnologia, pois, o que todo o investidor deseja é conhecer as regras do jogo previamente a qualquer desembolso.
Contudo, a estruturação de um arcabouço regulatório ainda é o nosso grande desafio. Por exemplo, tramitam hoje no Congresso Nacional, diferentes Projetos de Lei que versam sob o tema e cuja agenda legislativa não permite visualizar o final dessa caminhada, ou mesmo se esta é a melhor alternativa como defende o Ministério de Minas e Energia. O Executivo prefere que a regulamentação desse mercado se dê por meio de decreto, justificado pela maior simplicidade do debate, mas, principalmente, pela rápida possibilidade de modificação, caso alguma coisa não se mostre adequada. Por fim, há ainda quem defenda que as regras já estão estabelecidas, só é preciso ampliar a interpretação do que existe nos atuais regulamentos.
Em qualquer cenário, independente da escolha do modelo regulatório, este é o principal ponto de atenção do debate sobre parques eólicos offshore no Brasil, dado o significativo impacto que pode resultar não apenas no modelo econômico-financeiro, mas também influenciar o nível de competitividade que teremos nesse mercado.
A única certeza que temos para qualquer destas situações é que complexos eólicos marítimos se justificam em especial para usinas de porte bastante elevado, pois possuem custos de implantação alto e cuja escala é preponderante para uma melhor atratividade, logo, o modelo adotado deverá captar as características da tecnologia.
Aliás, a escala das turbinas offshore é fascinante. Recentemente, acompanhei o anúncio de parcerias e projetos para aerogeradores de 18 MW de capacidade, cerca de três vezes superior a maior turbina eólica onshore anunciada para o Brasil. Numa lógica que já predominou no setor durante alguns anos, seria o equivalente a ter cada equipamento como um parque eólico.
Outra discussão essencial passa pelas autorizações necessárias para dispor do local de implantação das usinas. Diferente do que acontece nos parques sobre o continente, no licenciamento ambiental para usinas offshore este não é um requisito, o que já implica atualmente em empreendimentos que possuem áreas de interesse que são superpostas, sendo esta uma das principais incógnitas dentro do aspecto regulatório. Além disso, há a divisão de responsabilidades com múltiplos agentes participando do processo autorizativo, o que aumenta a necessidade de existir um regramento unificado que conduza o processo e passe por esses diferentes intervenientes.
Não podemos deixar de mencionar a indefinição ainda dos critérios para as medições anemométricas, no qual itens como tempo de medição, distância máxima do ponto de medição, tecnologias aceitáveis para a atividade e interferência entre parques ainda carecem de respostas técnicas. O ambiente eólico offshore é diferente do continental, por isso o aproveitamento das normas vigentes para o segundo é passível de questionamentos.
Aliás, não apenas os procedimentos para as campanhas de medição carecem de regulamentos, a própria tecnologia em si carece de definições imediatas para que tenhamos maior clareza em relação também as autorizações que são necessárias para a instalação das estruturas sejam fixas ou flutuantes.
Toda a urgência no estabelecimento das regras para o arcabouço regulatório é necessária para uma pronta resposta aos investidores, lembramos que a concorrência do Brasil é com outras nações por este investimento, mas também a nossa própria necessidade de suprimento energético.
Temos atravessado novamente um cenário de forte escassez hidrológica, resultando em incremento do despacho termelétrico, elevação no grau das bandeiras tarifárias e ao final, energia mais cara para o consumidor. Pior, trata-se de um cenário repetitivo e que, em especial nesta última década, foi bastante frequente. Como fazer para interromper esse ciclo? The answer, my friend, is blowin’ in the wind.
Fato que a offshore ainda não é competitiva como a maior parte das fontes, mas ela é mais barata que a energia contratada de maneira emergencial para o sistema. O que por si, já ajudaria a justificar a antecipação da contratação desta fonte, aumentando as opções de suprimento para o sistema.
Entretanto, além das questões regulatórias pontuadas, é importante não perder de vista que a viabilidade desse futuro passa também por outras políticas que demandarão investimento em infraestrutura, logística, cadeia produtiva, recursos humanos. E tudo isso precisa ser agora, pois os resultados desses investimentos são obtidos apenas no longo prazo.
Em relação a viabilidade econômica, os números indicam a competitividade da eólica offshore superior ao imaginário popular. A tendência de popularização desta tecnologia definitivamente contribuirá também para uma redução do atual patamar de preços, o que pode justificar um pequeno empurrão de mercado assegurado para uma rápida redução nos custos envolvidos. Tal estratégia já se mostrou exitosa inclusive com a eólica onshore.
Um fator relevante é a proximidade também que algumas áreas de interesse têm dos centros de carga, ou seja, dos locais onde há um grande consumo de energia, o que é interessante para o atendimento do mercado. Ainda nesse aspecto, precisamos que exista um planejamento mais antecipado para os corredores de transmissão que integrarão as diversas regiões de potencial eólico marítimo com o Sistema Interligado Nacional. São grandes volumes e cujas subestações existentes e já projetadas não contemplam o maciço volume de energia que poderá vir desta fonte.
Felizmente, os primeiros passos na direção da viabilização das usinas eólicas marítimas já foram percorridos. Precisamos garantir que a marcha seja contínua e que os aspectos aqui abordados e tantos outros que compõem o desenvolvimento de um projeto eólico sejam também endereçados.
Alvissareiras são as palavras do Ministro Bento Albuquerque que, na COP 26, antecipou a presença da eólica offshore oficialmente no Plano Decenal de Energia 2031. Apesar do PDE ser um instrumento indicativo de planejamento, sabemos que o seu histórico recente é conservador quando consideramos a penetração das fontes renováveis de energia na nossa matriz elétrica.
Assim, é possível acreditar que em no máximo 10 anos, o Brasil possua as suas primeiras usinas eólicas marítimas em operação. Mas, se engana que isso é ainda um futuro distante. A necessidade da contratação antecipada para o horizonte de suprimento permite concluir que de fato a corrida pelo pote de ouro da energia eólica offshore já começou e podemos esperar que os primeiros projetos estejam aptos para a comercialização antes de 2025.
Em outras palavras, o futuro offshore é logo ali!.
Por Eduardo de Campos Ferreira e Mariana Rodrigues da Silva
Muito se tem debatido sobre o incentivo ao desenvolvimento sustentável, à proteção da biodiversidade e ao estímulo à descarbonização da matriz energética brasileira. O tema tem sido de especial importância nos últimos meses, considerando que, no início do mês de novembro, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-26) em Glasgow, Escócia.
Impulsionada pela movimentação em âmbito nacional e internacional, em 25 de outubro de 2021, às vésperas do início da COP-26, a Presidência da República lançou o Programa Nacional de Crescimento Verde, por meio do Decreto Federal nº 10.846/2021, o qual definiu, dentre outros, os seguintes objetivos: aliar o crescimento econômico ao desenvolvimento com iniciativas sustentáveis; aprimorar a gestão de recursos naturais para incentivar a produtividade, a inovação e a competitividade; reduzir a emissão de gases de efeito estufa, com vistas a facilitar a transição para a economia de baixo carbono; e incentivar a elaboração de estudos e a realização de pesquisas que contribuam para o uso sustentável dos recursos naturais, a redução de emissões de gases de efeito estufa, a conservação de florestas e a proteção da biodiversidade.
Na solenidade de lançamento do referido programa, o Ministro do Meio Ambiente ressaltou que os três principais objetivos são: a redução das emissões de carbono; a conservação florestal; e o uso racional de recursos naturais com geração de emprego verde.
As discussões relacionadas ao combate às mudanças climáticas fomentaram a adoção de medidas para a redução das emissões atmosféricas e mecanismos de avaliação e fiscalização de atividades potencialmente poluidoras, especialmente do setor petrolífero, no cenário regulatório nacional.
O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) também apresentou recentíssimas novidades em relação à busca de meios mais sustentáveis para o setor energético. Em 5 de novembro de 2021, foi emitida a Resolução CNPE Nº 17/2021 para definição de metas compulsórias anuais de emissões de gases causadores de efeito estufa para comercialização de combustíveis e os respectivos intervalos de tolerância, estabelecidos em Unidades de Crédito de Descarbonização (CBIO) para o ciclo de 2022 a 2031. A Resolução definiu a meta anual de 35,98 milhões de CBIO para 2022, a qual deverá ser progressivamente ampliada até 95,67 milhões de CBIO em 2031.
Na mesma data, foi emitida a Resolução CNPE nº 19/2021, que instituiu o Grupo de Trabalho (GT) de Planejamento de Oferta de Áreas com o objetivo de propor estratégias para aumentar a sinergia entre o planejamento da oferta de áreas para exploração de produção de petróleo e gás natural e o processo de licenciamento ambiental.
O GT, dotado de natureza consultiva, foi desenhado para formular propostas relacionadas à definição de: critérios para a priorização dos processos de licenciamento ambiental em curso; medidas para otimizar a especulação, o adensamento e a sobreposição de projetos no licenciamento ambiental de aquisição sísmica; medidas de melhoria dos processos de avaliação ambiental das áreas sedimentares e manifestação conjunta; e estratégias para antecipar procedimentos de licenciamento ambiental das atividades de exploração e produção no planejamento da oferta de áreas.
Foi publicada ainda a Resolução CNPE nº 20/2021 instituindo o GT de Licenciamento Ambiental, com o objetivo de propor estratégias para otimizar o processo de licenciamento ambiental relacionado à exploração e produção de petróleo e gás natural. O GT terá por responsabilidade propor: a estruturação, planejamento, integração e uso de banco de dados em apoio ao licenciamento ambiental; a criação de fórum técnico permanente entre o governo e a indústria para revisão de dispositivos legais e infralegais relacionados ao licenciamento ambiental da exploração e produção de petróleo e gás natural; a definição de requisitos mínimos para modelagem de dispersão de óleo; e a normatização de boas práticas ambientais pela indústria.
Ambos GTs serão interdisciplinares, compostos pelas entidades representativas do setor, incluindo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Economia, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a Empresa de Pesquisa Energética, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio). Embora não tenham direito a voto, também serão chamadas a participar dos GTs os representantes do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e da Associação das Empresas de Sísmicas (IAGC).
Os coordenadores dos GTs poderão convidar especialistas e representantes de órgãos e entidades da sociedade civil e de associações para participar de reuniões, bem como prestar assessoramento sobre temas específicos, sem direito a voto.
A adoção de metas para descarbonização do setor energético, bem como a análise e proposição de medidas para melhoria dos sistemas de avaliação e fiscalização da exploração de petróleo e gás natural por meio do licenciamento ambiental, demonstram o início dos esforços para execução do Programa Nacional de Crescimento Verde.
Destacamos também que o Programa Nacional de Crescimento Verde estabelece como uma de suas diretrizes o desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos, metodologias, padrões, instrumentos de análise, de monitoramento e de avaliação que observem os aspectos ambientais e climáticos, dado que é etapa essencial para o desenvolvimento sustentável.
Não se pode negar que a indústria petrolífera representa um importante setor da economia brasileira, de modo que é de suma importância que a exploração de petróleo e de gás natural seja realizada em consonância com diretrizes sustentáveis, não só garantindo a adequada execução das atividades, como oportunizando o desenvolvimento da exploração offshore.
A instituição dos GTs para a proposição de medidas sustentáveis e o incentivo às atividades de exploração petrolífera, se conduzidos de acordo com a legislação ambiental e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, poderão representar o pontapé inicial necessário para a movimentação dos demais setores da economia, visando à contínua transição para uma economia mais limpa.
O CNPE foi instituído por meio da Lei Federal nº 9.478/1997, presidido pelo Ministério de Minas e Energia, a fim de assessorar a Presidência da República na formulação de políticas e diretrizes energéticas; medidas para o aproveitamento racional dos recursos energéticos do país; medidas para assegurar o suprimento de insumos energéticos às áreas mais remotas ou de difícil acesso; revisão periódica das matrizes energéticas aplicadas às diversas regiões do país; programas específico para o uso de fontes energéticas, incluindo fontes alternativas como energia eólica e solar, entre outros.
Os efeitos da pandemia foram amplos no setor de energia e afetaram especialmente a distribuição por conta da queda na demanda (o que gerou a sobrecontratação de energia e a necessidade de socorro por meio da criação do encargo bancado pela Conta COVID). Os efeitos acabaram se concentrando no primeiro semestre de 2020; mas, economicamente, teremos ainda um ônus tarifário por conta desta Conta COVID. Um aspecto que agrava este impacto tarifário é a crise hídrica e que afeta a essência da nossa matriz elétrica, ou seja, a dependência do regime de chuvas para a geração de energia e a manutenção da segurança do suprimento.
Em linhas gerais, a ausência de chuvas implica na menor geração da chamada energia de base, que deve ser, então, substituída pela geração térmica, mais cara e mais poluente. Isso traz um impacto direto no custo da energia e, portanto, favorece a produção da própria energia, por exemplo, na medida em que melhora o retorno do investimento.
As energias renováveis mantêm cenário positivo no Brasil, independente da pandemia; o Brasil aposta na expansão da matriz considerando-se força nas fontes eólica e solar, e segurança do sistema na ampliação da geração térmica a gás natural, segundo os dados do PDE 2030, divulgado em março de 2021.
Os projetos de geração distribuída passaram por alterações regulatórias com a Revisão da RN 482. Infelizmente, esse processo assumiu contorno político, quando na verdade deveria ter uma conotação bem mais técnica. O resultado disso é um processo de revisão da regra demorado e que atrai insegurança jurídica para o mercado e inibe, de certa forma, alguns interessados. Todavia, o cenário atual é de amplo e irrestrito crescimento da geração solar no brasil de forma bastante consistente pelos próximos 10 anos, no mínimo. Somam-se alguns fatores para chegarmos nessa afirmação: alta persistente das tarifas de energia, queda dos custos de equipamentos, melhora do ambiente regulatório e ampliação das aplicações solares para atendimentos diretamente nas cargas (com altos fatores de simultaneidade).
Devemos sempre considerar que a regulação anda atrás da tecnologia, e no presente caso da energia solar não é diferente. Os próximos modelos de negócios para a energia solar devem agregar o uso de baterias e serviços ancilares. Isso vai demandar o uso de inversores híbridos e a aceitação de composição de gerações em usinas hibridas (solar + hídricas e solar e biogás, na maior parte dos casos).
Toda essa nova dinâmica comercial deve ter tratamento adequado pela regulação e boa parte já encontra previsão no PL 5829 em atual discussão no Congresso Nacional.
Todo esse movimento vai beneficiar sobremaneira a fonte solar, sendo certo que ainda existe a abertura do mercado livre de energia, que igualmente vai massificar a aplicação da energia solar.
E, tratando do crescimento e da abertura do mercado livre, muitos acreditam que existe uma competição entre GD e Mercado Livre. Essa percepção é equivocada, visto que a percepção de benefícios da fonte solar é do cliente, e somente a ele importa o mercado em que opera. Ou seja, para o integrador, é apenas uma questão de procedimento regulatório a instalação de sistema solar é uma questão econômica o detalhamento de uma viabilidade.
Muito também se acredita que um sistema solar não se viabiliza no cliente de mercado livre. Essa também é uma premissa inicialmente equivocada. Os cenários de aplicação da energia solar, e de viabilidade, portanto, dependem da análise de uma série de variáveis que não existem no mercado cativo.
De maneira simplista, existem vantagens em ambos os mercados, pois a vantagem inerente está na energia solar e não no mercado onde o cliente opera. O que muda é a métrica de cálculo do retorno financeiro, que apresenta um melhor desempenho na GD
Assim, eu vejo mais como desconhecimento do mercado do que como inviabilidade econômica, propriamente dita. A tarifa cativa tem uma projeção bastante mais estável que uma projeção do custo de energia no mercado livre; mas, essencialmente, as análises da energia solar no mercado livre carecem ainda de profissionais habilitados a entender a conta e o racional econômico envolvido.
Obviamente, a GD tem aplicações interessantes em clientes residenciais e aqueles atendidos em BT, além é claro de contar com o sistema de compensação de energia, o que confere uma atratividade, nos moldes atuais, para aqueles que fazem uso intensivo da rede para o seu estoque de créditos de kWh.
Ocorre que este mercado já apresenta sinais de saturação e as alternativas comerciais acabam apontando a necessidade de abordagem em clientes de maior porte e os atendidos em AT, ou seja, aqueles já naturalmente atendidos pelo mercado livre.
Hoje o consumidor possui mais alternativas de geração e contratação de energia. Inicialmente, cabe salientar que o consumidor pode gerar a própria energia em ambos os mercados, seja cativo (autoconsumo) ou livre (autoprodução). A diferença é essencialmente de procedimento e de análise de viabilidade.
A opção por qualquer dessas alternativas deve passar por uma análise detalhada da necessidade do cliente x características técnicas das unidades consumidoras, além é claro do custo de oportunidade.
Em linhas gerais, a comparação deve considerar caso a caso, pois a aquisição de energia no ACL considera aspectos de quantidade de energia, curva de preços, prazo de contrato e o risco de crédito do cliente, além é claro do custo de capital e taxa mínima de atratividade de cada cliente. Outros aspectos guardam relação com a viabilidade técnica da aplicação solar, se teremos geração na carga ou remota, se o cliente atua no comércio ou na indústria (para efeito tributário de creditamento de ICMS e PIS/COFINS), por exemplo.
Portanto, essa análise de viabilidade não é necessariamente fácil de fazer e, como dito, precisa considerar caso a caso o cliente específico e deve estabelecer critérios de comparação com métricas adequadas.
No caso da geração remota própria vs compra de energia (ou a autoprodução) costuma-se utilizar o LCOE (ou Levelized Cost of Energy); e no caso de geração na carga vs compra de energia costuma-se aplicar o LACE (ou Levelized Avoided Cost of Energy), justamente por este último modelo considerar o custo evitado da energia e a apropriação de valores econômicos inerentes à simultaneidade, como por ex. tributos e TUSD volumétrica), além de encargos setoriais cuja dispensa de pagamento é garantida a autoprodutores no ACL.
Outro ponto importante a ser explorado são as tendências de inovação no setor elétrico. De início, eu destacaria o uso inteligente (ou racional) da energia é absolutamente inevitável dentro do cenário atual de custos elevados de energia.
Portanto, as tendências de eficiência energética devem voltar com força, com associação de tecnologias hoje disponíveis para a redução da carga, seja pela aplicação de sistemas solares para atendimento dos horários de pico (que no ACL obedecem ao PLD horário, ou seja, na tarde), seja pelos modelos de otimização de métodos produtivos (resposta de demanda).
Sistemas de armazenamento (as baterias) ainda encontram viés desfavorável pela lógica cambial e custos, mas já são realidade em outras partes do mundo e aqui não deve ser diferente no médio prazo. As aplicações devem se concentrar inicialmente na substituição dos grupos geradores com uso de backup, e em um momento seguinte com as aplicações de peak shaving, ou uso em horários de ponta, e time shiffting, onde o sistema identifica o melhor horário para injeção de energia na rede ou a aquisição de energia.
Isso somente será possível com a disseminação de inversores híbridos e obviamente com a aplicação de baterias em sistemas fotovoltaicos.
Desta forma, os próximos anos devem apresentar melhoras significativas no ambiente de negócios envolvendo energia solar, onde novas tecnologias e horizontes de mercado mais claros trarão possibilidades de investimentos e modelos de negócios envolvendo cada vez mais os pequenos integradores distribuídos e novas tecnologias.
Alexandre Sion, da Sion Advogados entrevista Mauren Lazzaretti, Presidente da ABEMA.
Na entrevista os dois conversam sobre o futuro do licenciamento ambiental para os empreendimentos de energia, a experiência e os principais destaques da participação da ABEMA na COP26, e, por fim, os desafios do gestor público na área ambiental.
Um bate papo interessante e bem produtivo sobre o cenário atual e o futuro das questões ambientais.
possui especialização em Direito Tributário pelo Centro Universitário Candido Rondon e graduação em Direito pela Universidade de Cuiabá (2000). Atualmente é Presidente da ABEMA e Secretária de MA do Mato grosso
A Licença Social para Operar (LSO) resulta do nível de confiança que a sociedade deposita em uma empresa, influenciado pelas culturas dessa sociedade e da corporação, traduzida em suas práticas ambientais, sociais e de governança (ASG). Dinamicidade e instabilidade são intrínsecas à LSO, já que esta depende de como um empreendimento se comporta no tempo frente aos impactos que gera no território e também de fatores exógenos, sobre os quais o empreendedor muitas vezes não tem ingerência. Assim, para minimizar a insegurança do investidor face às consequências de conflitos que podem emergir da perda da LSO, é preciso construir uma relação “ganha ganha” com seus stakeholders.
Nessa ótica, desenvolvemos, na Ferreira Rocha Assessoria e Serviços Socioambientais (FR), metodologia para orientar – para diferentes tipos, portes e estágios de empreendimentos – o planejamento estratégico de investimentos socioambientais das corporações que transcendam a mitigação e compensação de impactos nos espaços onde atuam, buscando ali solidificar suas interações, minimizar seus riscos e alavancar sua imagem de forma mais ampla, ao encontro da relação com seus investidores. Essa metodologia fundamenta-se na escuta e no diálogo qualificado com partes interessadas, e no conhecimento atualizado dos territórios.
Desenvolvemos esses princípios e práticas para subsidiar esse planejamento estratégico aplicado a uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) na região sul do País, de propriedade de uma empresa multinacional de geração de energia elétrica renovável, em instante prévio ao início de implantação da usina. Os resultados muito positivos alcançados e o reconhecimento do sucesso de sua contribuição para o alcance de metas e indicadores corporativos de ASG levaram esse empreendedor a replicar o método, até o momento, para mais dois parques solares nas regiões sudeste e nordeste, quando estavam começando a serem implantados.
Em síntese, o objetivo principal dos trabalhos é, em um prazo reduzido, de cerca de dois a três meses, obter um retrato atualizado da realidade socioambiental e cultural do território de inserção do empreendimento, destacando suas principais vocações, fragilidades e oportunidades, de forma que se possa fornecer ao empreendedor recomendações, tecnicamente embasadas, para a prática de Responsabilidade Social Estratégica (RSE) e estratégias de ASG ainda na etapa de construção e no início de operação de seu projeto.
Para isso:
Identifica-se e prioriza-se os temas materiais que são importantes para os stakeholders locais e regionais;
Percebe-se, junto a esses stakeholders, sua avaliação sobre as obrigações socioambientais já cumpridas ou em curso pelo empreendedor, e outros investimentos sociais presentes no território. Não apenas sob a ótica do “se foram feitos ou não”, mas também sob o viés de como se deu o processo de atendimento;
Identifica-se e avalia-se potenciais parcerias locais e regionais para atuação conjunta com o empreendedor.
Parte-se, como eixo metodológico estruturante, da aplicação dos conceitos, estratégias e práticas associados à LSO e, por conseguinte, daqueles relacionados a engajamento de stakeholders e à gestão de riscos sociais, conforme consolidado por Rocha *.
Com vistas à priorização dos temas materiais que são identificados junto aos stakeholders, utiliza-se, de forma sinérgica, metodologias desenvolvidas para identificar os grupos que exercem ou podem vir a exercer uma forte influência, e estão muito empenhados na defesa de algumas demandas em função de seu nível de expectativas em relação ao empreendimento e ao seu poder de afetar as tomadas de decisão.
As atividades compreendem trabalhos de escritório e campo. A exemplo dos diagnósticos socioeconômicos tradicionais, a análise prévia de dados secundários leva em consideração dados demográficos, aspectos de educação, saúde, saneamento, segurança e lazer. Para atender à vertente ambiental, busca-se atualizações sobre áreas sob regime especial de proteção porventura existentes no território e ou em seu entorno, bem como a elaboração de mapeamento atualizado de uso, ocupação do solo e cobertura vegetal. Isso além da busca de dados sobre eventuais comunidades tradicionais existentes na região.
A fase de campo divide-se em “mapeamento social” e “monitoramento socioeconômico domiciliar”. Para o primeiro, são consideradas entrevistas semiestruturadas com as principais lideranças formais (gestores ou representantes de associações, entidades ou do poder público) e informais que exercem atividades diversas junto às comunidades. Nesses contatos busca-se explorar a ligação dos entrevistados com o território, história e aspectos gerais da região, suas percepções em relação à infraestrutura e aos serviços sociais, bem como as opções de lazer e cultura locais. Idem com relação à participação em grupos sociais, ambientais e atividades coletivas, bem como o sentimento quanto a fazerem parte do desenvolvimento local por meio de suas iniciativas e formas de participação comunitária. Já o monitoramento socioeconômico é realizado com famílias e moradores das sedes municipais e de todas as comunidades rurais próximas ao empreendimento.
Como um resultado adicional do trabalho, disponibiliza-se ao empreendedor ferramenta desenvolvida pela Ferreira Rocha que lhe permite, para cada linha de investimento proposta, avaliá-la, pontuá-la e revisar periodicamente esse planejamento em função de critérios próprios à Companhia, tais como alinhamento a prioridades corporativas e a orçamentos socioambientais e de RSE, dentre outros. Ou seja, possibilita-se, assim, avaliar a matriz de materialidade definida à luz das percepções e expectativas dos stakeholders com aquela antevista pelo investidor, conforme preconizam as estratégias ASG.
Ao fim e ao cabo, a aplicação dessa metodologia possibilita ao empreendedor colaborar efetivamente para incrementar a qualidade ambiental dos territórios onde atua, para além da mitigação dos impactos ambientais gerados pelas suas atividades; auferir resultados e recomendações para orientá-lo no sentido de minimizar riscos de relacionamento com suas partes interessadas; e reduzir contingências econômico-financeiras futuras e possibilidades de investimentos em ativos e ou ações que venham ao encontro de benefícios individuais em detrimento dos coletivos.
Materializa-se, assim, uma linha base para avaliar transformações no território a partir da implementação do projeto e, como consequência, minimiza-se, gradativamente, o risco de dependência econômica da região em relação ao empreendedor. No entanto, para que essa geração de valor compartilhado se incorpore efetivamente ao território, o diagnóstico e a consequente reavaliação de investimentos socioambientais devem ser atualizados periodicamente.
A metodologia é aplicável a empreendimentos de diversos portes e setores produtivos, e a diferentes fases dos projetos, com adequações de alguns procedimentos, cronogramas e recursos, mas resguardando seus objetivos e benefícios precípuos. Nesse sentido, na nossa trajetória de evolução da metodologia, hoje já a incorporamos a due diligences socioambientais que concluímos para mais de 30 (trinta) PCHs em diferentes estados do País, começando agora a estendê-la para avaliação também de parques eólicos e à sua aplicação na fase de elaboração de estudos ambientais, como está em curso em processo para ampliação de um grande empreendimento minerário em Minas Gerais.
* ROCHA, D. J. L. Retórica e prática na gestão de stakeholders em empreendimentos hidrelétricos: O estudo de caso da UHE Santo Antônio. 2020, 274 f. Trabalho Aplicado (Mestrado em Gestão para a Competitividade) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – FGV, São Paulo, 2020.
Parece um assunto novo, que veio recentemente fortalecido pela força das mídias sociais atuais e ao mesmo tempo, com a pandemia, o aumento da consciência do ser humano em valorizar a vida, a família, o espaço e trazer novamente a ligação da sociedade com a natureza e seus ciclos. Mas o assunto de mudança climática e mercado de crédito de carbono já completa seus quase 30 anos, depois da criação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC, em inglês), durante a ECO 92. Foi fortalecido com o grande encontro no ano de 1997 em Quioto e a criação a partir de 2005 do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), que permitiu os países com metas de redução investirem em países ainda sem metas definidas, transformando em reduções certificadas de emissões (CER).
Até aqui, muita gente do setor elétrico já tinha ouvido falar sobre este tal crédito de carbono, Protocolo de Quioto e MDL. O fato é que este mecanismo citado acima, com todos os seus defeitos iniciais, proporcionou no Brasil e no mundo o incentivo de grandes investimentos em tecnologias ainda inexistentes na época e transferência de tecnologias em vários projetos.
De lá para cá muita coisa mudou, principalmente as regras, que ficaram mais rígidas a cada ano e principalmente porque o CER se tornou uma espécie de commoditie, sendo assim, o CER se tornou vulnerável às oscilações do mercado financeiro e de eventuais crises. Exemplo disso foi que, junto com a crise do ano de 2011 na Europa veio a queda do valor do CER, de patamares acima de 15 Euros em 2008 para menos de 1 Euro no final de 2014. Soma-se a isso as indefinições das diversas reuniões das Conferência das Partes (COP) desde a sua primeira versão (COP 01) na Alemanha em 1995.
No ano de 2015 aconteceu a COP 21 em Paris, importante encontro, pois pela primeira vez definiu medidas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas e que foi aprovado com aclamação por quase todos os países signatários (195 países) e também foi criado o chamado Acordo de Paris. Porém ficaram algumas pendências, como a definições da continuidade do MDL, o que tornou o ambiente de Mercado Regulado de Carbono ainda sem definições e cada vez mais perdendo a credibilidade. Com estas indefinições, se fortaleceu em paralelo o Mercado Voluntário de carbono, formado por empresas e indivíduos que voluntariamente decidem neutralizar suas emissões, o chamado VCS (Voluntary Carbon Standard).
Desde a COP 21 se passaram 5 anos e muita coisa aconteceu. No Brasil as inserções das fontes de energias limpas na matriz elétrica deram um grande salto, principalmente impulsionados pela energia eólica e solar, que começaram se viabilizar tanto por incentivo de novas regulações, mas principalmente pelo barateamento das tecnologias disponíveis. A energia solar, por exemplo, tem uma projeção de crescimento até 2029 de 500%, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Os projetos de geração de energia através do biogás, por terem grande capacidade de redução de gases de efeito estufa (metano) e consequentemente oportunidade de geração de grandes volumes de CER, foi e está sendo, um grande exemplo de inserção de tecnologia que não existia no Brasil.
O que a energia limpa e renovável tem a ver com o mercado de carbono? Os resultados principais da COP 26 neste ano de 2021 mostram o que este Setor pode contribuir para o atingimento das metas:
Limitar o aquecimento a 1,5 °C
As energias renováveis possuem no seu processo um nível de emissão muito inferior as energias fósseis. Algumas tecnologias possuem até a característica incrível de ser carbono negativa, a ser comentado logo abaixo.
Redução da emissão do gás metano
Dentro das energias renováveis o aproveitamento energético do metano, tanto para energia elétrica quanto para combustível, é a única de carbono negativo de todas, ou seja, gera-se energia limpa e ao mesmo tempo é eliminado o metano, gás este com potencial de efeito estufa até 25 vezes maior em relação ao dióxido de carbono.
Redução do uso do carvão
Eólica, solar, biomassa, biogás, hidrogênio, entre outras, juntamente com tecnologias de armazenagem (baterias), podem e devem ser alternativas para a substituição do carvão, que é usado no mundo para gerar mais de 35% da energia elétrica.
Redução de subsídios aos fósseis
O dinheiro foi um dos principais temas nas negociações da COP 26, tanto nas questões de como não deixar a conta para os mais pobres e vulneráveis, como para o fim do subsídio para fontes fósseis, principalmente o carvão e petróleo. Um grupo de grandes bancos, seguradoras e investidores que juntos controlam 130 trilhões de dólares se comprometeram a colocar a crise climática no centro de atuação das decisões. Para isso as fontes de energia renováveis terão um papel fundamental para que os países tenham sua matriz mais limpa de energia, e ao mesmo tempo que não tenham riscos de apagão e oscilações de fontes de energia intermitentes.
Continuidade do mercado regulado de carbono, o MDL
O MDL terá sua continuidade, porém em um modo ampliado focado além do ambiental, no social. Além disso os projetos de MDL que já estão em operação, serão permitidos emitir créditos de carbono até 31 de dezembro de 2020, desde de que registrados de janeiro de 2013 para frente.
Dentro deste contexto, projetos de energia renovável podem se beneficiar bastante, desde que provem que os créditos de carbono são adicionais, e esta receita adicional pode ajudar a viabilizar principalmente tecnologias ainda caras e sem escala.
O tempo está passando, as metas parecem estar longe, mas os anos de 2030, 2040 ou 2050, anos em que quase todas as metas da COP 26 estão ancoradas, estão quase ai, temos todo tempo do mundo e ao mesmo tempo não temos tempo a perder…
“Novo combustível movimenta o mercado estrangeiro para suprir a demanda climática atual e o Brasil poderá se situar como protagonista nesta nova trajetória.”
A vida é uma “metamorfose ambulante”, como diria Raul Seixas. Desde as evoluções naturais darwinianas às históricas rupturas políticas ao longo dos séculos, a história da vida na terra é o reflexo da tendência constante de transformação na qual pessoas e seres vivos estão inevitavelmente sujeitos. Assim como nosso planeta, estamos incessantemente em movimento.
À luz da concepção introduzida, vem à tona a próxima imprescindível – e necessária- evolução da matriz energética mundial: o hidrogênio verde.
Os frutos desta produção possuem benefícios extraordinários a qualquer meio de transporte ou maquinário que roda, atualmente, à base de combustível fóssil. Grosso modo, o gás é obtido através da quebra da molécula da água por uma corrente elétrica, processo denominado de “eletrólise”. Caso essa corrente elétrica tenha origem renovável, obtém-se o hidrogênio verde.
COMO ESTÁ ATUANDO O MERCADO GLOBAL
Chamado pela revista Forbes de “energia do futuro”, diversos países e empresas têm tomado iniciativas em projetos ambiciosos visando o futuro protagonismo no mercado.
A Siemens Energy, em parceria com a Porsche, e várias empresas internacionais, irão aproveitar o potencial eólico de Magallanes, região sul do país, para produzir Hidrogênio Verde já no ano que vem, a fim de virarem grande exportadores de combustível sintético ao redor do globo. O produto poderá abastecer carros, caminhões, navios e aviões de grande porte, sem que precise adaptar as frotas para um novo modelo de combustível. A técnica utilizada baseia-se em combinar dióxido de carbono com o Hidrogênio, resultando em metanol sintético, sendo este a base para o e-diesel, e-gasolina ou e-querosene, configurando os chamados “combustíveis neutros”, em que a combustão emite 90% menos dióxido de carbono na atmosfera.
A Coreia do Sul, fazendo jus à sua fama de assertiva e intensa investidora em sua economia com verbas públicas, direcionou 130,4 bilhões de wons em incentivos para veículos à base de hidrogênio, segundo a Korea Herald. Indo além, a gigante nacional do meio automobilístico Hyundai, em parceria com o Grupo SK e outros, desembolsaram US $31 bilhões para alcançar uma economia de hidrogênio nos próximos dez anos.
A União Europeia (EU) também já se planejou, almejando cumprir a meta de emissão neutra até 2050 e estabeleceu um plano de investimento de US $430 bilhões em hidrogênio verde até 2030.
E COMO ESTÁ O BRASIL?
Temos a grande chance de nos tornarmos líderes na produção deste novo combustível graças à iniciativa de empresas como a australiana Enegix Energy, que investirá 29 bilhões de reais, na cotação atual, para construir a maior usina de hidrogênio verde do mundo no Brasil. Isso mesmo, o Ceará sediará o projeto Base One, com capacidade para produzir 600 mil toneladas de hidrogênio verde por ano a partir de 3,4 GW de potência firme. Em parceria com o governador do Ceará, a usina se encontrará numa zona industrial de 500 hectares que foi reservada no Porto de Pécem, com posição estratégica de acesso direto aos maiores portos internacionais.
“O Base One transformará o Ceará em um importante exportador de hidrogênio e estabelecerá a Enegix como produtora global de energia renovável alinhada à nossa visão e estratégia para substituir redes de energia caras e de alta emissão por redes renováveis”, comenta Wesley Cooke, Fundador e CEO da Enegix Energy.
A região onde será instalada também é climaticamente estratégica, à medida que o Porto de Pecém detém vasto potencial solar e eólico offshore até onshore – instalado em alto-mar e na costa, respectivamente – praticamente o ano todo. As proporções continentais do Brasil são incríveis justamente por conter regiões propícias para obter intensa e constante luz solar, ainda mais no Nordeste, que se situa mais próximo da Linha do Equador, onde os raios solares atingem o solo mais próximo dos 90º graus por quase todo o ano, gerando grandes margens para aproveitamento do mercado de energia solar.
Projetos como este geram grandes impactos positivos à nossa atmosfera. Nos dias atuais, as atividades humanas emitem nada menos do que 50 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Só o Base One será capaz de reduzir 10 milhões de toneladas de CO2 emitidos na atmosfera anualmente, assumindo o posto de maior projeto de redução de carbono do mundo. “Uma economia de hidrogênio é possível agora, devemos tomar a iniciativa e construí-la para que todos possam se beneficiar do elemento mais abundante do universo” defende Cooke.
Por fim, é positivo ver empresas internacionais investindo em grandes projetos sustentáveis no país, como o Base One. Assim, da mesma maneira que o petróleo virou uma alternativa ao uso de gordura de baleia, chegou a vez do petróleo passar o bastão para o hidrogênio e se tornar uma engrenagem importante ao cenário climático pelas próximas décadas.
Como se produz Hidrogênio Verde e seus benefícios
Como já escrito em artigo anterior, o Hidrogênio Verde passa a ser alternativa viável ao uso de combustíveis fósseis ao mercado automobilístico e industrial. Pela urgente demanda climática atual, o novo combustível gera grande agitação aos olhos do mercado que cada vez mais realiza ações em prol de seu desenvolvimento.
Mas, afinal de contas, como seu produz Hidrogênio Verde? E quais seus reais benefícios a ponto de encantar os líderes mundiais?
COMO SE PRODUZ
Fruto do processo denominado “eletrólise”, o gás Hidrogênio (H) é obtido através da decomposição química da água em: hidrogênio e oxigênio. Grosso modo, a reação química ocorre quando uma corrente elétrica atravessa a água, separando o gás desejado. Assim, caso a corrente elétrica utilizada no processo tenha origem renovável – eólica ou solar, por exemplo- produz-se o chamado “Hidrogênio Verde”. Vale ressaltar que todo o processo produtivo ocorre sem emissão de poluentes. Entretanto, é necessária uma grande quantidade de energia.
BENEFÍCIOS
O combustível se apresenta como uma alternativa salvadora, à luz de que 25% das emissões de gases do efeito estufa vem do setor dos transportes, segundo o relatório apresentado na COP-24, na Polônia. “Uma redução substancial nas emissões de CO2 é quase impossível sem hidrogênio”, defende incisivamente Christian Bauer, do Instituto Paul Scherrer, centro suíço de pesquisa em engenharia, “Eu diria que, dentro dos próximos dez anos, veremos avanços importantes no setor”, continua.
Os frutos desta produção possuem benefícios extraordinários a qualquer meio de transporte ou maquinário que roda, atualmente, à base de combustível fóssil.
Os motores podem ser movidos à hidrogênio em si. Para gerar energia, o veículo é equipado com uma célula de combustível. Nesta célula ocorre o processo inverso ao da eletrólise, havendo a reação do Hidrogênio com o Oxigênio, gerando água e calor, capaz de impulsionar o motor ao converter energia química em mecânica. Ora, o que, afinal de contas, é emitido após essa combustão? Isso mesmo, caro leitor: água. Logo, os veículos movidos por hidrogênio emitem vapor d’água, como grandes umidificadores ambulantes. “Queridinho” dos fabricantes, o motor é, tecnicamente, chamado de “FCEV” (veículo elétrico a célula a combustível), e já encontra exemplares no mercado mundial como: frotas de empilhadeiras nos Estados Unidos e na União Europeia, assim como foguetes espaciais.
As vantagens continuam, tendo em vista que o hidrogênio tem três vezes mais energia do que a gasolina e, pelas palavras do pesquisador Mr. Ian Stalffe et all, do Imperial College London e da Royal Society of Chemistry:
“Uma das qualidades do hidrogênio é a sua densidade energética específica muito alta, 40.000 wh / kg, ou 236 vezes a energia específica das baterias de íons de lítio. Isso significa que os veículos movidos a hidrogênio são mais leves que os movidos a bateria e têm um alcance mais extenso. Além disso, o reabastecimento de hidrogênio leva apenas alguns minutos em comparação com várias horas para carros movidos a bateria.”
Outra possível utilização é a produção de combustível sintético. Esta técnica baseia-se em combinar dióxido de carbono com o Hidrogênio Verde, resultando em metanol sintético, sendo este a base para o e-diesel, e-gasolina ou e-queresene, configurando os chamados “combustíveis neutros”, em que a combustão emite 90% menos dióxido de carbono na atmosfera. Tecnologia, esta, que será utilizada em grande escala por um ambicioso projeto no sul do Chile, que visa produzir 550 milhões toneladas deste e-combustível até 2026. A Siemens Energy, em parceria com a Porsche e várias empresas internacionais, irão aproveitar o potencial eólico de Magallanes, região sul do país, para produzirem hidrogênio verde já no ano que vem, a fim de virarem grande exportadores de combustível sintético ao redor do globo.
As concentrações de CO2 na terra são preocupantes. No mês de maio de 2019, o observatório de Mauna Loa, uma das mais renomadas estações de monitoramento do aquecimento global, no Havaí, registrou uma concentração de 415 parte por milhão (ppm), marca inédita na vivência humana na terra. “Isso é significativo porque a última vez que a Terra teve concentrações atmosféricas de CO2 nesse nível foi provavelmente há 2,6 milhões ou até 3 milhões de anos. Ou seja, antes da evolução da espécie humana”, alega James Dyke, professor de Sistemas Globais do Departamento de Geografia da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Em suma, a evolução humana na terra está estritamente ligada ao progresso das nossas tecnologias. E, cada década que passa, descobrimos novas e melhores maneiras de produzir, pensar e redirecionar a vida neste planeta através das excelentes cabeças pensantes.
Neste cenário, é fundamental a ativa atuação dos centros acadêmicos na produção de conhecimento. Brasil vive atualmente uma intensa fuga de cérebros de cientistas renomados, que fogem da falta de investimento e de constantes ataques às áreas pelo governo federal. À título de compreensão, o Ministério de Tecnologia e Inovações (MCTI) teve uma perda de 52% em seu orçamento entre 2013 e 2020, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).”
Logo, iniciativas como as da Engix Energy, e de tantas outras, refletem a nova guinada universal rumo ao aprimoramento da relação homem-natureza.
Durante o Fórum Nacional Eólico 2021, evento idealizado pela VIEX e pelo CERNE aconteceu o painel de debates: Panorama e características dos novos negócios no setor eólico nacional.
No painel, Gabriel Luaces, Jean Philippe Bellavia, Marcos Meireles e Guilherme Sari, executivos do setor de energia renovável tiveram um bate papo e uma troca de experiências bastante rica sobre o presente e o futuro do setor eólico nacional e os principais desafios regulatórios, operacionais e ambientais destes empreendimentos.
Acompanhe os comentários de Guilherme Sari e a íntegra do painel no vídeo: [embedyt] https://www.youtube.com/watch?v=nFDmR31kpHc&t=218s[/embedyt]
A tecnologia evoluiu assustadoramente nos últimos 30 anos e, hoje, temos diversos meios rápidos de nos comunicar com as pessoas, de onde quer que estejamos. De aplicativos de mensagens a chamadas de vídeo, conversar com o outro tornou-se mais fácil do ponto de vista do meio, mas nunca esteve tão difícil do ponto de vista da forma.
Conversar com quem é do meu grupo, com quem concorda com minhas ideologias e perspectivas é fácil, mas, e quando pensamos de forma diametralmente oposta aos que estão à nossa frente? É aí que se dá a dificuldade de escuta e de conversas. Na maioria das vezes, ficamos entrincheirados, mandando bombas para o outro lado e cantando falsas vitórias para aqueles que nos aplaudem. Todavia, o relacionamento não melhora e o conflito não é resolvido.
Terreno arriscado, perigoso, cheio de armadilhas, e a gente nunca se sente verdadeiramente preparado para esse processo de conversar, trocar ideias, pontos de vista e opiniões, quer seja na vida pessoal ou empresarial.
Temos medo.
Medo, sim, palavra pouco utilizada no jargão profissional, nas empresas, nos negócios, mas, real e presente na vida de todos.
Comecemos pela escuta
O território da escuta é um território desconhecido, imprevisível. Em um diálogo pessoal difícil, não tememos aquilo que temos para falar, afinal, conhecemos nossos pensamentos. O que tememos, na verdade, é o que o outro tem a dizer a nosso respeito, sobre nossos comportamentos, ações e pensamentos. Como podemos sair profundamente feridos, muitas vezes, evitamos conversas difíceis, nas quais podemos ouvir coisas que podem nos machucar, verdades que desconhecíamos e outras tantas que fizemos um esforço hercúleo para manter debaixo do tapete da nossa consciência ou dentro do armário corporativo.
Mas esse medo nos priva do aprendizado, da melhoria e também de possíveis alegrias e satisfações. É por isso que, muitas vezes, não queremos ouvir, queremos só falar, já que, ao falar, falamos daquilo que dominamos, do que conhecemos, das nossas realidades conhecidas e mapeadas, nossos processos certeiros e admiráveis.
Profissionais de comunicação são treinados para falar, para produzir informações, mas, infelizmente, nas nossas faculdades e universidades não somos capacitados para ouvir. Ouvir é delicado e sutil e exige muito mais do que o silêncio, é preciso o silêncio da alma, já dizia Rubem Alves.
Nas relações corporativas, as pessoas interessadas podem falar milhares de coisas que são absolutamente diferentes daquilo pelo que as empresas tanto trabalharam e se esforçaram para que fosse pensado delas. As pessoas interessadas podem dizer que os processos e os procedimentos empresariais não são assim tão certeiros e que são pouco admiráveis; que existe uma percepção desproporcional entre a empresa e a comunidade vizinha sobre os riscos ambientais; que as práticas de RH não estão trazendo paz e serenidade e permitindo aos funcionários o pleno desenvolvimento de suas capacidades; que a forma de contratação de fornecedores está provocando impactos financeiros negativos em toda a cadeia e que aquelas políticas lindas de compliance não são uma verdade no dia a dia. Esses são apenas alguns exemplos de coisas desagradáveis que podem ser faladas, mas existem milhares de outras coisas ruins que podem ser ditas sobre as empresas, não é verdade?
Sem dúvida, ouvir isso machuca qualquer profissional que se empenha e se esforça diariamente, que trabalha para construir uma imagem corporativa positiva, que busca a licença social. O remédio da escuta de pessoas interessadas é, muitas vezes, amargo e difícil de ser administrado, mas é efetivamente o único caminho para se chegar a um outro nível de relação.
No entanto, perceba que, ao ouvir, você está recebendo um ponto de vista, uma percepção, o que não significa que seja TODA A VERDADE. É a vista a partir de um ponto. Conhecer qual é a vista a partir desse ponto pode auxiliá-lo a ajustar suas ações, a calibrar seu discurso e a atender demandas.
Ouvir não é concordar. Ouvir é aprender, expandir seu conhecimento, entender realidades sob outros pontos de vista. Ouvir permite conhecer as nossas ignorâncias circundantes.
Abre parêntesis:
A-DO-RO este termo: ignorâncias circundantes! Meu Deus! Achamos que sabemos de tudo, mas estamos rodeados de coisas que ignoramos. Que corajosos somos ao navegarmos pela vida achando que só aquele pedacinho de conhecimento que temos – uma jangadinha – será suficiente para atravessarmos um oceano de coisas das quais não sabemos e sequer sabemos que não sabemos! É por isso que muitos pensam que estão a salvo nas suas ignorâncias. Comportamo-nos como crianças que fecham os olhos e acreditam que, assim, os problemas realmente sumiram…
Precisamos entender que se tudo que sabemos nos levou a uma situação conflituosa ou difícil, a saída só pode estar naquilo que não sabemos.
E aquilo que não sabemos está no outro, naquilo que ele sabe, mas que nós desconhecemos. Obviamente, precisamos, portanto, descobrir o que o outro sabe, pensa, sente, vê e percebe!
Fecha parêntesis.
Ouvir as pessoas interessadas é ir além da conversa educada do dia a dia, do cafezinho e do tapinha nas costas, da simpatia dos encontros fortuitos e ligeiros. É preciso humildade para sair do protagonismo do discurso e ser coadjuvante, permitir que o holofote da atenção e do interesse se desloque para o outro, a fim de que ele, a seu tempo e da sua forma, encontre espaço e segurança para trazer à tona o que está submerso, que é o que ele realmente pensa, sente e necessita. Para entender, evitar e manejar conflitos, a melhor comunicação ainda é a ancestral, olho no olho.
Ouvir, de verdade, proporciona a construção da confiança mesmo quando há discordâncias, mas é preciso que verdadeiramente possamos oferecer presença, interesse, conexão e tempo.
Presidente executiva da ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica – Vice-Presidente do Conselho de Administração da GWEC. Mãe. Uma voz ativa no debate global sobre diversidade e inclusão econômica no setor de energia.
Eduardo de Paula Machado – Promotor de Justiça / MPMG
Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre em Administração Pública pela UFLA. Promotor de Justiça. Atualmente exerce a função de Coordenador Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público do Sul de MG.
Fabio José Feldmann
Fábio José Feldmann (São Paulo, 14 de maio de 1955) é um advogado, ambientalista e político brasileiro. Um dos fundadores da Fundação SOS Mata Atlântica, da qual foi também o primeiro presidente, Feldmann tem atuado como consultor em questões ambientais e de desenvolvimento sustentável, nos últimos anos, bem como conferencista em eventos nacionais e internacionais.
Como recrutador tenho a grata oportunidade de conhecer muitos profissionais e suas histórias de vida, pessoal e de carreira. Há alguns anos fui procurado por uma colega que trabalhava no governo da Bahia e que demonstrava interesse em migrar para a iniciativa privada. Antes de ser um recrutador, sempre fui um bom “ouvidor” e entendo que essa é uma qualidade essencial em nossa profissão como headhunter.
Em nossa conversa ela destacou os desafios que enfrentou e todas as conquistas de sua atuação no setor público. Também compartilhei com ela um pouco da minha experiência na iniciativa privada, minha visão como recrutador de empresas de diversos portes, mas o mais importante é a coragem do primeiro passo para mudar, a história de cada um está na sua própria mão.
Assim como a música “Pra não dizer que não falei das flores”, que tem seu título confundido com “Caminhando e cantando”, de autoria do consagrado poeta paraibano Geraldo Vandré, entendi que minha amiga precisava de inspiração para tomar a decisão de se arriscar num terreno desconhecido até então. E, assim como a letra da música ela tinha “A certeza na frente, a história na mão” e que só precisava continuar caminhando e cantando e seguindo a sua vocação.
E foi isso que ela fez! Cheia de certeza, sem medo de se arriscar foi em frente e aprendeu uma nova lição.
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer…
Atualmente a tal colega está há quase um ano em uma importante empresa de energia e me enviou o relato abaixo sobre sua migração:
“Somos todos iguais, braços dados ou não. É este o sentimento de alguém que teve a oportunidade trabalhar por mais de uma década no setor público e agora está enfrentando desafios da iniciativa privada.
Ser enérgico, assertivo, proativo é tudo que se espera de um gestor privado, enquanto no setor público, o jogo de cintura para lhe dar com uma composição complexa de atribuições e poderes é uma ferramenta essencial. Não importa a habilidade, pois quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Quem acredita e ajuda a construir um mundo melhor, através da sustentabilidade de uma economia de baixo carbono, certamente acredita nas flores vencendo canhões e a dualidade aparente entre o público e o privado, revela-se inexistente, pois os amores na mente e as flores são as mesmas.”
Nota do autor: “Pra dizer que não falei das flores” é considerado o hino de resistência do movimento civil e estudantil no Brasil e foi lançada em 1968 em plena ditadura militar. Foi censurada pelo regime e Geraldo Vandré, compositor e cantor, foi perseguido e exilado. Atualmente o Brasil atravessa um período conturbado de sua história, no qual o presidente da República ameaça a nação com o retorno das forças armadas ao comando do país. Nada melhor do que ouvir Vandré com sua voz forte, coerente e vanguardista a nos alertar sobre os perigos que nos espreita.
Breves ensaios não podem pretender solucionar questões complexas, como a expansão do setor elétrico brasileiro. Assim, da inquietação diante das complexas demandas apresentadas por clientes e a partir dos debates em que participo, lanço apenas ideias e questionamentos.
Como o pensamento modesto, porém genial de Roberto Campos que, em sua autobiografia(1), parafraseou Samuel Taylor Coleridge, ao referir que a sua despretensiosa obra seria como “uma lanterna na popa, que ilumina apenas as ondas que deixamos para trás”.
Felizmente, muitas ondas e ideias surgiram no país a partir da atuação do ideólogo liberal que influenciou gerações e passou por vários governos e reformas enquanto diplomata, economista, tecnocrata, administrador público e político e que, nessa condição, enfrentou vários dilemas e problemas na sempre desafiadora tarefados governos de conciliar em economia e igualdade social.
Hoje, vivemos um desafio tão grande quanto, que é o conciliar meio ambiente e crescimento socioeconômico. E que nem mais desafio deveria ser, já que é mandatória a conciliação de sistemas apenas aparentemente dissociados porque consta na Constituição Federal. A par de ser uma questão de sobrevivência. E que, por isso, faz parte não só das políticas públicas como é agora incorporado pelas empresas, que cada vez mais adotam a ferramenta ESG. No setor elétrico não tem sido diferente. Embora possua uma cultura de planejamento com restruturação e evolução relativamente recentes, o SEB sempre experimentou crises econômicas e ambientais, na tentativa de universalizar o acesso aos serviços de eletricidade. A nossa vocação para hidroeletricidade tem sido constantemente posta à prova em razão de crises hídricas, as quais requerem não só a criação de mecanismos de gerenciamento da demanda, como soluções regulatórias. O processo de licenciamento ambiental sofreu várias alterações regulatórias para ajustar-se a realidades mais complexas. E porque a energia é, ao mesmo tempo, serviço público essencial e indústria, sempre propulsora de outros setores que, por sua vez, geram desenvolvimento e renda, mais potencialmente causadora de impacto ambiental(2), o debate sobre a expansão ganha maior importância.
O desafio é constante e premente, em razão dos compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais para nos transformarmos efetivamente em uma economia de baixo carbono. O desafio de conciliar a expansão de oferta de geração limpa e firme com o atendimento a uma sempre crescente demanda, por meio de contratos capazes de lastrearem a totalidade do mercado, é o fundamento do atual modelo do SEB. E na busca da solução para a crise hídrica, surge o debate em torno da manutenção da geração de hidroeletricidade como base do planejamento ou a sua substituição por outra fonte capaz de dar escala à indústria da energia, lançando mais carga de uma só vez no sistema. Outros pontos relevantes, em um modelo que parece dar sinais de esgotamento, são os grandes reservatórios, já que a opção pelas usinas a fio d’água tem limitado a capacidade de expansão do atual sistema(3), e a otimização do licenciamento ambiental.
Ou o caminho seria a maior diversificação da matriz elétrica, com a inserção de novas fontes renováveis? Centralizar ou descentralizar? É inegável que possuímos um mar com abundantes ventos e recursos naturais. A União já autoriza a implantação de estruturas e ilhas no mar territorial e, pela Lei 8.617/1993(4), pode autorizar na ZEE e, na plataforma continental, após as 200 milhas, por questão de soberania. Por meio de grandes projetos eólicos marítimos, teremos a possibilidade de geração de muita carga de uma só vez e de uma enorme cadeia produtiva.
Condizente com o papel de think tank brasileiro da VIEX, nos setores ambiental e de energia, cabe lançarmos o debate sobre as eólicas offshore como fonte base da nossa matriz elétrica. E sobre a adoção de incentivos fiscais para estimular maiores investimentos.
Uma das ondas atuais de crescimento do SEB se refere à introdução de novas tipologias, como as eólicas marítimas. Os seus significativos impactos ambientais já foram objeto de estudo pelo Ibama, que lançou, em novembro de 2020, o Termo de Referência para a fonte, consistente nas diretrizes e critérios técnicos gerais que deverão fundamentar a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima), a fim de subsidiar o processo de licenciamento ambiental federal prévio. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) também publicou o seu roadmap.
Mas quais são os desafios regulatórios para a ainda não totalmente revelada fonte de geração de energia eólica offshore? Caberiam novos marcos, a começar pela definição do regime de exploração das áreas marítimas, ou o aprimoramento dos normativos existentes, emitidos pelo Executivo? Aqui cabe focar no papel da atividade de Relações Institucionais e Governamentais – RIG enquanto ferramenta para introduzir novas tipologias e tecnologias no SEB, por meio de marcos jurídico-regulatórios consistentes, como, também, alertando para inconstitucionalidades, injuridicidades e técnica legislativa equivocada, em normativos já por ventura propostos, como os do Executivo que já regram o setor das eólicas offshore. RIG é atividade legal, legítima e deve ser transparente na defesa de interesses, sendo altamente recomendável para o SEB, a partir do debate público nas propostas legislativas(5).
Em 29/07, tivemos o excelente debate promovido pela Viex, que trouxe luz ao tema e, no dia 30/08, acontecerá outro debate, promovido pela OAB Nacional, que pretende reacender o debate sobre as questões regulatórias e os desafios para a fonte.
Não precisamos apenas ser a lanterna a focar no que virá depois, no legado às próximas gerações, mas, urge nos anteciparmos às novas possibilidades e oportunidades de mercado, as quais, ao que tudo indica, estão mesmo no mar.
CAMPOS, Roberto. A Lanterna na Popa, Memórias 1. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 22. CDD 923.281. CDU 92 (Campos, R.).
“O setor elétrico, nas formas de geração, transmissão e distribuição, é um dos setores da infraestrutura que provoca maior impacto socioambiental. Toda forma de produção e uso de energia vai impactar o ambiente natural e a sociedade envolvida. Assim, são indispensáveis os estudos ambientais e o debate prévio à implantação dos empreendimentos, na forma como determinado pelo ordenamento jurídico”. GIACOBBO, Daniela Garcia. SAMPAIO, Rômulo S. R. O licenciamento ambiental nos empreendimentos do setor elétrico. In: PASSOS DE FREITAS, Vladimir; MILKIEWICZ, Larissa (Orgs.). Fontes de Energia & Meio Ambiente. Curitiba: Ed. Juruá, 2017. ISBN: 978-85-362-6675-6.
Sobre o tema, sugiro a leitura do artigo “O que são as usinas a fio d’água e quais os custos inerentes à sua construção?”. FARIA, Ivan D. Instituto Braudel. 05 de março de 2012. Disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/2012/03/05/o-que-sao-usinas-hidreletricas-a-fiod%E2%80%99agua-e-quais-os-custos-inerentes-a-sua-construcao/. Acesso em: 02 ago.2021.
BRASIL. Lei 8.617, de 4 de janeiro de 1993. Dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileiros, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8617.htm Acesso em: 11 ago. 2021.
Ao comentar a edição do Decreto-Lei n. 1098, de 25 de março de 1970, “que estendeu o mar territorial do Brasil para duzentas milhas, a partir da linha da beira-mar do litoral continental e insular brasileiro”, o jurista Saulo Ramos, em seu também autobiográfico livro Código da Vida, ironizou o contexto premente em que publicado o normativo, referindo que “nada de esperar pela ONU e a convenção sobre zona econômica exclusiva. Foi-se direto para as duzentas milhas de mar territorial. Estava incluída a ilha de Fernando de Noronha. Alargamos nossas fronteiras pelo mar afora. Ninguém declarou guerra ao Brasil”. RAMOS, Saulo. Código da Vida. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 31. ISBN: 978-85-7665-279- 3.
persistência das características inerentes a um determinado contexto.
No cinema a continuidade é associada a sucessão lógica de planos e cenas que ao serem apresentadas aos espectadores devem fazer sentido e manter as características de pessoas, objetos e eventos.
Na matemática a continuidade é a propriedade de uma função que é qualificada como contínua. Uma função que possui um gráfico sem grandes quebras, irregularidades ou interrupções.
Na música a continuidade aparece na estrutura básica de uma composição é um dos componentes para a criação da harmonia da canção, para a elaboração dos arranjos e conduzem para as mudanças de ritmos, quebras e improvisações.
No nosso negócio, de eventos corporativos, sempre fomos cobrados para trazer mais “continuidade” aos eventos. Como manter, entre um evento e outro, os debates, a continuidade das discussões? Como auxiliar para que as conclusões se tornem projetos reais? Como manter o aprendizado, a troca de conhecimentos, as oportunidades de ouvir diferentes pontos de vista? Entre iniciativas pontuais e algumas tentativas a VIEX sempre teve a ânsia em responder esses questionamentos.
E eis que surge uma pandemia que revira tudo, força mudanças e balança a “continuidade espaço-tempo” de todos nós. Sem dúvida, vivemos um período que obrigou todos a repensar as suas relações comerciais e pessoais, o consumo, o acesso às informações e o desenvolvimento do conhecimento. Um período que distanciou a todos, que aglomeração virou palavrão e que acelerou ainda mais a digitalização das nossas vidas.
E, nesse contexto, a VIEX tem o prazer em apresentar um novo projeto, construído conjuntamente com nossos palestrantes, patrocinadores e tantos outros especialistas e estudiosos do meio ambiente, sustentabilidade e do direito. Apresentamos o CORAL, uma plataforma de conteúdos produzidos pelas principais personalidades e especialistas da área ambiental.
O CORAL é uma iniciativa para reunir, curar e distribuir conhecimento e informações para profissionais que atuam na área ambiental. O CORAL reunirá artigos, entrevistas, podcasts, vídeos, aulas, textos técnicos, bate papos, entre outros formatos, mensalmente; um verdadeiro conjunto de vozes da área de meio ambiente.
Três dos nossos palestrantes merecem uma menção honrosa como grandes incentivadores para o surgimento do CORAL: Delfim Rocha, Werner Grau e Rafael Feldman. Em momentos muito próximos os três nos sugeriram montar formatos de conteúdos diferentes, com propostas bem interessantes e que culminaram no CORAL.
À princípio teremos seis edições de julho a dezembro, que terão temas centrais como: ESG, transparência, as relações entre o Estado e o meio ambiente, questões ambientais internacionais, a cidade e o campo, licenciamento ambiental, energia e infraestrutura e socioeconomia.
Em cada edição teremos sessões e formatos fixos para debater assuntos transversais aos temas centrais como: carreiras, direito, regulação, tecnologia, empreendedorismo, patrimônio histórico e cultural e mercado. Para cada conteúdo há uma frase, um trecho de uma música, nacional ou internacional, nova ou clássica, para representar a ideia do artigo. Todo evento da VIEX tem que ter música; tem que ter música em qualquer projeto da VIEX. Todo o conteúdo será distribuído e acessado gratuitamente a todos os interessados, para garantir a continuidade da troca de conhecimentos nesses temas.
Com a retomada dos eventos presenciais, certamente o CORAL será um canal essencial para trazer a continuidade que sempre quisemos levar a cada edição dos nossos congressos. Um assunto novo foi apresentado no Congresso Ambiental? Certamente você verá um artigo mais detalhado no Coral. A apresentação de um estudo de caso fez sucesso durante o Fórum Eólico? Ótima oportunidade para fazermos um vídeo apresentando mais sobre o projeto. Um tema controverso foi discutido durante o LASE? Sem dúvida será uma excelente ocasião para ouvirmos outras opiniões no CORAL.
Tem interesse em contribuir com essa iniciativa? Gostaria de sugerir temas, autores ou entrevistados? Fale com a gente pelas redes sociais, escreva um e-mail ou venha tomar uma cerveja ou café, quando puder, e, quando as condições sanitárias permitirem.
É isso? Sim. Esperamos que todos gostem! Acessem o CORAL, compartilhem com os amigos, deixem seus comentários e acompanhem as vozes do meio ambiente nas “páginas” do Coral.
Davi Faria VIEX linkedin.com/in/davifaria
Rodrigo Sucesso VIEX linkedin.com/in/rodrigo-sucesso
O ASG e a CVM: Quanto custa não observar os critérios Ambiental, Social e Governança? E para quem?
Muito tem se debatido sobre os custos para as empresas da adoção de critérios ASG. A CVM deve exigir ou esperar a prática de forma voluntária?
Adotar critérios ASG demandam CAPEX (Capital Expenditure, despesa ou investimento) da empresa?
ASG é um processo. Se uma empresa não olhava para esses critérios ao produzir seus bens, em um primeiro momento será necessário investimento para mudar
Além disso, será necessário investimento em compliance para checar se todas as normas ambientais, trabalhistas, de saúde e segurança, de consumidor e de governança corporativa, estão sendo cumpridas
Em 1970 Milton Friedman publicou um artigo no jornal The New York Times chamado “The Social Responsability of a Business is to Increase its Profits” (A Responsabilidade Social de um Negócio é aumentar seu lucro). Externalidades negativas não eram levadas em consideração naquela época.
A influência de tais ideias econômicas não se restringiram a corporações e ao mercado financeiro, afetaram também indivíduos. A teoria conhecida como “free riding” (pegar carona de graça) parte do princípio de que a cooperação não vale a pena, já que se você cooperar, ninguém mais vai e a sua contribuição será pequena demais para fazer qualquer diferença. Acabamos então contando com a contribuição de outros. Tais pensamentos nos fazem perder a esperança e acreditar que somos impotentes. Esse pensamento se aplica quando falamos de mudança climática por exemplo.
Quanto custa não observar os critérios ASG (Ambiental, Social e Governança)? E para quem?
Como disse Denise Hills (Diretora Global de Sustentabilidade da Natura): “Para aqueles que não acreditam que a emissão de carbono contribui para as mudanças climáticas, peça a eles que peguem o carburador de seus carros, coloquem para dentro do carro e respirem seu próprio carbono”. Dirigir por aí com o ar-condicionado ligado significa que estamos socializando o problema e privatizando o conforto.
Até hoje “socializar o problema” não custava nada. Então por que se preocupar?
Recentemente a CVM concluiu uma consulta pública sobre suas propostas de alteração do Formulário de Referência. A CVM sugere a simplificação do formulário e adição de exigências declaratórias diversas de caráter ambiental, social e de governança (ASG). Muito tem se debatido sobre os custos dessas exigências para as empresas e se a CVM deveria exigir ou simplesmente esperar que as empresas fizessem isso de forma voluntária.
Adotar critérios ASG demandam CAPEX (Capital Expenditure, despesa ou investimento) da empresa? ASG é um processo. Se uma empresa não olhava para esses critérios ao produzir seus bens, em um primeiro momento será necessário investimento para mudar o processo. Além disso, será necessário investimento em compliance para checar se todas as normas ambientais, trabalhistas, de saúde e segurança, de consumidor e de governança corporativa, estão sendo cumpridas. Se a norma for válida e entrar em vigor, seu cumprimento será mandatório.
A empresa que pretende assegurar retorno de longo prazo a seus acionistas e longevidade do seu negócio não deveria ignorar os fatores ambientais e sociais. Empresas dependem de recursos naturais e de uma força de trabalho saudável para funcionar. Além disso, o mercado já começou a penalizar aquelas que poluem demais, usam recursos naturais escassos ou não tem políticas sociais decentes. Ou seja, vai custar para a empresa pois vai afetar seu custo de capital, o preço de sua ação e sua capacidade de retenção de talentos.
Para empresas com foco em resultado apenas, a geração de valor para o acionista ocorre, muitas vezes, através do lançamento de todas as externalidades negativas ambientais e sociais na conta da sociedade. Até hoje foi viável operar nessas bases. Mas agora “a sociedade” (o consumidor e o investidor) quer entender o processo de produção do produto ou serviço e que recursos naturais estão sendo usados como matéria-prima ou insumo. E isso pode custar caro para empresa.
No que tange a mudanças climáticas, atualmente contamos apenas com boas práticas já que no Brasil ainda não temos norma que demande redução da emissão de gases de efeito estufa. E ainda aguardamos pela definição da regulação do mercado global de carbono via regulação do art. 6º do Acordo de Paris. No social, exceto pela quota de pessoas portadoras de necessidades especiais, diversidade relacionada a gênero e raça, por exemplo, não são reguladas.
A crise de 1929 trouxe a necessidade de divulgação dos dados financeiros das empresas. A atual pandemia e crise climática deverá tornar natural a divulgação dos critérios ASG.
A divulgação deve continuar sendo voluntária? A empresa divulga o que quiser sob métricas que ela mesma cria ou escolhe, quando quiser e da forma que melhor entender? As informações precisam ser consistentes, comparáveis e críveis. É difícil acreditar que as forças do mercado farão isso de forma voluntária. Como disse o professor da universidade de Oxford, Robert Eccles: “[…] foi a regulação, não as forças do mercado, que nos impôs padrões e exigências de divulgação das informações financeiras. Por que deveria ser de qualquer forma diferente para dados sobre a performance de sustentabilidade de uma empresa?”[1]
Outro excelente motivo é usual: segurança jurídica. Muitos dados disponíveis não são críveis ou consistentes e por isso não tem qualquer validade. Na perspectiva do investidor: como tomar decisões informadas sem dados validados? Nas palavras de Claire Bodanis (uma autoridade em relatórios corporativos na Inglaterra): “num relatório anual a história TEM que ser verdadeira – porque a) os fatos devem ser verificáveis e b) a empresa deve ser responsável por quaisquer opiniões ou compromissos”.[2]
O Bank for International Settlements em seu relatório Green Swan[3] publicado em janeiro de 2020, provou que riscos climáticos são riscos financeiros que colocam em risco a estabilidade financeira. Mais um motivo para esperarmos que dados ambientais, especialmente sobre mudanças climáticas, tenham sua divulgação regulada.
O mundo está alinhado a essa narrativa. A IOSCO, organização internacional de reguladores de valores mobiliários, em comunicado oficial de 24 de fevereiro deste ano informou que é urgente definirmos padrões globalmente consistentes, comparáveis e críveis para divulgação de informações sobre sustentabilidade (iniciando com mudanças climáticas).[4]
A SEC, comissão de valores imobiliários norte-americana, está trabalhando na atualização de sua regulação sobre divulgação de informações sobre mudança climática, tendo inclusive aberto consulta pública para isso.[5]
Mas não para por aí, a presidente em exercício da SEC, Allison Herren Lee, já informou que a SEC trabalhará na construção de uma estrutura para divulgação de dados ASG de forma mais ampla e que no início de março deste ano foi formado um grupo de trabalho de clima e ASG na divisão de fiscalização. Esse grupo de trabalho atuará proativamente na identificação de condutas inapropriadas relativas a clima ou ASG incluindo identificação de falhas relevantes ou informações incorretas em dados divulgados por emissores sobre clima nos termos das normas existentes e análise de divulgações sobre aspectos de compliance das consultorias de investimento e das estratégias dos fundos ASG.[6]
Ainda sobre a SEC, seu diretor de finanças corporativas, John Coates, publicou uma declaração em 11 de março sobre divulgação de informações ASG incluindo avaliação sobre o questionamento do custo de tais divulgações. Sua conclusão é que temos que avaliar o custo de não haver tais regras, uma vez que os investidores estão refreando suas decisões por falta de informações ASG consistentes, comparáveis e críveis. Para ele, a falta de padronização das divulgações é fator de custo e a recusa em prestar informações ASG pode resultar em aumento do custo de capital.[7]
Se ainda restar dúvida sobre a relevância de haver regras para a divulgação mandatória de informações ASG (de forma consistente, comparável e crível), vale ler o relatório “Troubled Waters” da BlackRockde julho de 2020 sobre escassez hídrica e riscos financeiros ao portfólio.
Se riscos ambientais eram usualmente subestimados ou sequer considerados, hoje, investidores querem (e devem) entender quais riscos ambientais podem impactar seu portfólio, suas chances de materialização e impactos diretos e indiretos. Sem informações ASG consistentes, comparáveis e críveis guiadas por regulação é impossível tomar decisão informada.[8]
Por isso, batemos palmas à CVM pela iniciativa louvável de dar o primeiro passo rumo à atualização das informações ASG a serem divulgadas no formulário de referência (ICVM 480). Assim como a SEC, a CVM é competente e deve fazê-lo. Mas esperamos que a CVM não pare por aí e siga os passos da SEC, iniciando a fiscalização proativa das divulgações ASG, assegurando credibilidade dos dados e subsidiando decisões informadas para nossos investidores.
Mestre na área do Direito Ambiental, pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP – 2009. Formado em Direito pela PUC-SP, 1990. Atua, desde então, na área Ambiental – no setor privado, em empresas de consultoria técnica ambiental, e no setor público assessorando o então Deputado Federal Fabio Feldmann e como Ouvidor da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Participando de diversos colegiados, foi Coordenador da IBDE, do CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados) e Vice-Coordenador do Grupo de Direito Ambiental da CCI. É membro do Conselho Concultivo de ONGs que atuam em pesquisa e educação socioambiental. ministrou aulas no Curso Superior de Gestão Ambiental para Tecnólogos, do Instituto Mauá de Tecnologia – IMT e professor convidado no Curso de Pós-Graduação em Gestão Ambiental da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP/SP.
Werner Grau
Formado em Direito pela USP. Especialista em Direito Ambiental (2003), Mestre em Direito Internacional (2006) e Doutor em Direito Tributário pela USP. Graduado pela Fundação Instituto de Administração no curso Responsabilidade Social no Terceiro Setor, em 2007. Professor em cursos de pós-graduação e sócio em Pinheiro Neto Advogados.
Roberta Leonhardt entrevista Ana Leite Bastos, CEO da Amata S.A. sobre como empreender com inovação no mercado florestal.
A Amata é uma empresa brasileira, com 15 anos de história, que nasceu com o propósito de manter as florestas em pé. Comprometida com as melhores práticas e conectada com as mais inovadores tendências do mercado, a Amata traz para o setor da construção civil a madeira engenheirada, sendo pioneira da tecnologia em larga escala no país. A marca Urbem chega ao mercado impulsionada pela nossa convicção de usar a força da floresta para construir, hoje, as cidades do futuro. Um propósito alicerçado em um material robusto, versátil, inovador e sustentável: a madeira engenheirada.
Ana Toni – Diretora Executiva no Instituto Clima e Sociedade (ICS)
Ana Toni é economista e doutora em Ciência Política, atualmente diretora executiva do Institute for Climate and Society (iCS). Ana é Co-Fundadora da GIP (Gestão de Interesse Público). Foi Presidente do Conselho do Greenpeace International entre 2010 e 2017.
Ana tem uma longa trajetória atuando nas áreas de defesa de políticas públicas, meio ambiente e mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e filantropia. Foi membro do Conselho de várias organizações, como GIFE Brasil, WINGS, ITS e Wikimedia Foundation. Atualmente, é membro da Rede Brasileira de Mulheres para a Rede de Sustentabilidade e Membro do Conselho da Agência Pública, Fundação Padrão Ouro, ClimaInfo, Instituto República, Transparência Internacional e IPAM.
Fabio Alperowitch – Gerente de Portfólio, FAMA Investimentos
Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), com cursos de extensão na Universidade da Califórnia (Berkeley) e na Harvard Kennedy School.
Iniciou sua carreira na Procter & Gamble e fundou a FAMA Investimentos em 1993, onde é responsável pela gestão do fundo de ações de empresas brasileiras, focado em companhias com responsabilidade social e aderentes às boas práticas de ESG. Desde o início, o fundo gerido pela FAMA Investimentos acumula um retorno de 21% ao ano. A FAMA Investimentos é certificada como “B Corp”.
No terceiro setor, é diretor do Instituto FAMA, do Instituto Brasil Israel, do Instituto Totós da Teté, conselheiro da WWF Brasil, da GRI Brasil do Capitalismo Consciente Brasil e do Museu Judaico. É também membro do grupo de trabalho do TNFD.
Foi membro do Conselho de Administração de diversas companhias de capital aberto. Possui a certificação CFA – Chartered Financial Analyst.
As questões relacionadas à economia sustentável, contidas na sigla ESG (Environmental, Social and Governance), têm se refletido em todos os setores.
Cada vez mais os padrões ESG revelam-se para além de apenas linhas de tendência passageira, mas sim critérios firmes que vieram para integrar os negócios, a princípio, como fatores de diferenciação, mas, posteriormente, como fatores a serem obrigatoriamente observados. Com isso, vemos uma progressiva onda de investidores analisando as empresas que pretendem investir com base na análise de iniciativas e compromissos ambientais, de governança e questões sociais.
Os padrões ESG são bons indicadores de risco, na medida em que revelam aos investidores que os riscos associados aos negócios ultrapassam aqueles tradicionais, refletindo em oportunidades para todas as empresas e investidores credenciados para o investimento socialmente responsável, buscando criar diretrizes para retornos financeiros compatíveis com as questões ambientais e sociais.
Nos últimos anos, pesquisas indicam que os investimentos que atendem aos padrões ESG podem melhorar a gestão de risco e produzir resultados superiores aos investimentos mais tradicionais. O aumento da atenção aos tópicos ESG indica que os valores ambientais e sociais influenciarão cada vez mais as escolhas de investidores e consumidores.[1]
Desejos temporários podem dotar muitos produtos e serviços de poder utilitário, que a longo prazo se mostram insustentáveis. Levando em consideração os princípios de operação sustentável da empresa e os objetivos de continuidade do negócio, os lucros de curto prazo podem não ser os mais interessantes, tendo em vista que, embora apresentem um retorno rápido, nem sempre se traduzem em resultados duradouros ou consistentes, logo, sustentáveis. Nesse contexto, o desenvolvimento sustentável não é mais uma quimera para sonhadores, mas um princípio para pessoas cuidadosas que entendem o convívio social, o retorno à sociedade e os negócios verdadeiramente sustentáveis.[2] Além disso, emissores e instituições financeiras também estão reduzindo as estratégias de curto prazo, especialmente por meio da adoção de padrões ESG, como forma de oportunizar a sustentabilidade dos retornos de longo prazo.
O investimento responsável relaciona-se, também, a uma questão de continuidade. Cada vez mais entendemos que as preocupações com as implicações sociais, ambientais e de governança impactam diretamente os resultados da empresa, e as empresas que prestam atenção a essas questões tendem a buscar maior eficiência e estabelecer relacionamentos fortes e duradouros com as partes interessadas, situações que estão diretamente relacionadas ao sucesso e à lucratividade.[3]
Em todo o mundo, notamos que os padrões ESG estão recebendo cada vez mais atenção. Com a migração intergeracional de capital, espera-se que até 30 trilhões de dólares de investimento sejam injetados nessa categoria. De acordo com o Principle of Responsible Investment (UnPRI), a atenção é dada principalmente por instituições e investidores de alto patrimônio líquido.[4] A economia e o mercado já mostraram as consequências geradas às empresas que não se atualizam, sendo este o fim para empresas predatórias, pois sua eficiência será cada vez mais questionada. Os padrões ESG são as considerações atuais mais modernas e eficazes sobre ações, resultados e consequências no ambiente corporativo. Nesse sentido, empresas que focam apenas no lucro imediato de curto prazo podem prejudicar a sua avaliação no mercado.
O Brasil é tido com uma grande potência para investimentos ESG no mundo, especialmente em relação ao mercado de carbono devido às suas notáveis riquezas naturais. Apesar dos avanços na tentativa de regulamentação ESG, a definição, adoção e divulgação de standards mínimos para análise de investimentos ainda se encontram em fase embrionária. Portanto, como a demanda dos investidores por produtos de investimento relacionados à ESG continua a crescer, e para atender às tendências de desenvolvimento internacional, o fortalecimento e a melhoria da regulamentação dos tópicos ESG no Brasil tornaram-se importantes pontos de preocupação doméstica.[5] Nesse sentido, há um movimento crescente de grandes empresas para criar um marco regulatório para o mercado de investimentos ESG, com especial destaque para o mercado de carbono no país. No entanto, o governo ainda não implementou um mercado regulado, como alguns estados da União Europeia, China e Estados Unidos.
A título de exemplo, destacamos as medidas tomadas pela União Europeia, que se encontra em uma fase mais avançada do processo e têm formulado extensas regulamentações que exigem o acompanhamento do desempenho da empresa nas variáveis ESG, bem como a transparência dos resultados, de forma a orientar melhor os investidores na hora de investir nas empresas. Verbi gratia, em 2020, a União Europeia introduziu a “taxonomia”, uma ferramenta que classifica as atividades econômicas com base na sustentabilidade para ajudar as empresas na transição para práticas mais sustentáveis e eficientes, ao mesmo tempo em que fornece aos investidores uma análise mais abrangente. Essas ações põem-se como modelo para o mercado brasileiro que pode se adaptar gradativamente às medidas já adotadas no exterior.[6]
De acordo com Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), “O carbono será a nova commodity global em breve e o Brasil tem vantagens competitivas importantes nesse mercado, uma vez que a Amazônia representa um ‘pré-sal’ de carbono. […] Precisamos nos organizar desde já para garantir uma liderança no mercado global de carbono, que poderá se concretizar a partir da COP26 (Conferência do Clima da ONU)”.[7]
A crescente adoção em países desenvolvidos e a implementação no Brasil, por meio das ações pioneiras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capital (Anbima), inicialmente garantiu que os padrões ESG fizessem parte das considerações regulatórias do mercado de capitais no Brasil, suportado por muitas empresas de gestão e players do mercado.[8]
Na última COP, o Brasil foi considerado um dos países com menos impacto positivo,[9] já que uma das agendas mais relevantes a se considerar ao analisar o andamento dos fatores ESG do Brasil, o marco regulatório do mercado financeiro sustentável, não havia caminhado no país. As principais agências reguladoras, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e a CVM têm desempenhado um papel cada vez mais importante na promoção dos valores ESG, e têm adotado medidas importantes para destacar a relevância do tema no mercado.
É importante lembrar que a regulação do setor financeiro é um dos pilares do arcabouço legal e regulatório que promove o movimento ESG. Outras iniciativas e legislações, como as de direitos humanos, proteção do trabalho, regulamentação ambiental e setorial, também são fundamentais para o andamento do processo. Vale ressaltar também que o Brasil assumiu acordos internacionais, como o Acordo de Paris e a Agenda 2030, bem como compromissos para enfrentar as mudanças climáticas e promover o desenvolvimento sustentável. Portanto, o país vem ajustando seu arcabouço legal para promover tais iniciativas e deve continuar a incorporar novas legislações nesse sentido nos próximos anos.[10]
Nessa onda de regulação e tentativa de criação de um marco regulatório para o setor de investimentos ESG, temos algumas iniciativas, como as consultas públicas do Bacen (Banco Central) e da CVM. Do CMN destacamos a Resolução nº 4.557/17,[11] que dispõe sobre a estrutura para gerenciamento integrado de riscos e o gerenciamento de capital das instituições financeiras que deve identificar, mensurar, avaliar, monitorar, reportar, controlar e mitigar o risco socioambiental; e a Resolução nº 4.327/14,[12] que requer que instituições financeiras possuam uma Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA).
Da CVM podemos destacar a Instrução nº 586/17,[13] que solicita às empresas que publiquem informação sobre adesão às “práticas de governança corporativa, segundo o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)”; e a Instrução nº 556/15,[14] que requer a obrigatoriedade de apresentação de informações a respeito dos impactos ao meio ambiente e governança corporativa.
Além disso, em uma tentativa de criação do marco regulatório de investimentos verdes, a CVM abriu a Consulta Pública SDM nº 09/2020,[15] encerrada no dia 8 de março de 2021, cujo objeto era “Alterações da Instrução CVM nº 480 com objetivo de reduzir o custo de observância e de aprimorar o regime informacional dos emissores de valores mobiliários com a inclusão de informações que reflitam aspectos sociais, ambientais e de governança corporativa”. A consulta objetivou, dentre outros, o recebimento de sugestões de alterações da Instrução CVM nº 480 que abordassem a inclusão de informações sobre aspectos climáticos e de fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) nos formulários de referência das companhias abertas brasileiras. A divulgação dessas informações pelas empresas é uma tendência no mercado mundial e uma importante ferramenta de transparência para que as decisões de investimento levem em consideração os riscos financeiros climáticos.
Ademais, vale destacar que, na audiência pública 09/2020, a CVM afirmou que deveria dar mais atenção à iniciativa “relatar ou explicar”, que exige que as empresas apresentem relatórios de suas respectivas áreas de atuação, demonstrando a conformidade com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).[16]
Existem também iniciativas voluntárias de compliance para complementar o sistema regulatório. A B3 (Bolsa de Valores do Brasil), assim como associações e federações, como a Federação dos Bancos Brasileiros (Febraban), emitiu normas e diretrizes para orientação interna e das instituições financeiras. Dentre elas, destacamos pela B3 (i) o Mercado de Capitais e ODS/2018: foi desenvolvido pela B3 em parceria com a CVM, a GRI (Global Reporting Initiative) e a Rede Brasil do Pacto Global. É um guia para tornar mais prática e consistente a divulgação de informações ESG e (ii) o Guia de Sustentabilidade para as empresas, que contém orientações de sustentabilidade sobre a oportunidade de negócios no setor de intermediação.[17] Pela Febraban temos (i) a Régua de Sensibilidade ao Risco e Guia/2019: ferramenta para análise da exposição de carteiras de crédito de bancos a riscos climáticos; (ii) o Guia de Emissão de Títulos Verdes no Brasil/2016, que orienta interessados sobre o processo de emissão de títulos verdes e (iii) a Sustentabilidade nas Empresas/2016: guia que incorpora indicadores de sustentabilidade internacionais propostos por entidades internacionais na análise de empresas.[18]
Existem, ainda, iniciativas mais tímidas de regulação do mercado de investimentos sustentáveis e mercado de carbono no Brasil, como o projeto Floresta +, Floresta + Carbono,[19] a Lei de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e a PEC da Emergência Climática.[20]
A título de elucidação, trazemos o exemplo do projeto Floresta+ e o PSA. Ergue-se, em âmbito federal, a normatização de um instrumento inédito fabricado no seio do chamado Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, também denominado Programa Floresta +, instituído pelo Ministério de Meio Ambiente (MMA), através da Portaria nº 288/20, programa que atende ao disposto no art. 41, I, do Código Florestal[21] e cria um mercado voluntário de serviços ambientais.[22]
Impera destacar que o PSA configura tipologia econômica de gestão ambiental, que objetiva solucionar problemas regionais atinentes ao meio ambiente a partir do fomento do “mercado privado de pagamentos por serviços ambientais em áreas mantidas com cobertura de vegetação nativa”, bem como da articulação de “políticas públicas de conservação e proteção da vegetação nativa e de mudança do clima” (art. 2º, II).[23]_[24]
Destaca-se que, dentre os objetivos do Programa Floresta +, estão o estabelecimento de “parcerias com órgãos e entidades, públicos ou privados, nacionais ou internacionais, com vistas a apoiar projetos de pagamentos por serviços ambientais”; o fomento a acordos setoriais visando à geração de demanda por serviços ambientais e a implementação do “projeto piloto de pagamentos por serviços ambientais “Floresta+” na Amazônia Legal, com recursos provenientes de Pagamentos por resultados de REDD+ (redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal)”,[25] cabendo à Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente a articulação de parcerias com os diversos órgãos e a definição de prazos e condições do programa.[26]
Juntas, essas medidas constituem uma estrutura regulatória que orienta as instituições financeiras no caminho de integração de valores e práticas ESG. Acreditamos que estas regulamentações, ainda que esparsas, sejam um bom ponto de partida para o desenvolvimento ESG no Brasil, especialmente para a adoção de diretrizes mais orientadas para as práticas internacionais atinentes à criação de um marco regulatório para a matéria. Até mesmo porque a expansão das regulamentações que estabelecem padrões regulatórios e definem os valores defendidos pelos reguladores proporcionará aos investidores informações mais relevantes para a formulação de estratégias. Outra sugestão é que intuições relevantes possam divulgar diretrizes que são complementares às resoluções existentes para garantir que a avaliação das variáveis ESG e a divulgação dessas informações sejam conduzidas de forma estruturada e para promover o melhor entendimento do investidor.
Dessa forma, acreditamos que expandir a estrutura regulatória com orientações práticas será um passo positivo. Além disso, é importante que os órgãos reguladores estejam preparados para adotar padrões adequados de regulação. Portanto, ainda que a passos lentos, vemos que, até mesmo por pressão mercadológica, o marco legal de investimentos ESG é um passo iminente no Brasil e não mera utopia.
[1] GUNNAR FRIEDE, Timo Bush; BASSEN, Alexander. ESG and financial performance: aggregated evidence from more than 2000 empirical studies. Journal of Sustainable Finance & Investment, London, v. 5, nº 4, p. 210-233, dez. 2015. p. 215.
[2] BLACKROCK INVESTMENT INSTITUTE. Sustainability: the future of investing. Global Insights, fev. 2019. p. 7.
[3] CLIMATE BONDS INICIATIVE. Oportunidades de investimento em infraestrutura verde: Brasil 2019. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Brasília, 2019. p. 6.
[4] QUEIROZ, Caroina; WATANABE, Cyntia. A nova face dos negócios – o impacto do ESG no ambiente empresarial, no consumo e nas finanças. Revista Veja, São Paulo, 19 abr. 2021.
[5] BOFFO, R.; R. Patalano. ESG Investing: Practices, Progress and Challenges. OECD: Paris, 2020.
[6] CUTANDA, Blanca Lozano; BERROCAL, Eduardo Orteu; COBOS, Carlos Vázquez. El Reglamento de la Unión Europea sobre el marco para las inversiones financieras sostenibles. Reglamento de Taxonomía, 26 jun. 2020.
[7] CAETANO, Rodrigo. Entrevista com Marina Grossi: Grandes empresas buscam criar marco regulatório para o mercado de carbono. Exame Invest, São Paulo, 26 out. 2020.
[8] ANBIMA. Mercado de capitais
[9] O Brasil ganhou, pela primeira vez, o prêmio Fóssil do Ano. O “prêmio”, organizado pela Climate Action Network International em parceria com outras ONGs, é atribuído, nos dias da Conferência, aos países que menos colaboraram com as negociações ambientais (CLIMATE ACTION NETWORK INTERNATIONAL, 2019).
[10] SACHS, Jeffrey D. et al. Why is green finance important? ADBI Working Paper 917, Tokyo, jan. 2019.
[11] BRASIL. Resolução nº 4.557, de 23 de fevereiro de 2017. Dispõe sobre a estrutura de gerenciamento de capital. Diário Oficial da União, Brasília, 01 mar. 2017.
[12] BRASIL. Resolução nº 4.327, de 25 de abril de 2014. Ementa. Diário Oficial da União, Brasília, 28 abr. 2014.
[13] BRASIL. Instrução CVM nº 586, de 08 de junho de 2017. Altera e acrescenta dispositivos à Instrução CVM nº 480/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 09 jun. 2017.
[14] BRASIL. Instrução CVM nº 556, de 22 de janeiro de 2015. Altera dispositivos da Instrução 265/97. Diário Oficial da União, Brasília, 23 jan. 2015.
[15] BRASIL. Audiência Pública SDM 09/20. Comissão de Valores Mobiliários, Brasília, 08 mar. 2021.
[16] Idem.
[17] BRASIL. Princípios para infraestruturas do mercado financeiro: divulgação de informações da B3. Brasil Bolsa Balcão, São Paulo, mar. 2020.
[18] KNOCH, Matthias et al. O mercado emergente de finanças verdes no Brasil. Deutsche Gesellschaft Für Internationale Zusammenarbeit (Giz) Gmbh, Brasília, jun. 2020.
[19] “[…] prevê a geração de créditos de carbono por meio da conservação e recuperação da vegetação nativa” (BRASIL, 2020a).
[20] PL nº 3961/20: “coloca o Brasil em estado de emergência climática até que ações para reduzir o impacto da atividade humana no clima deixem de ser urgentes e necessárias. Em análise na Câmara dos Deputados, o texto proíbe o governo brasileiro de, durante a situação de emergência, remanejar recursos orçamentários que se destinem à proteção ambiental, ao combate ao desmatamento e à reversão das mudanças climáticas provocadas pelo homem” (BRASIL, 2020b).
[21] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente instituiu o Programa Floresta +. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 03 jul. 2020. Preservação.
[22] GARCIA, J; ROMEIRO, A. R. Pagamento por serviços ambientais em Extrema, Minas Gerais: avanços e limitações. Revista Iberoamericana de Economía Ecológica, Rio de Janeiro, v. 29, nº 1, p. 11-32, 2019.
[23] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 288, de 02 de julho de 2020. Ementa. Diário Oficial da União, Brasília, 03 jul. 2020.
[24] NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por serviços ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012. p. 69.
[25] BRASIL. Projeto piloto Floresta + Amazônia. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2020. p. 2.
[26] Idem.
REFERÊNCIAS
BLACKROCK INVESTMENT INSTITUTE. Sustainability: the future of investing. Global Insights, fev. 2019.
BRASIL. Audiência Pública SDM 09/20. Comissão de Valores Mobiliários, Brasília, 08 mar. 2021.
BRASIL. Floresta + Carbono incentiva conservação de vegetação nativa. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 02 out. 2020a.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente instituiu o Programa Floresta+. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 03 jul. 2020. Preservação.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 288, de 02 de julho de 2020. Ementa. Diário Oficial da União, Brasília, 03 jul. 2020.
BRASIL. Princípios para infraestruturas do mercado financeiro: divulgação de informações da B3. Brasil Bolsa Balcão, São Paulo, mar. 2020.
BRASIL. Projeto piloto Floresta + Amazônia. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2020.
BRASIL. Projeto reconhece estado de emergência climática no Brasil. Câmara dos Deputados, Brasília, 30 jul. 2020b. Meio Ambiente e Energia.
BRASIL. Resolução nº 4.327, de 25 de abril de 2014. Ementa. Diário Oficial da União, Brasília, 28 abr. 2014.
BRASIL. Resolução nº 4.557, de 23 de fevereiro de 2017. Dispõe sobre a estrutura de gerenciamento de capital. Diário Oficial da União, Brasília, 01 mar. 2017.
BOFFO, R.; R. Patalano. ESG Investing: Practices, Progress and Challenges. OECD: Paris, 2020.
CAETANO, Rodrigo. Entrevista com Marina Grossi: Grandes empresas buscam criar marco regulatório para o mercado de carbono. Exame Invest, São Paulo, 26 out. 2020.
CLIMATE ACTION NETWORK INTERNATIONAL. Fossil of the day. CAN International, Bonn, 04 dez. 2019.
CLIMATE BONDS INICIATIVE. Oportunidades de investimento em infraestrutura verde: Brasil 2019. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Brasília, 2019.
GARCIA, J; ROMEIRO, A. R. Pagamento por serviços ambientais em Extrema, Minas Gerais: avanços e limitações. Revista Iberoamericana de Economía Ecológica, Rio de Janeiro, v. 29, nº 1, p. 11-32, 2019.
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NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por serviços ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012.
QUEIROZ, Caroina; WATANABE, Cyntia. A nova face dos negócios – o impacto do ESG no ambiente empresarial, no consumo e nas finanças. Revista Veja, São Paulo, 19 abr. 2021.
SACHS, Jeffrey D. et al. Why is green finance important? ADBI Working Paper 917, Tokyo, jan. 2019.
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Quando a luz dos olhos meus E a luz dos olhos teus Resolvem se encontrar…
Essa canção escrita por Tom Jobim e Miúcha, considerada por muitos um dos clássicos da MPB, é um belo descritivo do flerte que precede todas as relações. Sejam elas pessoais, afetivas, sejam elas virtuais, corporativas, enfim, relacionamentos humanos.
Um flerte poético como o da canção envolve olhares, provocações, promessas e alguns lará-larás para atrair seu alvo e mesmo assim não sabemos se a relação irá incendiar e mais ainda se irá prosperar e até casar, como entoa a canção.
No mundo corporativo esse “flerte” precisa ser mais certeiro, a empresa já não pode esperar e por isso quando falamos em atração de talentos atualmente, traçamos as competências técnicas necessárias para a vaga e ao mesmo tempo define-se quais as características de comportamento e valores o profissional deve ter.
Se de um lado, temos a necessidade da empresa em acelerar os processos seletivos, por outro temos o propósito de carreira do profissional que, idealmente, precisa estar alinhado com a conduta da empresa que flerta com ele. Sendo assim, é extremamente necessário que o novo talento, ou melhor que o novo recurso humano, da companhia também olhe, analise, averigue suas atividades, as expectativas do cargo que ocupará, os desafios da função, além de entender se o propósito corporativo da empresa e do mercado sob a luz dos olhos teus dá “liga” com os seus objetivos profissionais, garantindo que essa nova relação seja mais duradoura e com bons resultados desse encontro, que poderá culminar em um casamento de longo prazo.
Vale enfatizar que os valores corporativos não são aqueles fixados nas paredes e murais das empresas, mas sim os vivenciados pelos colaboradores da companhia. Vemos nos mais diferentes setores, organizações que são lindas em seus conceitos organizacionais e que na prática estão a quilômetros de distância dos mesmos. Este tipo de discrepância desestimula, enfraquece e adoece as relações entre a empresa e sua força de trabalho. O maior orgulho de um colaborador é sentir-se parte de uma organização que possui valores bem fundamentados e que os pratica no dia a dia, aumentando a admiração, o senso de pertencimento e fazendo valer os versos da melodia imortalizada na voz do poeta Vinicius de Moraes, em 1976: “Que a luz dos olhos meus já não pode esperar, quero a luz dos olhos meus, na luz dos olhos teus sem mais lará-lará”.
Por Eduardo de Campos Ferreira e Roberta Danelon Leonhardt
Os conceitos do desenvolvimento sustentável há muito tempo são discutidos no âmbito internacional. Primeiramente registrados no relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Brundtland, no final da década de 80, seus objetivos mantêm-se atuais até hoje.
Nessa mesma década passou-se a ser discutida a constatação de que o desenvolvimento de uma nova tecnologia em determinado lugar pode – e possivelmente irá – gerar preocupações e consequências para todo o mundo. A comunidade científica volta-se à nova premissa de que os riscos das atividades potencialmente poluidoras podem alcançar todo o planeta.
Tais correntes de pensamento se cruzam e o reconhecimento da comunidade política internacional quanto à necessidade de se conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a utilização dos recursos da natureza foi sedimentado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra. Finalmente os países passaram a efetivamente desenvolver políticas e ações concretas para proteger o meio ambiente.
O tema desenvolvimento sustentável talvez nunca perca a atualidade, mas, sem dúvida, sofre transformação e sua aplicação vem sendo aprimorada. Anos após, em 2015, a Organização das Nações Unidas (“ONU”) propôs uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, a chamada Agenda 2030, composta pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“ODS”)[3]. Trata-se de um esforço conjunto de países, setor privado, instituições e sociedade civil visando adotar medidas concretas de efetivação de direitos humanos, de combate às mudanças climáticas, de igualdade de gênero e combate à discriminação de qualquer natureza, dentro outros aspectos relevantes do desenvolvimento humano como sociedade contemporânea. Os ODS são objetivos mundiais de práticas socioambientais sustentáveis para que os impactos da sobrevivência humana não se tornem cada vez mais insustentáveis.
Entre os dias 21 e 25 de junho de 2021, foi realizado o Fórum Ministerial dos Diálogos em Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia[4], reunião global preparatória às discussões agendadas pela ONU sobre a temática enérgica, a ser realizada em setembro deste ano[5].
Em sua participação no Fórum Ministerial, os representantes do Brasil apresentaram dois pactos governamentais para o setor de energético (energy compact), com compromissos do Poder Público brasileiro ao cumprimento das metas previstas no ODS 7[6] que se relaciona às medidas para acesso universal a fontes de geração de energia limpas.
Em relação à redução da intensidade de uso da matriz de transporte baseada em combustíveis fósseis, foram apresentados os mecanismos relacionados à Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída pela Lei Federal nº 13.576/2017, a qual representa um dos mecanismos para cumprir os compromissos de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris firmado na 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
O objetivo principal da RenovaBio é tornar a matriz energética brasileira mais limpa, aumentando a participação dos biocombustíveis, como etanol, biodiesel, biogás, biometano e bioquerosene, e, consequentemente, reduzindo a utilização de combustíveis fósseis.
A RenovaBio estabelece instrumentos para sua efetiva implantação, incluindo, por exemplo, incentivos fiscais, metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e instituição dos Créditos de Descarbonização – CBIOs.
A lei prevê que os CBIOs serão utilizados como mecanismo para comprovação de cumprimento das metas individuais anuais de redução de gases causadores de efeito estufa pelos distribuidores de combustíveis. Destaque-se que essas metas individuais anuais serão calculadas proporcionalmente à participação de mercado de cada distribuidor na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior. Temos notado o interesse do setor energético pela crescente substituição de seus combustíveis, notadamente para implementação efetiva do mercado de CBIOs.
O Brasil também apresentou no Fórum Ministerial o projeto de pacto energético sobre hidrogênio, que pretende consolidar a economia do chamado hidrogênio verde no país – mercado que tem apresentado crescente interesse no cenário mundial, visto como ferramenta relevante para a transição energética de redução de uso dos combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono.
Em 17 de maio de 2021, foi publicado Despacho em que foi determinado ao Ministério de Minas e Energia, em cooperação com os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações e do Desenvolvimento Regional, que apresente ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE a proposta para diretrizes do Programa Nacional de Hidrogênio, destacada a importância do hidrogênio para a adoção de matrizes energéticas de baixo carbono.
O Despacho destaca a intenção do Brasil de liderar as discussões para a transição das fontes de energia para redução do uso de carbono no âmbito dos Diálogos em Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia. É esperado que a proposta de Programa Nacional de Hidrogênio seja apresentada até o final de 2021.
Acredita-se que há potencial significativo do Brasil para o mercado de hidrogênio verde, o qual pode ser identificado, por exemplo, nas iniciativas dos Estados de Pernambuco[7] e do Ceará[8] para o desenvolvimento concreto de atividades de produção de hidrogênio verde.
Ações voltadas à materialização do RenovaBio e do promissor mercado de hidrogênio verde bem demonstram a preocupação global com a adoção de medidas concretas de implementação dos ODS e da Agenda 2030, com ações que mitiguem os impactos socioambientais da atual sociedade de risco e consequente redução da pressão das atividades humanas no planeta.
[1] Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (“PUC/SP”). Especializado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica de Sustentabilidade pela PUC/SP – COGEAE. Sócio da área ambiental de Machado Meyer Advogados.
[2] Mestre em Direito Internacional na London School of Economics and Political Science, Reino Unido. Pós-graduada em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo. Sócia e head da área ambiental de Machado Meyer Advogados
TÍTULOS ROTULADOS – DIFERENTES FORMATOS; DIFERENTES IMPACTOS
O que são investimentos sustentáveis?
A temática ESG tem servido como impulso para acelerar o desenvolvimento sustentável, que busca “satisfazer as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.[1]
A abordagem ESG pressupõe a avaliação de negócios, empresas, instituições e até mesmo países não somente do ponto de vista econômico, mas também de acordo com indicadores ambientais, sociais e de governança. Trata-se de novo modelo de gestão estratégica que visa atender demandas dos diversos públicos de relacionamento, buscando a geração de valor não apenas aos acionistas, mas também aos demais stakeholders, que incluem consumidores, comunidades, governo e empregados. Além de contribuírem para uma sociedade mais ética saudável e justa, boas práticas de ESG estão relacionadas a diversos benefícios, como mitigação de riscos, melhor capacidade de inovação e adaptação, redução de custos, boa imagem perante o público, atração de talentos da nova geração e resiliência para cenários adversos.
O investimento sustentável (ou investimento responsável) é entendido como a integração dos aspectos ESG nos fatores centrais de atuação das organizações e na avaliação de financiamento por parte dos investidores. Esses aspectos incluem uma série de itens que tradicionalmente não fariam parte de análise financeira das companhias e dos projetos, designando, desse modo, uma ideia mais ampla de geração de valor. Entre as métricas mais comumente usadas na estruturação de investimentos sustentáveis, destacam-se:
Ambiental
Gerenciamento adequado de resíduos
Gestão eficiente de água, energia limpa e outros recursos
Emissão de gases poluentes
Desmatamento
Biodiversidade
Social
Efetivação de direitos trabalhistas e de segurança do trabalho
Atração e retenção de talentos
Bem-estar dos empregados
Incentivo à diversidade e proteção de gênero
Direitos humanos e impactos positivos na sociedade
Proteção de dados e privacidade
Governança
Práticas transparentes de governança corporativa
Compliance e promoção de valores éticos na condução dos negócios
Composição do conselho de administração
Relação com entidades do governo e políticos
O investimento responsável pode ser instrumentalizado a partir da destinação de recursos disponíveis no mercado financeiro para empresas que implementam ESG em suas atividades e que estão em compliance como uma série de recomendações das entidades internacionais que estabelecem padrões de sustentabilidade.
O que são títulos temáticos e quais suas principais vantagens?
Os títulos temáticos (ou títulos rotulados) são instrumentos financeiros de captação voltados para projetos, ativos ou organizações que apresentem benefícios ambientais e/ou sociais verificáveis e mensuráveis, e contem com avaliações externas para confirmar tais benefícios.
Os títulos temáticos produtos financeiros de mercado de capitais, instrumentos de crédito e financiamento bancários e produtos estruturados vinculados à temática ambiental ou social, incluindo os títulos verdes(nas suas modalidades locais de debêntures verdes e internacionais de green bonds), os títulos sociais, os títulos sustentáveis, os títulos de transiçãoe os títulos de sustentabilidade corporativa (sustainability-linked bonds).
Alguns exemplos de títulos temáticos recentes no Brasil são:
Títulos Verdes:
São aqueles em que a destinação dos recursos é atrelada a projetos ou ativos que proporcionem benefícios ambientais
Alguns exemplos:
Green Bonds BRF (2015; €500 milhões)
Debêntures Verdes Neoenergia (2019 e 2020; R$1,3 bilhão e R$300 milhões)
Debêntures Verdes Irani (2019 e 2021; R$505 milhões e R$60 milhões)
Debêntures Verdes Isa CTEEP (2018 e 2020; R$621 milhões e R$1,6 bilhão)
São aqueles em que a destinação dos recursos é atrelada a projetos que visem mitigar problemas sociais, desigualdade de renda e educação, comunidades afetadas ou direitos humanos
Alguns exemplos:
Debêntures Sociais Vivenda (2018; R$1,05 milhão) – reformas de baixo custo e condições facilitadas de financiamento para 8 mil habitações populares
A/B Loan Banco Daycoval: (2021; R$400 milhões) – crédito para pequenas e médias empresas lideradas por mulheres em regiões de baixo desenvolvimento social
Títulos Sustentáveis:
São aqueles em que os recursos são direcionados a projetos que apresentem tanto ganhos ambientais quanto benefícios sociais
Exemplo:
Debentures Iguá Saneamento (2020; R$48 milhões e R$120 milhões) – otimização e redução das perdas do sistema de água e de universalização da coleta e tratamento de esgoto de Paranaguá – PR; ampliação do abastecimento, tratamento e distribuição de água e de coleta e tratamento de esgoto de Cuiabá – MT
Títulos de Transição:
São aqueles em que os recursos são direcionados a projetos que não apresentam um saldo efetivamente positivo do ponto de vista ambiental ou social, porém sinalizam uma melhoria na sustentabilidade em relação aos patamares históricos
Exemplo:
Debênture de Transição ENEVA (2020; R$168 milhões) – projetos relacionados à geração de energia térmica a gás natural, com potencial de redução de emissões a partir de aumento na eficiência energética e substituição de fontes mais carbono intensivas nos Estados do Maranhão e de Roraima
Títulos de Sustentabilidade Corporativa:
São aqueles em que os recursos não são direcionados a projetos específicos, mas podem ser usados livremente pela organização. Os títulos de sustentabilidade materializam compromissos de desempenho relacionados ao modelo de negócios da organização que representem benefícios ambientais ou sociais mensuráveis e atestados por verificador independente externo. Os títulos de sustentabilidade corporativa possuem mecanismos contratuais que visam premiar a organização pelo atingimento dos compromissos ESG, ou puni-la pelo seu não atingimento (como por exemplo, aumento ou redução na taxa de juros).
Alguns exemplos:
Suzano Sustainability-Linked Bonds (2020; US$750 milhões) – compromissos de redução de pelo menos 10,9% nas emissões de CO2 até 2025 – considerando a média de 2024 e 2025, em comparação com o ano de 2015.
Klabin Sustainability-Linked Bonds (2021; US$500 milhões) – compromissos de 16,7% de redução no consumo de água, 97,5% de reciclagem e reintrodução de 2 espécies em extinção
Natura Sustainability-Linked Bonds (2021; US$1 bilhão) – compromissos de: (i) reduzir emissão de gases de efeito estufa em 13% até 2026 e (ii) aumentar a reciclagem de embalagem pós-consumo até 2026.
Movida Sustainability-Linked Bonds (2021; US$500 milhões) – emissão de acordo com os “Sustainability Linked Bonds Principles”.
SIMPAR Sustainability-Linked Bonds (2021; US$450 milhões e US$625 milhões) – emissão de acordo com os “Sustainability Linked Bonds Principles”.
Como se vê, os títulos rotulados assumem os formatos mais variados, com diferentes públicos investidores, compromissos temáticos e metas ESG. Idealmente, ao emitirem títulos rotulados, as empresas deveriam assumir compromissos claros e ambiciosos, que causem impacto positivo relevante e estejam diretamente vinculados às externalidades causadas pelos seus modelos de negócio. Infelizmente, temos visto algumas emissões ditas “sustentáveis” que utilizam métricas e compromissos muito tímidos e não relacionadas diretamente ao core business da empresa.
Como se dá o processo de certificação externa?
O processo de certificação externa varia conforme se trate da avaliação da sustentabilidade de um projeto específico ou da avaliação corporativa do emissor. A qualificação de um projeto ou de uma organização para a estruturação de um título temático é feita por terceiros independentes, que pode consistir em parecer de segunda opinião, certificação, verificação ou atribuição de rating. A taxonomia e os critérios de avaliação seguem determinados padrões internacionais, que podem variar de acordo com o setor, a jurisdição e a entidade regulamentadora. Atualmente, os padrões de maior credibilidade internacional utilizados nos títulos temáticos são aqueles determinados pela International Capital Markets Association ou pela Climate Bonds Initiative (CBI).
Como o Machado Meyer pode ajudar?
Com o propósito de oferecer inteligência jurídica para negócios que transformam realidades, a prática ESG – Environmental, Social and Governance do Machado Meyer oferece consultoria jurídica de excelência, de forma integrada, em todos os assuntos relacionados à sustentabilidade corporativa. Com uma equipe multidisciplinar de sócios e associados, o Machado Meyer possui sólida experiência em temas jurídicos relacionados a meio ambiente, finanças sustentáveis, investimentos de impacto, gestão de pessoas, gestão de risco e governança corporativa. Em nosso grupo de Finanças Sustentáveis, oferecemos assessoria jurídica para investimentos ASG e a criação e negociação de instrumentos financeiros sustentáveis que promovem o desenvolvimento sustentável no Brasil.
Estamos prontos para assessorar nossos clientes, tomadores e investidores, na identificação, formatação, preparação, negociação e execução de estruturas de captação e de investimentos para atividades sustentáveis, incluindo emissão de títulos de dívida locais e internacionais (incluindo bonds, debêntures incentivadas, CRIs, CRAs e outros produtos de mercados de capitais), assim como financiamentos bancários, empréstimos com multilaterais e outras estruturas inovadoras de financiamento estruturado.
Também auxiliamos no mapeamento e gestão de riscos e oportunidades relacionadas a aspectos ambientais, sociais e de governança. Ao mesmo tempo em que são altamente técnicas e seguras, nossas recomendações são pragmáticas e alinhadas com o propósito de negócios e apetite ao risco dos nossos clientes.
Os patrimônios culturais nacionais nascem, no Ocidente, com o surgimento do Estado-Nação, no final do século XVIII e início do século XIX. Em uma fórmula breve, o Estado-Nação consiste na coincidência entre uma coletividade social e culturalmente característica (Nação) a somente uma entidade político-administrativa soberana em um território determinado (Estado). Ainda mais brevemente, a cada Nação, um Estado[1].
Coube, então, a cada Estado-Nação “criar” as suas próprias instituições, muitas vezes aproveitando os nomes das mais antigas, mas dando-lhes nova roupagem. Urgia, ainda, “inventar” cada uma das “nações” surgidas[2]. Pois bem, assim como apareceram “senados” que, além do nome, pouco tinham a ver com o romano, nacionalidades foram delineadas, pouco a pouco. Os patrimônios culturais nacionais, entre outras novidades, fizeram parte desta última tarefa.
No Brasil, foram artistas e escritores que primeiro se encarregaram da escolha de uma representação simbólica da nacionalidade brasileira nas figuras de índios que, de um modo ou de outro, sofrem nas mãos dos colonizadores, vistos como estrangeiros. Isso é particularmente evidente no romance indianista Iracema, de José de Alencar, no qual a protagonista é sempre ligada à terra, enquanto Martim, pai do seu filho, se mostra frequentemente saudoso de Portugal. Outras escolhas de representações simbólicas da nacionalidade se seguiram[3].
A construção de um patrimônio cultural brasileiro, entendido como um conjunto de bens culturais referentes à nacionalidade, porém, só veio a lume na década de 1930; e não foi obra de artistas e escritores, foi obra do Estado, que, com a instituição do “tombamento” de bens culturais materiais, inaugurou uma diferenciação entre os bens culturais em geral, antes inexistente, distinguindo os que se podem usar e fazer circular sem peias e os que, tendo sido tombados e, com isso, admitidos ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – nome então dado ao patrimônio cultural do Brasil -, só o podem com restrições. Essa distinção afastou, durante muito tempo, os bens culturais integrantes do patrimônio cultural brasileiro do mundo comercial e empresarial em geral.
No início da década de 1960, com a sobrevinda da legislação de proteção aos sítios arqueológicos e às peças que contêm, esses bens culturais, que, à sua maneira, também portam referência à nacionalidade, passaram a ser especialmente protegidos, independentemente de tombamento.
Essa extensão do âmbito do patrimônio cultural do Brasil para além do universo restrito dos bens culturais tombados prosseguiu com o advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu que o Patrimônio Cultural Brasileiro é integrado não somente por bens tombados, mas por todos os “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Pouco antes disso, em 1986, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente se encarregara de aproximar o mundo das empresas ao dos bens culturais através do meio ambiente, nos procedimentos de licenciamento ambiental, em que se exigia a avaliação do impacto de empreendimentos sobre bens do Patrimônio Cultural Brasileiro e a execução de programas destinados a mitigar ou compensar os impactos negativos. A superveniência da Constituição Federal de 1988 veio, então, no que toca a essa questão do licenciamento ambiental, especificar melhor do que é que se estava falando ao se tratar dos bens do Patrimônio Cultural Brasileiro.
Desse modo, e especialmente na execução de programas de mitigação e compensação durante os licenciamentos ambientais, alguns executores desses programas notaram que, em muitos casos, os bens culturais que eram objeto dos programas tinham relações diretas com a organização social de comunidades e com o ambiente natural – isto é, com a natureza – com que interagiam. Daí a que se chegasse a que ações similares às daqueles programas poderiam ser executadas com vistas à sustentabilidade, tout court, sem necessariamente estarem vinculadas a algum procedimento de licenciamento ambiental foi, nesta época de ESG[4], somente um passo e isso permitiu que se pudesse reunir, afinal, os ingredientes para o guisado empresa/cultura/natureza do título deste pequeno escrito. Apresenta-se, adiante, então, uma das muitas realizações possíveis do prato:
Em um município do litoral paulista, um empreendimento inclui na sua área de atuação um capão de mata atlântica, localizado em uma área de proteção permanente, que tem de ser preservado.
Por outro lado, as comunidades caiçaras locais utilizam madeiras nativas da mata atlântica, como a caxeta (tabebuia cassinoides) e o cedro (cedrela fissilis), para a confecção de canoas e instrumentos musicais.
Cada um fazendo a sua parte em um entendimento de regras e práticas de observância mútua, o empreendimento e as comunidades caiçaras locais não só preservam, por si, o capão de mata quanto impedem que outras pessoas o degradem: os caiçaras, retirando somente a madeira das árvores do capão de mata caídas naturalmente e, adicionalmente, nos períodos de vigilância das árvores que estão prestes a cair, “flagrando” eventuais degradadores do capão e dando conta disso aos responsáveis pelo empreendimento; quanto a estes últimos, isto é, os responsáveis pelo empreendimento, cuidando da manutenção do capão e encaminhando as denúncias de degradação das plantas e animais que abriga às autoridades competentes. Eis aí, prontinho, um bom guisado de empresa, cultura e natureza, não é mesmo?
[1] Para uma apresentação histórica do Estado-Nação, ver Hobsbawm, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
[2] Sobre isso, ver Anderson, B. Comunidades imaginadas. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.
[3] Sobre esse assunto, ver Fry, Peter. “Feijoada e “Soul Food”: notas sobre a manipulação de símbolos
étnicos e nacionais”. In: Para Inglês Ver – identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
Até 2050, segundo o UN-Habitat, 61% da população mundial viverão em cidades. Assim, imaginando-se que estas são as menores unidades deliberativas no âmbito público e onde tudo acontece na prática, esta forma de assentamento humano transforma-se no principal vetor para se atingir as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Ainda de acordo com o UN-Habitat, cerca de 65% dos ODS só podem ser atingidos por meio das cidades. No entanto, em acordo com pesquisa do Instituto Groundbreaking, desde 2017 até 2021, somente 67 (sessenta e sete) cidades no mundo entregaram seus Relatórios Voluntários Locais (VLR, em inglês), ou seja, divulgaram seus resultados à luz dos ODS.
Portanto, como será possível chegar aos ODS com um engajamento tão pequeno das cidades nessa agenda? Como mirar e atingir as questões que fazem com que uma cidade tome a decisão de adotar a Agenda 2030 como base de planejamento?
No Brasil, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), um grande número de cidades ainda não está alinhado, em termos de seus planejamentos estratégicos, com os ODS e luta com uma visão de curto prazo relacionada à política e às gestões de quatro anos de vigência, ou no máximo oito anos, caso haja reeleições. Nesse cenário, os planos de médio e longo prazo que envolvem os ODS parecem pouco aderentes, em especial se o conhecimento dos gestores sobre o assunto for muito superficial.
Em geral, o desconhecimento das metas relacionadas aos ODS e o recente desenvolvimento de metodologias para realizar as aferições para as cidades também dificultam uma analogia e a aplicação das formas de medir os Objetivos nessas unidades territoriais. A falta de padronização e de instrumentos de medida dos resultados nas prefeituras, principalmente nas menores, também vem se mostrando uma questão nevrálgica para a adesão aos Objetivos.
Atualmente, existem vários esforços para criar maneiras simplificadas e também bons indicadores para a comparação dos Municípios no que tange às metas dos ODS, porém, ainda há diversos obstáculos nas prefeituras para que essas administrações consigam utilizar tanto metas, quanto indicadores análogos àqueles dos ODS.
Uma das principais questões tem a ver com a compartimentalização das secretarias, que têm objetivos específicos e que, muitas vezes, apesar de estarem totalmente ligados aos de outras secretarias, acabam por não integrar nem as ações, nem os indicadores. Nesse contexto, vale lembrar que as metas definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para os ODS demostram claramente a necessidade dessa integração, demonstrando que todos os ODS são indivisíveis e interligados.
Essa ausência de pensamento sistêmico por parte dos gestores faz com que seja difícil cumprir e melhorar resultados. Assim, tem-se, em geral, uma intensa sobreposição de ações nas prefeituras buscando atingir metas definidas à luz dos ODS, levando a um desperdício de recursos tanto financeiros, quanto humanos. Nessa linha, muitas vezes é possível verificar que duas secretarias realizam ações com o mesmo público, com objetivos semelhantes e que não são sequer conhecidas uma pela outra.
Outra dificuldade é a falta de instrumentos de avaliação padronizados que sejam utilizados por vários municípios e que possam, de alguma maneira, criar um meio de comparação das práticas e de compartilhamento dos projetos que funcionam em todos esses diferentes ODS.
Nesse sentido, no estado de São Paulo, um dos principais indutores do engajamento dos municípios nas agendas foi o Tribunal de Contas do Estado (TCE), que alinhou seus instrumentos de avaliação de desempenho dos municípios aos Objetivos, fazendo com que, de alguma forma, todos os municípios paulistas tivessem que se aproximar e avaliar sua gestão a partir das metas dos ODS.
Mesmo assim, poucos municípios têm apresentado suas avaliações de resultados do seu desempenho ao encontro dos ODS. Muito porque essas são mais vistas como instrumentos de controle do TCE do que como instrumentos de gestão.
Atualmente, vantagens interessantes aparecem junto aos bancos de financiamento público para os municípios que têm esses instrumentos de avaliação, quando em busca de recursos para projetos e implementação de políticas de infraestrutura, provendo recursos com condições de juros e pagamentos mais atraentes para os municípios que trabalham alinhados aos ODS.
Em suma, imaginar que um município está alinhado com uma agenda global é algo que pode ser muito efetivo para a criação de uma narrativa de Desenvolvimento Sustentável, com engajamento dos munícipes e com a real estruturação de projetos que confiram mais resiliência para essas cidades.
Faz-se, portanto, necessário que movimentos como o desenvolvido pela prefeitura de Nova Iorque, em busca do engajamento e assinatura de pactos para os ODS, se multipliquem, e da mesma forma, que os Tribunais de Contas de mais estados adotem as práticas do TCE de São Paulo, induzindo – e quase que obrigando – os municípios a se alinharem a esta agenda global. Caso ações como esta não sejam realizadas com mais assertividade, certamente estaremos cada vez mais longe de atingir as metas previstas pelos ODS para a Agenda 2030 e de se chegar a um resultado positivo na reversão do aquecimento global, da desigualdade extrema e da ampla degradação do meio ambiente.
Autores:
Delfim Rocha: Engenheiro Civil, MSc. em Sustentabilidade junto à FGV EAESP e em Mecânica dos Solos pela Coppe/UFRJ. Atuou em empresas de consultoria de porte internacional, ocupou a Gerência Ambiental de Energia da Alcan Aluminíos do Brasil e Novelis do Brasil, e a Coordenação Corporativa de Licenciamento Ambiental de Mineração e Indústria da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Além de ocupar, desde 2009, a Diretoria Executiva da Ferreira Rocha Assessoria e Serviços Socioambientais, presta assessoria técnico-estratégica para gestão socioambiental e avaliação de novas oportunidades de negócios, em especial nos setores de energia, mineração e empreendimentos imobiliários.
Monica Picavea: Jornalista, MSc. em Sustentabilidade junto à FGV EAES e em Negócios pela Baldwin Wallace de Ohio, e formada em Design para a Sustentabilidade pelo Gaia Education. Como Diretora da Oficina da Sustentabilidade, presta assessoria técnica a empreendedores nacionais e multinacionais para o planejamento e execução de mapeamento e engajamento de stakeholders em projetos de diferentes setores produtivos, bem como a prefeituras no planejamento estratégico de municípios com base nos ODS.
Por Renata Campetti Amaral, Alexandre Salomão Jabra e Manuela Demarche,
Os recentes acontecimentos relacionados à pandemia da COVID-19, ao longo dos últimos meses, ampliaram as discussões sobre questões ambientais. A preocupação com o futuro do planeta em termos de preservação, riscos e controle ambientais nunca esteve tão em discussão como atualmente. Tais aspectos estão cada vez mais na mira do poder público, do setor privado, da sociedade civil e da mídia. Nesse contexto, o termo da vez no mercado é “ESG”, sigla em inglês para ambiental, social e governança (Environmental, Social and Governance). Esses três aspectos são referências na medição dos índices de sustentabilidade e impacto social de um investimento ou de uma empresa.
No que se refere ao aspecto ambiental, visando facilitar ao investidor a correta identificação de atividades consideradas sustentáveis, a União Europeia desenvolveu um Regulamento de Taxonomia, estabelecendo seis objetivos ambientais. São eles a mitigação das mudanças climáticas, a adaptação a elas, o uso sustentável e a proteção da água e dos recursos marítimos, a transição para uma economia circular, controle e prevenção da poluição e proteção e restauração da biodiversidade. Para considerar uma atividade econômica ecologicamente sustentável, é necessário que ela contribua substancialmente com pelo menos um dos objetivos estabelecidos – e não causar danos significativos a nenhum deles –, além de estar em conformidade com especificidades técnicas de triagem e com as mínimas salvaguardas sociais e de governança.
Tradicionalmente, os aspectos ambientais de ESG estavam restritos às questões climáticas, ou seja, no controle dos gases de efeito estufa (GEE ou GHG), cumprimento das metas de redução de emissões no âmbito do Acordo de Paris, utilização de energia limpa por meio de alterações na matriz energética, dentre outras. Mais recentemente, houve um incremento da preocupação quanto às consequências negativas das mudanças climáticas, como é o caso do aumento gradativo da temperatura global, aumento do nível dos oceanos, destruição do habitat de animais, catástrofes naturais e o aumento no número de incêndios de altas proporções.
Os termos “emergência climática”, “litigância climática”, “riscos climáticos” “energia limpa” e “neutralidade de carbono” passaram a ser estudados e explorados por especialistas da área ambiental com maior intensidade. Isso deve-se ao fato de que grande parte dos riscos globais, além de se relacionarem com questões climáticas, têm resultado em riscos financeiros concretos e nas divulgações obrigatórias de informações por parte de governantes, investidores e empresas. O mindset mudou: a preocupação não se restringe mais àquilo que as empresas podem causar em termos de impactos às mudanças climáticas, mas sim os impactos que as mudanças climáticas podem causar às empresas e negócios.
Um exemplo recente dessa crescente preocupação é a inclusão, pela primeira vez na história, dos efeitos e riscos decorrentes das mudanças climáticas no Relatório de Estabilidade Financeira semestral, do Sistema de Reserva Federal (Federal Reserve System), dos Estados Unidos. O relatório, publicado no início de novembro de 2020, aponta que a incerteza do momento e da intensidade dos eventos e desastres climáticos, assim como a difícil compreensão da relação deles com os resultados econômicos, podem levar a uma reprecificação inesperada de ativos. Dessa forma, é esperado que os bancos elaborem sistemas apropriados para identificar, medir, controlar e monitorar todos os riscos materiais, incluindo os climáticos.
Outro exemplo interessante ocorreu no Reino Unido. Tendo em vista a obrigação imposta às empresas de relatarem os impactos financeiros das mudanças climáticas em seus negócios nos próximos cinco anos, o país é o primeiro a tornar as divulgações obrigatórias, levando em consideração que investidores e governos exigem cada vez mais que as empresas reduzam suas emissões de gases de efeito estufa.
O direito das mudanças climáticas e as discussões mais recentes sobre neutralidade de carbono, mercado de carbono, projetos REDD+ e energia limpa, contudo, não representam as únicas facetas dos aspectos ambientais de ESG atualmente discutidos e incorporados pelo setor privado. Outros aspectos ambientais igualmente relevantes para o conceito ESG envolvem, por exemplo, implementação de medidas de gerenciamento de resíduos e de efluentes, cumprimento com as exigências de logística reversa, observância das regras para acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, implementação de medidas de sustentabilidade e economia circular nos processos produtivos, auditoria ambiental interna e na cadeia de supply chain, observância das restrições aplicáveis para áreas ocupadas por minorias como quilombolas e indígenas, além do cumprimento das diversas normas ambientais.
Nesse contexto, nota-se que, atualmente, os aspectos de ESG não podem ser vislumbrados tão somente sob o enfoque climático, como feito tradicionalmente, mas também de uma forma ainda mais ampla, abrangendo todas as facetas das questões ambientais, cada vez mais relevantes para o desenvolvimento das atividades humanas e essencial para a busca do desenvolvimento sustentável.
Podcast – Próximas tendências e a interface entre 3º setor e academia – com Eduarda Zoghbi, Mestranda em Politica Energética, Universidade Columbia NY e Ativista Ambiental.
Eduarda Zoghbi: Cientista política e mestranda em Administração Pública com foco em energia e meio ambiente na Universidade de Columbia. Possuo experiência em relações governamentais e gestão de projetos na área de mudanças climáticas e infraestrutura sustentável. No Brasil, trabalhei no BID apoiando no desenho de projetos de cooperação internacional junto ao governo brasileiro nas áreas de finanças verdes, energias renováveis e florestas. Fui voluntária no Engajamundo, ONG liderada por jovens que realizam ativismo, advocacy e formações em escolas e universidades, onde coordenei um projeto sobre energia solar que me levou a receber o prêmio 30 Under 30 da North American Association for Environmental Education. Sou embaixadora e representante do Brasil no programa de Young Global Changers do Global Solutions Summit, think-tank alemão responsável por fazer recomendações ao G20. Hoje como aluna de mestrado, atuo como Presidente da SIPA Energy Association e trabalho no programa Women in Energy do Center on Global Energy Policy.