O ASG e a CVM: Quanto custa não observar os critérios Ambiental, Social e Governança? E para quem?
Muito tem se debatido sobre os custos para as empresas da adoção de critérios ASG. A CVM deve exigir ou esperar a prática de forma voluntária?
Adotar critérios ASG demandam CAPEX (Capital Expenditure, despesa ou investimento) da empresa?
ASG é um processo. Se uma empresa não olhava para esses critérios ao produzir seus bens, em um primeiro momento será necessário investimento para mudar
Além disso, será necessário investimento em compliance para checar se todas as normas ambientais, trabalhistas, de saúde e segurança, de consumidor e de governança corporativa, estão sendo cumpridas
Em 1970 Milton Friedman publicou um artigo no jornal The New York Times chamado “The Social Responsability of a Business is to Increase its Profits” (A Responsabilidade Social de um Negócio é aumentar seu lucro). Externalidades negativas não eram levadas em consideração naquela época.
A influência de tais ideias econômicas não se restringiram a corporações e ao mercado financeiro, afetaram também indivíduos. A teoria conhecida como “free riding” (pegar carona de graça) parte do princípio de que a cooperação não vale a pena, já que se você cooperar, ninguém mais vai e a sua contribuição será pequena demais para fazer qualquer diferença. Acabamos então contando com a contribuição de outros. Tais pensamentos nos fazem perder a esperança e acreditar que somos impotentes. Esse pensamento se aplica quando falamos de mudança climática por exemplo.
Quanto custa não observar os critérios ASG (Ambiental, Social e Governança)? E para quem?
Como disse Denise Hills (Diretora Global de Sustentabilidade da Natura): “Para aqueles que não acreditam que a emissão de carbono contribui para as mudanças climáticas, peça a eles que peguem o carburador de seus carros, coloquem para dentro do carro e respirem seu próprio carbono”. Dirigir por aí com o ar-condicionado ligado significa que estamos socializando o problema e privatizando o conforto.
Até hoje “socializar o problema” não custava nada. Então por que se preocupar?
Recentemente a CVM concluiu uma consulta pública sobre suas propostas de alteração do Formulário de Referência. A CVM sugere a simplificação do formulário e adição de exigências declaratórias diversas de caráter ambiental, social e de governança (ASG). Muito tem se debatido sobre os custos dessas exigências para as empresas e se a CVM deveria exigir ou simplesmente esperar que as empresas fizessem isso de forma voluntária.
Adotar critérios ASG demandam CAPEX (Capital Expenditure, despesa ou investimento) da empresa? ASG é um processo. Se uma empresa não olhava para esses critérios ao produzir seus bens, em um primeiro momento será necessário investimento para mudar o processo. Além disso, será necessário investimento em compliance para checar se todas as normas ambientais, trabalhistas, de saúde e segurança, de consumidor e de governança corporativa, estão sendo cumpridas. Se a norma for válida e entrar em vigor, seu cumprimento será mandatório.
A empresa que pretende assegurar retorno de longo prazo a seus acionistas e longevidade do seu negócio não deveria ignorar os fatores ambientais e sociais. Empresas dependem de recursos naturais e de uma força de trabalho saudável para funcionar. Além disso, o mercado já começou a penalizar aquelas que poluem demais, usam recursos naturais escassos ou não tem políticas sociais decentes. Ou seja, vai custar para a empresa pois vai afetar seu custo de capital, o preço de sua ação e sua capacidade de retenção de talentos.
Para empresas com foco em resultado apenas, a geração de valor para o acionista ocorre, muitas vezes, através do lançamento de todas as externalidades negativas ambientais e sociais na conta da sociedade. Até hoje foi viável operar nessas bases. Mas agora “a sociedade” (o consumidor e o investidor) quer entender o processo de produção do produto ou serviço e que recursos naturais estão sendo usados como matéria-prima ou insumo. E isso pode custar caro para empresa.
No que tange a mudanças climáticas, atualmente contamos apenas com boas práticas já que no Brasil ainda não temos norma que demande redução da emissão de gases de efeito estufa. E ainda aguardamos pela definição da regulação do mercado global de carbono via regulação do art. 6º do Acordo de Paris. No social, exceto pela quota de pessoas portadoras de necessidades especiais, diversidade relacionada a gênero e raça, por exemplo, não são reguladas.
A crise de 1929 trouxe a necessidade de divulgação dos dados financeiros das empresas. A atual pandemia e crise climática deverá tornar natural a divulgação dos critérios ASG.
A divulgação deve continuar sendo voluntária? A empresa divulga o que quiser sob métricas que ela mesma cria ou escolhe, quando quiser e da forma que melhor entender? As informações precisam ser consistentes, comparáveis e críveis. É difícil acreditar que as forças do mercado farão isso de forma voluntária. Como disse o professor da universidade de Oxford, Robert Eccles: “[…] foi a regulação, não as forças do mercado, que nos impôs padrões e exigências de divulgação das informações financeiras. Por que deveria ser de qualquer forma diferente para dados sobre a performance de sustentabilidade de uma empresa?”[1]
Outro excelente motivo é usual: segurança jurídica. Muitos dados disponíveis não são críveis ou consistentes e por isso não tem qualquer validade. Na perspectiva do investidor: como tomar decisões informadas sem dados validados? Nas palavras de Claire Bodanis (uma autoridade em relatórios corporativos na Inglaterra): “num relatório anual a história TEM que ser verdadeira – porque a) os fatos devem ser verificáveis e b) a empresa deve ser responsável por quaisquer opiniões ou compromissos”.[2]
O Bank for International Settlements em seu relatório Green Swan[3] publicado em janeiro de 2020, provou que riscos climáticos são riscos financeiros que colocam em risco a estabilidade financeira. Mais um motivo para esperarmos que dados ambientais, especialmente sobre mudanças climáticas, tenham sua divulgação regulada.
O mundo está alinhado a essa narrativa. A IOSCO, organização internacional de reguladores de valores mobiliários, em comunicado oficial de 24 de fevereiro deste ano informou que é urgente definirmos padrões globalmente consistentes, comparáveis e críveis para divulgação de informações sobre sustentabilidade (iniciando com mudanças climáticas).[4]
A SEC, comissão de valores imobiliários norte-americana, está trabalhando na atualização de sua regulação sobre divulgação de informações sobre mudança climática, tendo inclusive aberto consulta pública para isso.[5]
Mas não para por aí, a presidente em exercício da SEC, Allison Herren Lee, já informou que a SEC trabalhará na construção de uma estrutura para divulgação de dados ASG de forma mais ampla e que no início de março deste ano foi formado um grupo de trabalho de clima e ASG na divisão de fiscalização. Esse grupo de trabalho atuará proativamente na identificação de condutas inapropriadas relativas a clima ou ASG incluindo identificação de falhas relevantes ou informações incorretas em dados divulgados por emissores sobre clima nos termos das normas existentes e análise de divulgações sobre aspectos de compliance das consultorias de investimento e das estratégias dos fundos ASG.[6]
Ainda sobre a SEC, seu diretor de finanças corporativas, John Coates, publicou uma declaração em 11 de março sobre divulgação de informações ASG incluindo avaliação sobre o questionamento do custo de tais divulgações. Sua conclusão é que temos que avaliar o custo de não haver tais regras, uma vez que os investidores estão refreando suas decisões por falta de informações ASG consistentes, comparáveis e críveis. Para ele, a falta de padronização das divulgações é fator de custo e a recusa em prestar informações ASG pode resultar em aumento do custo de capital.[7]
Se ainda restar dúvida sobre a relevância de haver regras para a divulgação mandatória de informações ASG (de forma consistente, comparável e crível), vale ler o relatório “Troubled Waters” da BlackRockde julho de 2020 sobre escassez hídrica e riscos financeiros ao portfólio.
Se riscos ambientais eram usualmente subestimados ou sequer considerados, hoje, investidores querem (e devem) entender quais riscos ambientais podem impactar seu portfólio, suas chances de materialização e impactos diretos e indiretos. Sem informações ASG consistentes, comparáveis e críveis guiadas por regulação é impossível tomar decisão informada.[8]
Por isso, batemos palmas à CVM pela iniciativa louvável de dar o primeiro passo rumo à atualização das informações ASG a serem divulgadas no formulário de referência (ICVM 480). Assim como a SEC, a CVM é competente e deve fazê-lo. Mas esperamos que a CVM não pare por aí e siga os passos da SEC, iniciando a fiscalização proativa das divulgações ASG, assegurando credibilidade dos dados e subsidiando decisões informadas para nossos investidores.
Mestre na área do Direito Ambiental, pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP – 2009. Formado em Direito pela PUC-SP, 1990. Atua, desde então, na área Ambiental – no setor privado, em empresas de consultoria técnica ambiental, e no setor público assessorando o então Deputado Federal Fabio Feldmann e como Ouvidor da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Participando de diversos colegiados, foi Coordenador da IBDE, do CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados) e Vice-Coordenador do Grupo de Direito Ambiental da CCI. É membro do Conselho Concultivo de ONGs que atuam em pesquisa e educação socioambiental. ministrou aulas no Curso Superior de Gestão Ambiental para Tecnólogos, do Instituto Mauá de Tecnologia – IMT e professor convidado no Curso de Pós-Graduação em Gestão Ambiental da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP/SP.
Werner Grau
Formado em Direito pela USP. Especialista em Direito Ambiental (2003), Mestre em Direito Internacional (2006) e Doutor em Direito Tributário pela USP. Graduado pela Fundação Instituto de Administração no curso Responsabilidade Social no Terceiro Setor, em 2007. Professor em cursos de pós-graduação e sócio em Pinheiro Neto Advogados.
Roberta Leonhardt entrevista Ana Leite Bastos, CEO da Amata S.A. sobre como empreender com inovação no mercado florestal.
A Amata é uma empresa brasileira, com 15 anos de história, que nasceu com o propósito de manter as florestas em pé. Comprometida com as melhores práticas e conectada com as mais inovadores tendências do mercado, a Amata traz para o setor da construção civil a madeira engenheirada, sendo pioneira da tecnologia em larga escala no país. A marca Urbem chega ao mercado impulsionada pela nossa convicção de usar a força da floresta para construir, hoje, as cidades do futuro. Um propósito alicerçado em um material robusto, versátil, inovador e sustentável: a madeira engenheirada.
Ana Toni – Diretora Executiva no Instituto Clima e Sociedade (ICS)
Ana Toni é economista e doutora em Ciência Política, atualmente diretora executiva do Institute for Climate and Society (iCS). Ana é Co-Fundadora da GIP (Gestão de Interesse Público). Foi Presidente do Conselho do Greenpeace International entre 2010 e 2017.
Ana tem uma longa trajetória atuando nas áreas de defesa de políticas públicas, meio ambiente e mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e filantropia. Foi membro do Conselho de várias organizações, como GIFE Brasil, WINGS, ITS e Wikimedia Foundation. Atualmente, é membro da Rede Brasileira de Mulheres para a Rede de Sustentabilidade e Membro do Conselho da Agência Pública, Fundação Padrão Ouro, ClimaInfo, Instituto República, Transparência Internacional e IPAM.
Fabio Alperowitch – Gerente de Portfólio, FAMA Investimentos
Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), com cursos de extensão na Universidade da Califórnia (Berkeley) e na Harvard Kennedy School.
Iniciou sua carreira na Procter & Gamble e fundou a FAMA Investimentos em 1993, onde é responsável pela gestão do fundo de ações de empresas brasileiras, focado em companhias com responsabilidade social e aderentes às boas práticas de ESG. Desde o início, o fundo gerido pela FAMA Investimentos acumula um retorno de 21% ao ano. A FAMA Investimentos é certificada como “B Corp”.
No terceiro setor, é diretor do Instituto FAMA, do Instituto Brasil Israel, do Instituto Totós da Teté, conselheiro da WWF Brasil, da GRI Brasil do Capitalismo Consciente Brasil e do Museu Judaico. É também membro do grupo de trabalho do TNFD.
Foi membro do Conselho de Administração de diversas companhias de capital aberto. Possui a certificação CFA – Chartered Financial Analyst.
As questões relacionadas à economia sustentável, contidas na sigla ESG (Environmental, Social and Governance), têm se refletido em todos os setores.
Cada vez mais os padrões ESG revelam-se para além de apenas linhas de tendência passageira, mas sim critérios firmes que vieram para integrar os negócios, a princípio, como fatores de diferenciação, mas, posteriormente, como fatores a serem obrigatoriamente observados. Com isso, vemos uma progressiva onda de investidores analisando as empresas que pretendem investir com base na análise de iniciativas e compromissos ambientais, de governança e questões sociais.
Os padrões ESG são bons indicadores de risco, na medida em que revelam aos investidores que os riscos associados aos negócios ultrapassam aqueles tradicionais, refletindo em oportunidades para todas as empresas e investidores credenciados para o investimento socialmente responsável, buscando criar diretrizes para retornos financeiros compatíveis com as questões ambientais e sociais.
Nos últimos anos, pesquisas indicam que os investimentos que atendem aos padrões ESG podem melhorar a gestão de risco e produzir resultados superiores aos investimentos mais tradicionais. O aumento da atenção aos tópicos ESG indica que os valores ambientais e sociais influenciarão cada vez mais as escolhas de investidores e consumidores.[1]
Desejos temporários podem dotar muitos produtos e serviços de poder utilitário, que a longo prazo se mostram insustentáveis. Levando em consideração os princípios de operação sustentável da empresa e os objetivos de continuidade do negócio, os lucros de curto prazo podem não ser os mais interessantes, tendo em vista que, embora apresentem um retorno rápido, nem sempre se traduzem em resultados duradouros ou consistentes, logo, sustentáveis. Nesse contexto, o desenvolvimento sustentável não é mais uma quimera para sonhadores, mas um princípio para pessoas cuidadosas que entendem o convívio social, o retorno à sociedade e os negócios verdadeiramente sustentáveis.[2] Além disso, emissores e instituições financeiras também estão reduzindo as estratégias de curto prazo, especialmente por meio da adoção de padrões ESG, como forma de oportunizar a sustentabilidade dos retornos de longo prazo.
O investimento responsável relaciona-se, também, a uma questão de continuidade. Cada vez mais entendemos que as preocupações com as implicações sociais, ambientais e de governança impactam diretamente os resultados da empresa, e as empresas que prestam atenção a essas questões tendem a buscar maior eficiência e estabelecer relacionamentos fortes e duradouros com as partes interessadas, situações que estão diretamente relacionadas ao sucesso e à lucratividade.[3]
Em todo o mundo, notamos que os padrões ESG estão recebendo cada vez mais atenção. Com a migração intergeracional de capital, espera-se que até 30 trilhões de dólares de investimento sejam injetados nessa categoria. De acordo com o Principle of Responsible Investment (UnPRI), a atenção é dada principalmente por instituições e investidores de alto patrimônio líquido.[4] A economia e o mercado já mostraram as consequências geradas às empresas que não se atualizam, sendo este o fim para empresas predatórias, pois sua eficiência será cada vez mais questionada. Os padrões ESG são as considerações atuais mais modernas e eficazes sobre ações, resultados e consequências no ambiente corporativo. Nesse sentido, empresas que focam apenas no lucro imediato de curto prazo podem prejudicar a sua avaliação no mercado.
O Brasil é tido com uma grande potência para investimentos ESG no mundo, especialmente em relação ao mercado de carbono devido às suas notáveis riquezas naturais. Apesar dos avanços na tentativa de regulamentação ESG, a definição, adoção e divulgação de standards mínimos para análise de investimentos ainda se encontram em fase embrionária. Portanto, como a demanda dos investidores por produtos de investimento relacionados à ESG continua a crescer, e para atender às tendências de desenvolvimento internacional, o fortalecimento e a melhoria da regulamentação dos tópicos ESG no Brasil tornaram-se importantes pontos de preocupação doméstica.[5] Nesse sentido, há um movimento crescente de grandes empresas para criar um marco regulatório para o mercado de investimentos ESG, com especial destaque para o mercado de carbono no país. No entanto, o governo ainda não implementou um mercado regulado, como alguns estados da União Europeia, China e Estados Unidos.
A título de exemplo, destacamos as medidas tomadas pela União Europeia, que se encontra em uma fase mais avançada do processo e têm formulado extensas regulamentações que exigem o acompanhamento do desempenho da empresa nas variáveis ESG, bem como a transparência dos resultados, de forma a orientar melhor os investidores na hora de investir nas empresas. Verbi gratia, em 2020, a União Europeia introduziu a “taxonomia”, uma ferramenta que classifica as atividades econômicas com base na sustentabilidade para ajudar as empresas na transição para práticas mais sustentáveis e eficientes, ao mesmo tempo em que fornece aos investidores uma análise mais abrangente. Essas ações põem-se como modelo para o mercado brasileiro que pode se adaptar gradativamente às medidas já adotadas no exterior.[6]
De acordo com Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), “O carbono será a nova commodity global em breve e o Brasil tem vantagens competitivas importantes nesse mercado, uma vez que a Amazônia representa um ‘pré-sal’ de carbono. […] Precisamos nos organizar desde já para garantir uma liderança no mercado global de carbono, que poderá se concretizar a partir da COP26 (Conferência do Clima da ONU)”.[7]
A crescente adoção em países desenvolvidos e a implementação no Brasil, por meio das ações pioneiras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capital (Anbima), inicialmente garantiu que os padrões ESG fizessem parte das considerações regulatórias do mercado de capitais no Brasil, suportado por muitas empresas de gestão e players do mercado.[8]
Na última COP, o Brasil foi considerado um dos países com menos impacto positivo,[9] já que uma das agendas mais relevantes a se considerar ao analisar o andamento dos fatores ESG do Brasil, o marco regulatório do mercado financeiro sustentável, não havia caminhado no país. As principais agências reguladoras, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e a CVM têm desempenhado um papel cada vez mais importante na promoção dos valores ESG, e têm adotado medidas importantes para destacar a relevância do tema no mercado.
É importante lembrar que a regulação do setor financeiro é um dos pilares do arcabouço legal e regulatório que promove o movimento ESG. Outras iniciativas e legislações, como as de direitos humanos, proteção do trabalho, regulamentação ambiental e setorial, também são fundamentais para o andamento do processo. Vale ressaltar também que o Brasil assumiu acordos internacionais, como o Acordo de Paris e a Agenda 2030, bem como compromissos para enfrentar as mudanças climáticas e promover o desenvolvimento sustentável. Portanto, o país vem ajustando seu arcabouço legal para promover tais iniciativas e deve continuar a incorporar novas legislações nesse sentido nos próximos anos.[10]
Nessa onda de regulação e tentativa de criação de um marco regulatório para o setor de investimentos ESG, temos algumas iniciativas, como as consultas públicas do Bacen (Banco Central) e da CVM. Do CMN destacamos a Resolução nº 4.557/17,[11] que dispõe sobre a estrutura para gerenciamento integrado de riscos e o gerenciamento de capital das instituições financeiras que deve identificar, mensurar, avaliar, monitorar, reportar, controlar e mitigar o risco socioambiental; e a Resolução nº 4.327/14,[12] que requer que instituições financeiras possuam uma Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA).
Da CVM podemos destacar a Instrução nº 586/17,[13] que solicita às empresas que publiquem informação sobre adesão às “práticas de governança corporativa, segundo o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)”; e a Instrução nº 556/15,[14] que requer a obrigatoriedade de apresentação de informações a respeito dos impactos ao meio ambiente e governança corporativa.
Além disso, em uma tentativa de criação do marco regulatório de investimentos verdes, a CVM abriu a Consulta Pública SDM nº 09/2020,[15] encerrada no dia 8 de março de 2021, cujo objeto era “Alterações da Instrução CVM nº 480 com objetivo de reduzir o custo de observância e de aprimorar o regime informacional dos emissores de valores mobiliários com a inclusão de informações que reflitam aspectos sociais, ambientais e de governança corporativa”. A consulta objetivou, dentre outros, o recebimento de sugestões de alterações da Instrução CVM nº 480 que abordassem a inclusão de informações sobre aspectos climáticos e de fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) nos formulários de referência das companhias abertas brasileiras. A divulgação dessas informações pelas empresas é uma tendência no mercado mundial e uma importante ferramenta de transparência para que as decisões de investimento levem em consideração os riscos financeiros climáticos.
Ademais, vale destacar que, na audiência pública 09/2020, a CVM afirmou que deveria dar mais atenção à iniciativa “relatar ou explicar”, que exige que as empresas apresentem relatórios de suas respectivas áreas de atuação, demonstrando a conformidade com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).[16]
Existem também iniciativas voluntárias de compliance para complementar o sistema regulatório. A B3 (Bolsa de Valores do Brasil), assim como associações e federações, como a Federação dos Bancos Brasileiros (Febraban), emitiu normas e diretrizes para orientação interna e das instituições financeiras. Dentre elas, destacamos pela B3 (i) o Mercado de Capitais e ODS/2018: foi desenvolvido pela B3 em parceria com a CVM, a GRI (Global Reporting Initiative) e a Rede Brasil do Pacto Global. É um guia para tornar mais prática e consistente a divulgação de informações ESG e (ii) o Guia de Sustentabilidade para as empresas, que contém orientações de sustentabilidade sobre a oportunidade de negócios no setor de intermediação.[17] Pela Febraban temos (i) a Régua de Sensibilidade ao Risco e Guia/2019: ferramenta para análise da exposição de carteiras de crédito de bancos a riscos climáticos; (ii) o Guia de Emissão de Títulos Verdes no Brasil/2016, que orienta interessados sobre o processo de emissão de títulos verdes e (iii) a Sustentabilidade nas Empresas/2016: guia que incorpora indicadores de sustentabilidade internacionais propostos por entidades internacionais na análise de empresas.[18]
Existem, ainda, iniciativas mais tímidas de regulação do mercado de investimentos sustentáveis e mercado de carbono no Brasil, como o projeto Floresta +, Floresta + Carbono,[19] a Lei de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) e a PEC da Emergência Climática.[20]
A título de elucidação, trazemos o exemplo do projeto Floresta+ e o PSA. Ergue-se, em âmbito federal, a normatização de um instrumento inédito fabricado no seio do chamado Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, também denominado Programa Floresta +, instituído pelo Ministério de Meio Ambiente (MMA), através da Portaria nº 288/20, programa que atende ao disposto no art. 41, I, do Código Florestal[21] e cria um mercado voluntário de serviços ambientais.[22]
Impera destacar que o PSA configura tipologia econômica de gestão ambiental, que objetiva solucionar problemas regionais atinentes ao meio ambiente a partir do fomento do “mercado privado de pagamentos por serviços ambientais em áreas mantidas com cobertura de vegetação nativa”, bem como da articulação de “políticas públicas de conservação e proteção da vegetação nativa e de mudança do clima” (art. 2º, II).[23]_[24]
Destaca-se que, dentre os objetivos do Programa Floresta +, estão o estabelecimento de “parcerias com órgãos e entidades, públicos ou privados, nacionais ou internacionais, com vistas a apoiar projetos de pagamentos por serviços ambientais”; o fomento a acordos setoriais visando à geração de demanda por serviços ambientais e a implementação do “projeto piloto de pagamentos por serviços ambientais “Floresta+” na Amazônia Legal, com recursos provenientes de Pagamentos por resultados de REDD+ (redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal)”,[25] cabendo à Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente a articulação de parcerias com os diversos órgãos e a definição de prazos e condições do programa.[26]
Juntas, essas medidas constituem uma estrutura regulatória que orienta as instituições financeiras no caminho de integração de valores e práticas ESG. Acreditamos que estas regulamentações, ainda que esparsas, sejam um bom ponto de partida para o desenvolvimento ESG no Brasil, especialmente para a adoção de diretrizes mais orientadas para as práticas internacionais atinentes à criação de um marco regulatório para a matéria. Até mesmo porque a expansão das regulamentações que estabelecem padrões regulatórios e definem os valores defendidos pelos reguladores proporcionará aos investidores informações mais relevantes para a formulação de estratégias. Outra sugestão é que intuições relevantes possam divulgar diretrizes que são complementares às resoluções existentes para garantir que a avaliação das variáveis ESG e a divulgação dessas informações sejam conduzidas de forma estruturada e para promover o melhor entendimento do investidor.
Dessa forma, acreditamos que expandir a estrutura regulatória com orientações práticas será um passo positivo. Além disso, é importante que os órgãos reguladores estejam preparados para adotar padrões adequados de regulação. Portanto, ainda que a passos lentos, vemos que, até mesmo por pressão mercadológica, o marco legal de investimentos ESG é um passo iminente no Brasil e não mera utopia.
[1] GUNNAR FRIEDE, Timo Bush; BASSEN, Alexander. ESG and financial performance: aggregated evidence from more than 2000 empirical studies. Journal of Sustainable Finance & Investment, London, v. 5, nº 4, p. 210-233, dez. 2015. p. 215.
[2] BLACKROCK INVESTMENT INSTITUTE. Sustainability: the future of investing. Global Insights, fev. 2019. p. 7.
[3] CLIMATE BONDS INICIATIVE. Oportunidades de investimento em infraestrutura verde: Brasil 2019. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Brasília, 2019. p. 6.
[4] QUEIROZ, Caroina; WATANABE, Cyntia. A nova face dos negócios – o impacto do ESG no ambiente empresarial, no consumo e nas finanças. Revista Veja, São Paulo, 19 abr. 2021.
[5] BOFFO, R.; R. Patalano. ESG Investing: Practices, Progress and Challenges. OECD: Paris, 2020.
[6] CUTANDA, Blanca Lozano; BERROCAL, Eduardo Orteu; COBOS, Carlos Vázquez. El Reglamento de la Unión Europea sobre el marco para las inversiones financieras sostenibles. Reglamento de Taxonomía, 26 jun. 2020.
[7] CAETANO, Rodrigo. Entrevista com Marina Grossi: Grandes empresas buscam criar marco regulatório para o mercado de carbono. Exame Invest, São Paulo, 26 out. 2020.
[8] ANBIMA. Mercado de capitais
[9] O Brasil ganhou, pela primeira vez, o prêmio Fóssil do Ano. O “prêmio”, organizado pela Climate Action Network International em parceria com outras ONGs, é atribuído, nos dias da Conferência, aos países que menos colaboraram com as negociações ambientais (CLIMATE ACTION NETWORK INTERNATIONAL, 2019).
[10] SACHS, Jeffrey D. et al. Why is green finance important? ADBI Working Paper 917, Tokyo, jan. 2019.
[11] BRASIL. Resolução nº 4.557, de 23 de fevereiro de 2017. Dispõe sobre a estrutura de gerenciamento de capital. Diário Oficial da União, Brasília, 01 mar. 2017.
[12] BRASIL. Resolução nº 4.327, de 25 de abril de 2014. Ementa. Diário Oficial da União, Brasília, 28 abr. 2014.
[13] BRASIL. Instrução CVM nº 586, de 08 de junho de 2017. Altera e acrescenta dispositivos à Instrução CVM nº 480/2009. Diário Oficial da União, Brasília, 09 jun. 2017.
[14] BRASIL. Instrução CVM nº 556, de 22 de janeiro de 2015. Altera dispositivos da Instrução 265/97. Diário Oficial da União, Brasília, 23 jan. 2015.
[15] BRASIL. Audiência Pública SDM 09/20. Comissão de Valores Mobiliários, Brasília, 08 mar. 2021.
[16] Idem.
[17] BRASIL. Princípios para infraestruturas do mercado financeiro: divulgação de informações da B3. Brasil Bolsa Balcão, São Paulo, mar. 2020.
[18] KNOCH, Matthias et al. O mercado emergente de finanças verdes no Brasil. Deutsche Gesellschaft Für Internationale Zusammenarbeit (Giz) Gmbh, Brasília, jun. 2020.
[19] “[…] prevê a geração de créditos de carbono por meio da conservação e recuperação da vegetação nativa” (BRASIL, 2020a).
[20] PL nº 3961/20: “coloca o Brasil em estado de emergência climática até que ações para reduzir o impacto da atividade humana no clima deixem de ser urgentes e necessárias. Em análise na Câmara dos Deputados, o texto proíbe o governo brasileiro de, durante a situação de emergência, remanejar recursos orçamentários que se destinem à proteção ambiental, ao combate ao desmatamento e à reversão das mudanças climáticas provocadas pelo homem” (BRASIL, 2020b).
[21] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente instituiu o Programa Floresta +. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 03 jul. 2020. Preservação.
[22] GARCIA, J; ROMEIRO, A. R. Pagamento por serviços ambientais em Extrema, Minas Gerais: avanços e limitações. Revista Iberoamericana de Economía Ecológica, Rio de Janeiro, v. 29, nº 1, p. 11-32, 2019.
[23] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 288, de 02 de julho de 2020. Ementa. Diário Oficial da União, Brasília, 03 jul. 2020.
[24] NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamento por serviços ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012. p. 69.
[25] BRASIL. Projeto piloto Floresta + Amazônia. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2020. p. 2.
[26] Idem.
REFERÊNCIAS
BLACKROCK INVESTMENT INSTITUTE. Sustainability: the future of investing. Global Insights, fev. 2019.
BRASIL. Audiência Pública SDM 09/20. Comissão de Valores Mobiliários, Brasília, 08 mar. 2021.
BRASIL. Floresta + Carbono incentiva conservação de vegetação nativa. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 02 out. 2020a.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente instituiu o Programa Floresta+. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 03 jul. 2020. Preservação.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria nº 288, de 02 de julho de 2020. Ementa. Diário Oficial da União, Brasília, 03 jul. 2020.
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BRASIL. Projeto piloto Floresta + Amazônia. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2020.
BRASIL. Projeto reconhece estado de emergência climática no Brasil. Câmara dos Deputados, Brasília, 30 jul. 2020b. Meio Ambiente e Energia.
BRASIL. Resolução nº 4.327, de 25 de abril de 2014. Ementa. Diário Oficial da União, Brasília, 28 abr. 2014.
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BOFFO, R.; R. Patalano. ESG Investing: Practices, Progress and Challenges. OECD: Paris, 2020.
CAETANO, Rodrigo. Entrevista com Marina Grossi: Grandes empresas buscam criar marco regulatório para o mercado de carbono. Exame Invest, São Paulo, 26 out. 2020.
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QUEIROZ, Caroina; WATANABE, Cyntia. A nova face dos negócios – o impacto do ESG no ambiente empresarial, no consumo e nas finanças. Revista Veja, São Paulo, 19 abr. 2021.
SACHS, Jeffrey D. et al. Why is green finance important? ADBI Working Paper 917, Tokyo, jan. 2019.
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Quando a luz dos olhos meus E a luz dos olhos teus Resolvem se encontrar…
Essa canção escrita por Tom Jobim e Miúcha, considerada por muitos um dos clássicos da MPB, é um belo descritivo do flerte que precede todas as relações. Sejam elas pessoais, afetivas, sejam elas virtuais, corporativas, enfim, relacionamentos humanos.
Um flerte poético como o da canção envolve olhares, provocações, promessas e alguns lará-larás para atrair seu alvo e mesmo assim não sabemos se a relação irá incendiar e mais ainda se irá prosperar e até casar, como entoa a canção.
No mundo corporativo esse “flerte” precisa ser mais certeiro, a empresa já não pode esperar e por isso quando falamos em atração de talentos atualmente, traçamos as competências técnicas necessárias para a vaga e ao mesmo tempo define-se quais as características de comportamento e valores o profissional deve ter.
Se de um lado, temos a necessidade da empresa em acelerar os processos seletivos, por outro temos o propósito de carreira do profissional que, idealmente, precisa estar alinhado com a conduta da empresa que flerta com ele. Sendo assim, é extremamente necessário que o novo talento, ou melhor que o novo recurso humano, da companhia também olhe, analise, averigue suas atividades, as expectativas do cargo que ocupará, os desafios da função, além de entender se o propósito corporativo da empresa e do mercado sob a luz dos olhos teus dá “liga” com os seus objetivos profissionais, garantindo que essa nova relação seja mais duradoura e com bons resultados desse encontro, que poderá culminar em um casamento de longo prazo.
Vale enfatizar que os valores corporativos não são aqueles fixados nas paredes e murais das empresas, mas sim os vivenciados pelos colaboradores da companhia. Vemos nos mais diferentes setores, organizações que são lindas em seus conceitos organizacionais e que na prática estão a quilômetros de distância dos mesmos. Este tipo de discrepância desestimula, enfraquece e adoece as relações entre a empresa e sua força de trabalho. O maior orgulho de um colaborador é sentir-se parte de uma organização que possui valores bem fundamentados e que os pratica no dia a dia, aumentando a admiração, o senso de pertencimento e fazendo valer os versos da melodia imortalizada na voz do poeta Vinicius de Moraes, em 1976: “Que a luz dos olhos meus já não pode esperar, quero a luz dos olhos meus, na luz dos olhos teus sem mais lará-lará”.
Por Eduardo de Campos Ferreira e Roberta Danelon Leonhardt
Os conceitos do desenvolvimento sustentável há muito tempo são discutidos no âmbito internacional. Primeiramente registrados no relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Brundtland, no final da década de 80, seus objetivos mantêm-se atuais até hoje.
Nessa mesma década passou-se a ser discutida a constatação de que o desenvolvimento de uma nova tecnologia em determinado lugar pode – e possivelmente irá – gerar preocupações e consequências para todo o mundo. A comunidade científica volta-se à nova premissa de que os riscos das atividades potencialmente poluidoras podem alcançar todo o planeta.
Tais correntes de pensamento se cruzam e o reconhecimento da comunidade política internacional quanto à necessidade de se conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a utilização dos recursos da natureza foi sedimentado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra. Finalmente os países passaram a efetivamente desenvolver políticas e ações concretas para proteger o meio ambiente.
O tema desenvolvimento sustentável talvez nunca perca a atualidade, mas, sem dúvida, sofre transformação e sua aplicação vem sendo aprimorada. Anos após, em 2015, a Organização das Nações Unidas (“ONU”) propôs uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, a chamada Agenda 2030, composta pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (“ODS”)[3]. Trata-se de um esforço conjunto de países, setor privado, instituições e sociedade civil visando adotar medidas concretas de efetivação de direitos humanos, de combate às mudanças climáticas, de igualdade de gênero e combate à discriminação de qualquer natureza, dentro outros aspectos relevantes do desenvolvimento humano como sociedade contemporânea. Os ODS são objetivos mundiais de práticas socioambientais sustentáveis para que os impactos da sobrevivência humana não se tornem cada vez mais insustentáveis.
Entre os dias 21 e 25 de junho de 2021, foi realizado o Fórum Ministerial dos Diálogos em Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia[4], reunião global preparatória às discussões agendadas pela ONU sobre a temática enérgica, a ser realizada em setembro deste ano[5].
Em sua participação no Fórum Ministerial, os representantes do Brasil apresentaram dois pactos governamentais para o setor de energético (energy compact), com compromissos do Poder Público brasileiro ao cumprimento das metas previstas no ODS 7[6] que se relaciona às medidas para acesso universal a fontes de geração de energia limpas.
Em relação à redução da intensidade de uso da matriz de transporte baseada em combustíveis fósseis, foram apresentados os mecanismos relacionados à Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída pela Lei Federal nº 13.576/2017, a qual representa um dos mecanismos para cumprir os compromissos de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris firmado na 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
O objetivo principal da RenovaBio é tornar a matriz energética brasileira mais limpa, aumentando a participação dos biocombustíveis, como etanol, biodiesel, biogás, biometano e bioquerosene, e, consequentemente, reduzindo a utilização de combustíveis fósseis.
A RenovaBio estabelece instrumentos para sua efetiva implantação, incluindo, por exemplo, incentivos fiscais, metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e instituição dos Créditos de Descarbonização – CBIOs.
A lei prevê que os CBIOs serão utilizados como mecanismo para comprovação de cumprimento das metas individuais anuais de redução de gases causadores de efeito estufa pelos distribuidores de combustíveis. Destaque-se que essas metas individuais anuais serão calculadas proporcionalmente à participação de mercado de cada distribuidor na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior. Temos notado o interesse do setor energético pela crescente substituição de seus combustíveis, notadamente para implementação efetiva do mercado de CBIOs.
O Brasil também apresentou no Fórum Ministerial o projeto de pacto energético sobre hidrogênio, que pretende consolidar a economia do chamado hidrogênio verde no país – mercado que tem apresentado crescente interesse no cenário mundial, visto como ferramenta relevante para a transição energética de redução de uso dos combustíveis fósseis para uma economia de baixo carbono.
Em 17 de maio de 2021, foi publicado Despacho em que foi determinado ao Ministério de Minas e Energia, em cooperação com os Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovações e do Desenvolvimento Regional, que apresente ao Conselho Nacional de Política Energética – CNPE a proposta para diretrizes do Programa Nacional de Hidrogênio, destacada a importância do hidrogênio para a adoção de matrizes energéticas de baixo carbono.
O Despacho destaca a intenção do Brasil de liderar as discussões para a transição das fontes de energia para redução do uso de carbono no âmbito dos Diálogos em Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia. É esperado que a proposta de Programa Nacional de Hidrogênio seja apresentada até o final de 2021.
Acredita-se que há potencial significativo do Brasil para o mercado de hidrogênio verde, o qual pode ser identificado, por exemplo, nas iniciativas dos Estados de Pernambuco[7] e do Ceará[8] para o desenvolvimento concreto de atividades de produção de hidrogênio verde.
Ações voltadas à materialização do RenovaBio e do promissor mercado de hidrogênio verde bem demonstram a preocupação global com a adoção de medidas concretas de implementação dos ODS e da Agenda 2030, com ações que mitiguem os impactos socioambientais da atual sociedade de risco e consequente redução da pressão das atividades humanas no planeta.
[1] Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (“PUC/SP”). Especializado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica de Sustentabilidade pela PUC/SP – COGEAE. Sócio da área ambiental de Machado Meyer Advogados.
[2] Mestre em Direito Internacional na London School of Economics and Political Science, Reino Unido. Pós-graduada em Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo. Sócia e head da área ambiental de Machado Meyer Advogados
TÍTULOS ROTULADOS – DIFERENTES FORMATOS; DIFERENTES IMPACTOS
O que são investimentos sustentáveis?
A temática ESG tem servido como impulso para acelerar o desenvolvimento sustentável, que busca “satisfazer as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.[1]
A abordagem ESG pressupõe a avaliação de negócios, empresas, instituições e até mesmo países não somente do ponto de vista econômico, mas também de acordo com indicadores ambientais, sociais e de governança. Trata-se de novo modelo de gestão estratégica que visa atender demandas dos diversos públicos de relacionamento, buscando a geração de valor não apenas aos acionistas, mas também aos demais stakeholders, que incluem consumidores, comunidades, governo e empregados. Além de contribuírem para uma sociedade mais ética saudável e justa, boas práticas de ESG estão relacionadas a diversos benefícios, como mitigação de riscos, melhor capacidade de inovação e adaptação, redução de custos, boa imagem perante o público, atração de talentos da nova geração e resiliência para cenários adversos.
O investimento sustentável (ou investimento responsável) é entendido como a integração dos aspectos ESG nos fatores centrais de atuação das organizações e na avaliação de financiamento por parte dos investidores. Esses aspectos incluem uma série de itens que tradicionalmente não fariam parte de análise financeira das companhias e dos projetos, designando, desse modo, uma ideia mais ampla de geração de valor. Entre as métricas mais comumente usadas na estruturação de investimentos sustentáveis, destacam-se:
Ambiental
Gerenciamento adequado de resíduos
Gestão eficiente de água, energia limpa e outros recursos
Emissão de gases poluentes
Desmatamento
Biodiversidade
Social
Efetivação de direitos trabalhistas e de segurança do trabalho
Atração e retenção de talentos
Bem-estar dos empregados
Incentivo à diversidade e proteção de gênero
Direitos humanos e impactos positivos na sociedade
Proteção de dados e privacidade
Governança
Práticas transparentes de governança corporativa
Compliance e promoção de valores éticos na condução dos negócios
Composição do conselho de administração
Relação com entidades do governo e políticos
O investimento responsável pode ser instrumentalizado a partir da destinação de recursos disponíveis no mercado financeiro para empresas que implementam ESG em suas atividades e que estão em compliance como uma série de recomendações das entidades internacionais que estabelecem padrões de sustentabilidade.
O que são títulos temáticos e quais suas principais vantagens?
Os títulos temáticos (ou títulos rotulados) são instrumentos financeiros de captação voltados para projetos, ativos ou organizações que apresentem benefícios ambientais e/ou sociais verificáveis e mensuráveis, e contem com avaliações externas para confirmar tais benefícios.
Os títulos temáticos produtos financeiros de mercado de capitais, instrumentos de crédito e financiamento bancários e produtos estruturados vinculados à temática ambiental ou social, incluindo os títulos verdes(nas suas modalidades locais de debêntures verdes e internacionais de green bonds), os títulos sociais, os títulos sustentáveis, os títulos de transiçãoe os títulos de sustentabilidade corporativa (sustainability-linked bonds).
Alguns exemplos de títulos temáticos recentes no Brasil são:
Títulos Verdes:
São aqueles em que a destinação dos recursos é atrelada a projetos ou ativos que proporcionem benefícios ambientais
Alguns exemplos:
Green Bonds BRF (2015; €500 milhões)
Debêntures Verdes Neoenergia (2019 e 2020; R$1,3 bilhão e R$300 milhões)
Debêntures Verdes Irani (2019 e 2021; R$505 milhões e R$60 milhões)
Debêntures Verdes Isa CTEEP (2018 e 2020; R$621 milhões e R$1,6 bilhão)
São aqueles em que a destinação dos recursos é atrelada a projetos que visem mitigar problemas sociais, desigualdade de renda e educação, comunidades afetadas ou direitos humanos
Alguns exemplos:
Debêntures Sociais Vivenda (2018; R$1,05 milhão) – reformas de baixo custo e condições facilitadas de financiamento para 8 mil habitações populares
A/B Loan Banco Daycoval: (2021; R$400 milhões) – crédito para pequenas e médias empresas lideradas por mulheres em regiões de baixo desenvolvimento social
Títulos Sustentáveis:
São aqueles em que os recursos são direcionados a projetos que apresentem tanto ganhos ambientais quanto benefícios sociais
Exemplo:
Debentures Iguá Saneamento (2020; R$48 milhões e R$120 milhões) – otimização e redução das perdas do sistema de água e de universalização da coleta e tratamento de esgoto de Paranaguá – PR; ampliação do abastecimento, tratamento e distribuição de água e de coleta e tratamento de esgoto de Cuiabá – MT
Títulos de Transição:
São aqueles em que os recursos são direcionados a projetos que não apresentam um saldo efetivamente positivo do ponto de vista ambiental ou social, porém sinalizam uma melhoria na sustentabilidade em relação aos patamares históricos
Exemplo:
Debênture de Transição ENEVA (2020; R$168 milhões) – projetos relacionados à geração de energia térmica a gás natural, com potencial de redução de emissões a partir de aumento na eficiência energética e substituição de fontes mais carbono intensivas nos Estados do Maranhão e de Roraima
Títulos de Sustentabilidade Corporativa:
São aqueles em que os recursos não são direcionados a projetos específicos, mas podem ser usados livremente pela organização. Os títulos de sustentabilidade materializam compromissos de desempenho relacionados ao modelo de negócios da organização que representem benefícios ambientais ou sociais mensuráveis e atestados por verificador independente externo. Os títulos de sustentabilidade corporativa possuem mecanismos contratuais que visam premiar a organização pelo atingimento dos compromissos ESG, ou puni-la pelo seu não atingimento (como por exemplo, aumento ou redução na taxa de juros).
Alguns exemplos:
Suzano Sustainability-Linked Bonds (2020; US$750 milhões) – compromissos de redução de pelo menos 10,9% nas emissões de CO2 até 2025 – considerando a média de 2024 e 2025, em comparação com o ano de 2015.
Klabin Sustainability-Linked Bonds (2021; US$500 milhões) – compromissos de 16,7% de redução no consumo de água, 97,5% de reciclagem e reintrodução de 2 espécies em extinção
Natura Sustainability-Linked Bonds (2021; US$1 bilhão) – compromissos de: (i) reduzir emissão de gases de efeito estufa em 13% até 2026 e (ii) aumentar a reciclagem de embalagem pós-consumo até 2026.
Movida Sustainability-Linked Bonds (2021; US$500 milhões) – emissão de acordo com os “Sustainability Linked Bonds Principles”.
SIMPAR Sustainability-Linked Bonds (2021; US$450 milhões e US$625 milhões) – emissão de acordo com os “Sustainability Linked Bonds Principles”.
Como se vê, os títulos rotulados assumem os formatos mais variados, com diferentes públicos investidores, compromissos temáticos e metas ESG. Idealmente, ao emitirem títulos rotulados, as empresas deveriam assumir compromissos claros e ambiciosos, que causem impacto positivo relevante e estejam diretamente vinculados às externalidades causadas pelos seus modelos de negócio. Infelizmente, temos visto algumas emissões ditas “sustentáveis” que utilizam métricas e compromissos muito tímidos e não relacionadas diretamente ao core business da empresa.
Como se dá o processo de certificação externa?
O processo de certificação externa varia conforme se trate da avaliação da sustentabilidade de um projeto específico ou da avaliação corporativa do emissor. A qualificação de um projeto ou de uma organização para a estruturação de um título temático é feita por terceiros independentes, que pode consistir em parecer de segunda opinião, certificação, verificação ou atribuição de rating. A taxonomia e os critérios de avaliação seguem determinados padrões internacionais, que podem variar de acordo com o setor, a jurisdição e a entidade regulamentadora. Atualmente, os padrões de maior credibilidade internacional utilizados nos títulos temáticos são aqueles determinados pela International Capital Markets Association ou pela Climate Bonds Initiative (CBI).
Como o Machado Meyer pode ajudar?
Com o propósito de oferecer inteligência jurídica para negócios que transformam realidades, a prática ESG – Environmental, Social and Governance do Machado Meyer oferece consultoria jurídica de excelência, de forma integrada, em todos os assuntos relacionados à sustentabilidade corporativa. Com uma equipe multidisciplinar de sócios e associados, o Machado Meyer possui sólida experiência em temas jurídicos relacionados a meio ambiente, finanças sustentáveis, investimentos de impacto, gestão de pessoas, gestão de risco e governança corporativa. Em nosso grupo de Finanças Sustentáveis, oferecemos assessoria jurídica para investimentos ASG e a criação e negociação de instrumentos financeiros sustentáveis que promovem o desenvolvimento sustentável no Brasil.
Estamos prontos para assessorar nossos clientes, tomadores e investidores, na identificação, formatação, preparação, negociação e execução de estruturas de captação e de investimentos para atividades sustentáveis, incluindo emissão de títulos de dívida locais e internacionais (incluindo bonds, debêntures incentivadas, CRIs, CRAs e outros produtos de mercados de capitais), assim como financiamentos bancários, empréstimos com multilaterais e outras estruturas inovadoras de financiamento estruturado.
Também auxiliamos no mapeamento e gestão de riscos e oportunidades relacionadas a aspectos ambientais, sociais e de governança. Ao mesmo tempo em que são altamente técnicas e seguras, nossas recomendações são pragmáticas e alinhadas com o propósito de negócios e apetite ao risco dos nossos clientes.
Os patrimônios culturais nacionais nascem, no Ocidente, com o surgimento do Estado-Nação, no final do século XVIII e início do século XIX. Em uma fórmula breve, o Estado-Nação consiste na coincidência entre uma coletividade social e culturalmente característica (Nação) a somente uma entidade político-administrativa soberana em um território determinado (Estado). Ainda mais brevemente, a cada Nação, um Estado[1].
Coube, então, a cada Estado-Nação “criar” as suas próprias instituições, muitas vezes aproveitando os nomes das mais antigas, mas dando-lhes nova roupagem. Urgia, ainda, “inventar” cada uma das “nações” surgidas[2]. Pois bem, assim como apareceram “senados” que, além do nome, pouco tinham a ver com o romano, nacionalidades foram delineadas, pouco a pouco. Os patrimônios culturais nacionais, entre outras novidades, fizeram parte desta última tarefa.
No Brasil, foram artistas e escritores que primeiro se encarregaram da escolha de uma representação simbólica da nacionalidade brasileira nas figuras de índios que, de um modo ou de outro, sofrem nas mãos dos colonizadores, vistos como estrangeiros. Isso é particularmente evidente no romance indianista Iracema, de José de Alencar, no qual a protagonista é sempre ligada à terra, enquanto Martim, pai do seu filho, se mostra frequentemente saudoso de Portugal. Outras escolhas de representações simbólicas da nacionalidade se seguiram[3].
A construção de um patrimônio cultural brasileiro, entendido como um conjunto de bens culturais referentes à nacionalidade, porém, só veio a lume na década de 1930; e não foi obra de artistas e escritores, foi obra do Estado, que, com a instituição do “tombamento” de bens culturais materiais, inaugurou uma diferenciação entre os bens culturais em geral, antes inexistente, distinguindo os que se podem usar e fazer circular sem peias e os que, tendo sido tombados e, com isso, admitidos ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – nome então dado ao patrimônio cultural do Brasil -, só o podem com restrições. Essa distinção afastou, durante muito tempo, os bens culturais integrantes do patrimônio cultural brasileiro do mundo comercial e empresarial em geral.
No início da década de 1960, com a sobrevinda da legislação de proteção aos sítios arqueológicos e às peças que contêm, esses bens culturais, que, à sua maneira, também portam referência à nacionalidade, passaram a ser especialmente protegidos, independentemente de tombamento.
Essa extensão do âmbito do patrimônio cultural do Brasil para além do universo restrito dos bens culturais tombados prosseguiu com o advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu que o Patrimônio Cultural Brasileiro é integrado não somente por bens tombados, mas por todos os “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
Pouco antes disso, em 1986, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente se encarregara de aproximar o mundo das empresas ao dos bens culturais através do meio ambiente, nos procedimentos de licenciamento ambiental, em que se exigia a avaliação do impacto de empreendimentos sobre bens do Patrimônio Cultural Brasileiro e a execução de programas destinados a mitigar ou compensar os impactos negativos. A superveniência da Constituição Federal de 1988 veio, então, no que toca a essa questão do licenciamento ambiental, especificar melhor do que é que se estava falando ao se tratar dos bens do Patrimônio Cultural Brasileiro.
Desse modo, e especialmente na execução de programas de mitigação e compensação durante os licenciamentos ambientais, alguns executores desses programas notaram que, em muitos casos, os bens culturais que eram objeto dos programas tinham relações diretas com a organização social de comunidades e com o ambiente natural – isto é, com a natureza – com que interagiam. Daí a que se chegasse a que ações similares às daqueles programas poderiam ser executadas com vistas à sustentabilidade, tout court, sem necessariamente estarem vinculadas a algum procedimento de licenciamento ambiental foi, nesta época de ESG[4], somente um passo e isso permitiu que se pudesse reunir, afinal, os ingredientes para o guisado empresa/cultura/natureza do título deste pequeno escrito. Apresenta-se, adiante, então, uma das muitas realizações possíveis do prato:
Em um município do litoral paulista, um empreendimento inclui na sua área de atuação um capão de mata atlântica, localizado em uma área de proteção permanente, que tem de ser preservado.
Por outro lado, as comunidades caiçaras locais utilizam madeiras nativas da mata atlântica, como a caxeta (tabebuia cassinoides) e o cedro (cedrela fissilis), para a confecção de canoas e instrumentos musicais.
Cada um fazendo a sua parte em um entendimento de regras e práticas de observância mútua, o empreendimento e as comunidades caiçaras locais não só preservam, por si, o capão de mata quanto impedem que outras pessoas o degradem: os caiçaras, retirando somente a madeira das árvores do capão de mata caídas naturalmente e, adicionalmente, nos períodos de vigilância das árvores que estão prestes a cair, “flagrando” eventuais degradadores do capão e dando conta disso aos responsáveis pelo empreendimento; quanto a estes últimos, isto é, os responsáveis pelo empreendimento, cuidando da manutenção do capão e encaminhando as denúncias de degradação das plantas e animais que abriga às autoridades competentes. Eis aí, prontinho, um bom guisado de empresa, cultura e natureza, não é mesmo?
[1] Para uma apresentação histórica do Estado-Nação, ver Hobsbawm, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
[2] Sobre isso, ver Anderson, B. Comunidades imaginadas. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.
[3] Sobre esse assunto, ver Fry, Peter. “Feijoada e “Soul Food”: notas sobre a manipulação de símbolos
étnicos e nacionais”. In: Para Inglês Ver – identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
Por Renata Campetti Amaral, Alexandre Salomão Jabra e Manuela Demarche,
Os recentes acontecimentos relacionados à pandemia da COVID-19, ao longo dos últimos meses, ampliaram as discussões sobre questões ambientais. A preocupação com o futuro do planeta em termos de preservação, riscos e controle ambientais nunca esteve tão em discussão como atualmente. Tais aspectos estão cada vez mais na mira do poder público, do setor privado, da sociedade civil e da mídia. Nesse contexto, o termo da vez no mercado é “ESG”, sigla em inglês para ambiental, social e governança (Environmental, Social and Governance). Esses três aspectos são referências na medição dos índices de sustentabilidade e impacto social de um investimento ou de uma empresa.
No que se refere ao aspecto ambiental, visando facilitar ao investidor a correta identificação de atividades consideradas sustentáveis, a União Europeia desenvolveu um Regulamento de Taxonomia, estabelecendo seis objetivos ambientais. São eles a mitigação das mudanças climáticas, a adaptação a elas, o uso sustentável e a proteção da água e dos recursos marítimos, a transição para uma economia circular, controle e prevenção da poluição e proteção e restauração da biodiversidade. Para considerar uma atividade econômica ecologicamente sustentável, é necessário que ela contribua substancialmente com pelo menos um dos objetivos estabelecidos – e não causar danos significativos a nenhum deles –, além de estar em conformidade com especificidades técnicas de triagem e com as mínimas salvaguardas sociais e de governança.
Tradicionalmente, os aspectos ambientais de ESG estavam restritos às questões climáticas, ou seja, no controle dos gases de efeito estufa (GEE ou GHG), cumprimento das metas de redução de emissões no âmbito do Acordo de Paris, utilização de energia limpa por meio de alterações na matriz energética, dentre outras. Mais recentemente, houve um incremento da preocupação quanto às consequências negativas das mudanças climáticas, como é o caso do aumento gradativo da temperatura global, aumento do nível dos oceanos, destruição do habitat de animais, catástrofes naturais e o aumento no número de incêndios de altas proporções.
Os termos “emergência climática”, “litigância climática”, “riscos climáticos” “energia limpa” e “neutralidade de carbono” passaram a ser estudados e explorados por especialistas da área ambiental com maior intensidade. Isso deve-se ao fato de que grande parte dos riscos globais, além de se relacionarem com questões climáticas, têm resultado em riscos financeiros concretos e nas divulgações obrigatórias de informações por parte de governantes, investidores e empresas. O mindset mudou: a preocupação não se restringe mais àquilo que as empresas podem causar em termos de impactos às mudanças climáticas, mas sim os impactos que as mudanças climáticas podem causar às empresas e negócios.
Um exemplo recente dessa crescente preocupação é a inclusão, pela primeira vez na história, dos efeitos e riscos decorrentes das mudanças climáticas no Relatório de Estabilidade Financeira semestral, do Sistema de Reserva Federal (Federal Reserve System), dos Estados Unidos. O relatório, publicado no início de novembro de 2020, aponta que a incerteza do momento e da intensidade dos eventos e desastres climáticos, assim como a difícil compreensão da relação deles com os resultados econômicos, podem levar a uma reprecificação inesperada de ativos. Dessa forma, é esperado que os bancos elaborem sistemas apropriados para identificar, medir, controlar e monitorar todos os riscos materiais, incluindo os climáticos.
Outro exemplo interessante ocorreu no Reino Unido. Tendo em vista a obrigação imposta às empresas de relatarem os impactos financeiros das mudanças climáticas em seus negócios nos próximos cinco anos, o país é o primeiro a tornar as divulgações obrigatórias, levando em consideração que investidores e governos exigem cada vez mais que as empresas reduzam suas emissões de gases de efeito estufa.
O direito das mudanças climáticas e as discussões mais recentes sobre neutralidade de carbono, mercado de carbono, projetos REDD+ e energia limpa, contudo, não representam as únicas facetas dos aspectos ambientais de ESG atualmente discutidos e incorporados pelo setor privado. Outros aspectos ambientais igualmente relevantes para o conceito ESG envolvem, por exemplo, implementação de medidas de gerenciamento de resíduos e de efluentes, cumprimento com as exigências de logística reversa, observância das regras para acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, implementação de medidas de sustentabilidade e economia circular nos processos produtivos, auditoria ambiental interna e na cadeia de supply chain, observância das restrições aplicáveis para áreas ocupadas por minorias como quilombolas e indígenas, além do cumprimento das diversas normas ambientais.
Nesse contexto, nota-se que, atualmente, os aspectos de ESG não podem ser vislumbrados tão somente sob o enfoque climático, como feito tradicionalmente, mas também de uma forma ainda mais ampla, abrangendo todas as facetas das questões ambientais, cada vez mais relevantes para o desenvolvimento das atividades humanas e essencial para a busca do desenvolvimento sustentável.
Sociedade e investidores estão cada vez mais exigentes e engajados nas cobranças por posicionamentos e ações efetivas das empresas nas questões ambientais, sociais e de governança corporativa.
Não é novidade que o equilibrio entre os aspectos econômicos, ambientais e sociais das atividades empresariais faz parte de uma vida sustentável e que empresas que tem ignorado essas questões ou se envolvido em grandes escândalos ambientais acabam tendo suas operações impactadas, inclusive com a perda de investimentos e credibilidade no mercado.
A tríade formada pelos elementos que compõem o termo ESG (Environmental, Social and Governance) vêm crescendo exponencialmente em importância no mundo dos negócios, saindo do vocabulário do setor de investimentos para fazer parte das manchetes dos jornais e do dia-a-dia da população.
O estudo Mind the gap: the continued divide between investors and corporates on ESG realizado pela PwC em 2019 já destacava que investidores querem cada vez mais compreender os riscos e a estratégia da empresa, buscando informações para avaliar, por exemplo, se existem planos para prevenir violação de direitos humanos ou, ainda, se os membros do conselho possuem a diversidade necessária para compreender os diferentes mercados. Espera-se, assim, melhor avaliar quão preparada a empresa está para o futuro e para lidar com potenciais não-conformidades, minimizando autuações e ações judiciais. Essas empresas seriam mais propensas a terem uma performance sustentável de longo prazo e, consequentemente, gerarem maior valor para seus acionistas.
No entanto, ainda existem diversos desafios. A harmoninzação de parâmetros e critérios ESG é um deles. Existem diferentes entendimentos para avaliar as ações de preservação do meio ambiente, os projetos de responsabilidade social e as práticas de governança corporativa. Ainda de acordo com o estudo da PwC, para muitas empresas existem desafios internos e estruturais como por exemplo o fato de que a área de sustentabilidade em muitas empresas está desconectada das discussões de gestão de riscos e planejamento estratégico de longo e médio prazo.
Apesar dos critérios e parâmetros ESG ainda estarem em um estágio inicial no Brasil, algumas medidas de compliance ambiental, bem-estar no trabalho, maior diversidade nos conselhos e metas de redução de emissões de gases de efeito estufa vem se estabelecendo de forma crescente no país.
Alguns dos principais desafios para a implementação destas práticas por parte das empresas é, inicialmente, definir o escopo dos trabalhos que serão realizados, a quem eles visam beneficiar, entender e saber explicar de forma clara aos investidores quais são os riscos e benefícios envolvidos, entre outros.
Para os investidores e consumidores, por outro lado, um grande desafio é conseguir identificar se as condutas das empresas são efetivas ou se apenas aparentam ser ações relacionadas com questões ambientais, sociais e de governança (greenwashing).
O movimento ESG, apesar de apresentar alguns desafios que precisam ser encarados com seriedade, deixou de ser o futuro e hoje faz parte da realidade, sendo um forte elemento na recuperação da economia no período pós-pandemia.
Investir em práticas de ESG e principalmente em ações voltadas para a construção de critérios e parâmetros sérios para que as medidas sejam efetivas e tragam retorno é essencial, gerando não apenas maior valor para acionistas como também resutados importantes para uma sociedade sustentável.
Por diversas razões (inclusive a Pandemia de COVID19) estamos vivendo uma era de grande movimentação na economia mundial com muitas atividades e grandes investimentos nos diversos setores do mercado, principalmente quando se fala em aquisição de ativos e de companhia. No mercado de energia esta situação não é diferente com negociações acontecendo por projetos, ativos ou até companhias inteiras. Mais especificamente se forem projetos esta movimentação está acontecendo, não importando o estágio que se encontram os portfólios, podendo estar eles em desenvolvimento (green field) ou construção (brown field). Para os investidores são muitas as oportunidades e elas podem ocorrer de algumas formas básicas, sendo as mais importantes as negociações bilaterais entre empresas, que geralmente são utilizadas quando projetos ou ativos mais específicos são o alvo da aquisição, e os processos competitivos entre um vendedor e diversas empresas que podem fazer proposta para aquisição, esta última sendo mais utilizada normalmente quando um portfólio maior de negócios está em jogo, e um leilão capitaneado por uma instituição financeira é realizado.
Obviamente quando estes processos iniciam, os investidores interessados necessitam ter a certeza de que estarão realizando um investimento seguro e rentável e por este motivo são realizadas as Due Diligence nas diversas áreas do negócio como: área técnica, ambiental, social, contábil, financeira, jurídica, recursos humanos, informática, entre outras. Estas diligências contam com uma análise profunda de toda a documentação sobre o portfólio disponibilizada pela empresa vendedora, e em alguns casos (áreas técnica e ambiental por exemplo) com uma visita de inspeção para conhecimento “in loco” da situação dos ativos em questão.
Como já comentado, o investidor necessita que estas diligências consigam trazer o conforto possível para que o investimento venha a ser seguro e rentável, desta forma o maior objetivo delas é entender e identificar os principais pontos de atenção além de definir os custos necessários para sua resolução, de modo a evitar qualquer problema durante a operação futura que venha a impactar de forma significativa a rentabilidade desejada.
Quando se fala em rentabilidade de ativos de geração de energia, pode muito rapidamente vir à mente questões de preço de energia, custos de operação e manutenção e aspectos técnicos que obviamente são muito escrutinizados em um processo de diligência para aquisição. Muitas vezes, por causa deste pensamento rápido, quiçá quase mecânico, os aspectos ambientais e sociais não são tratados da maneira que deveriam com a atenção necessária, sendo algumas vezes relegados à um segundo plano de importância ou de prioridades, bastando apenas a informação que as licenças ambientais estão válidas e as condicionantes sendo cumpridas, sem um olhar mais atento aos riscos e inclusive às oportunidades que estes projeto podem trazer.
Hoje em dia estamos em uma época que a transição energética é um fator determinante para a sustentabilidade, sendo a questão da descarbonização da matriz de energia um dos aspectos fundamentais quando se trata da crise climática. A mudança de uma sociedade movida à combustíveis fósseis para uma situação em que seja predominante a utilização de energia renovável é um dos pilares desta transição, e as oportunidades de investimentos em renováveis (em desenvolvimento, construção ou operação) tendem a aumentar de forma exponencial.
Mas devemos lembrar que o perfil dos investidores (sejam eles pessoas ou fundos) tem mudado radicalmente, deixando aquela antiga premissa de quanto maior o rendimento melhor o investimento, para uma premissa onde além do rendimento, o legado que este investimento vai deixar para a sociedade é tão importante quanto o ganho financeiro a ser auferido. São os chamados investimentos responsáveis, mais alinhados com valores pessoais e que possam fazer impactos positivos no meio ambiente e na sociedade.
Podemos perceber várias movimentações neste sentido como por exemplo as ações da gestora Black Rock que tem mais de US$ 7 trilhões sob sua gestão e vem realizando diversas medidas para modificar estruturas que comprometem o meio ambiente e a sustentabilidade através de sua influência e poder financeiro como grande acionista em diversos setores da economia.
Para garantir e alavancar os investimentos responsáveis o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas e o Setor Financeiro Global – UNEPFI e o UN Global Compact lançaram já a algum tempo os Princípios para Investimentos Responsáveis ou UNPRI, para alcançar objetivo financeiro global sustentável incentivando a adoção dos princípios e promovendo a boa governança, integridade e responsabilidade.
De uma forma geral estes investimentos devem entender suas implicações nas questões ambientais, sociais e de governança sendo muito importante a integração deste entendimento na decisão de investimento. Parte da premissa que um sistema financeiro global eficiente e sustentável é uma necessidade para a criação de valor a longo prazo que recompensará investimentos responsáveis que trazem benefícios ao meio ambiente e à sociedade, ou seja, deixam um real e importante legado.
Os três fatores centrais na caracterização de um investimento responsável, ou seja, na medição da sustentabilidade e do impacto social de um investimento em uma empresa ou em um negócio são os aspectos Ambiental (E), Social (S) e de Governança (G) – ESG, que são determinantes para a melhoria do desempenho financeiro futuro das empresas.
Cabe salientar, que apesar de hoje em dia esta sigla ESG estar “na moda”, ela nada mais é que o resultado de uma evolução que ganhou momentum no século passado com a definição do princípio de sustentabilidade conforme Gro Harlem Brundtland, primeira-ministra da Noruega colocou em “Nosso Futuro Comum” em 1987: “Sustentabilidade é satisfação de necessidades presentes sem comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras”, sendo portanto princípio de “longo prazo” que ao ser aplicado precisa ser ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo. A partir daí vieram Agenda 21 e Desenvolvimento Sustentável, Objetivos do Milênio e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS.
Estas constatações por si só demonstram a importância que estes aspectos ESG passam a ter quando da realização de diligências para aquisições de projetos e de empresas, pois estes fatores serão fundamentais para a sobrevivência do negócio por um longo tempo.
O que era antes “relegado” à uma análise de validade de licenças e cumprimento de condicionantes passa a levar em conta diversos aspectos como:
Emissão de Gases de Efeito Estufa;
Qualidade do Ar;
Gestão e Consumo de Energia;
Gestão e Consumo de Água;
Gestão de Resíduos;
Impactos Ecológicos e Proteção de Biodiversidade;
Direitos Humanos e Relação com as Comunidades;
Práticas Trabalhistas;
Diversidade;
Saúde e Segurança do Trabalho;
Gestão de Cadeia de Fornecimento;
Impactos do Negócio nas Mudanças Climáticas;
Análise de Riscos Sociais e Ambientais;
Gestão de Riscos;
Resiliência do Negócio às Mudanças Climáticas; e
Ética nos Negócios.
Não pode se deixar de comentar que uma análise destes aspectos de forma mais profunda pode trazer à tona oportunidades de investimentos em ações ESG, que venham a alavancar o desempenho de companhias e fundos de investimentos, atraindo os investidores “responsáveis” e trazendo uma garantia de menores riscos e maior rentabilidade garantindo uma verdadeira sustentabilidade
Obviamente cada tipo de negócio tem suas materialidades específicas, mas todos eles devem sempre levar em consideração os aspectos de sustentabilidade para própria sobrevivência.
Uma Due Diligence que consiga integrar os aspectos ESG com todos os demais aspectos técnicos e financeiros de forma estratégica, de modo que eles também façam parte importante na decisão final do investimento, pode garantir ao investidor além da rentabilidade desejada a certeza de que, agindo desta forma com a mitigação de riscos sociais e ambientais (e obviamente riscos reputacionais) estará, através de um investimento responsável deixando um legado importante, contribuindo para a sustentabilidade e sobrevivência da sociedade como também do próprio negócio.